Militante de causas, Élia Mendonça foi presa por participar, aos 18 anos, numa manifestação contra a guerra colonial
Nunca militou organizadamente em nenhum partido, mas vem de uma família de tradição de resistência e de esquerda e foi educada num clima de resistência ao regime de ditadura. “Em casa não havia filiação, mas éramos todos militantemente ativistas contra o [Antigo] regime ”, recorda Élia Mendonça, que desde cedo começou a ir, com a família, a manifestações, encontros clandestinos e eventos culturais de intervenção política.
Natural do Barreiro e, embora tenha vindo com dois anos morar nas Caldas, Élia Mendonça, continuou a frequentar as sociedades recreativas da Margem Sul, nomeadamente da Baixa da Banheira, Barreiro e Adros Vedros, onde decorriam, ao fim de semana, esses encontros. Também nas Caldas, o Conjunto Cénico Caldense (CCC) “tinha um papel cultural muito importante na própria resistência ao Estado Novo”, recorda.
Quando foi para a Faculdade de Letras, em Lisboa, onde viria a licenciar-se em História, começou a participar nas manifestações que havia, sobretudo, contra a guerra colonial. Na altura havia quase diariamente confrontos entre a polícia e os jovens. A cantina da cidade universitária, local que também era aproveitado para tertúlias, venda de livros clandestinos, dos vários movimentos políticos, era quase todos os dias “visitada” pela polícia de choque “a bater em toda a gente”.
Foram “momentos muito tumultuosos” que culminaram com uma manifestação contra a guerra colonial na Praça do Chile. Élia, então com 18 anos, foi com um grupo que, entretanto, com as movimentações da polícia, dispersou-se, mas ela quedou-se ao ver um rapaz a ser agredido por um agente à paisana. Também ela foi agarrada pela polícia e, como na altura fazia judo e estava em boa forma física, terá dado luta. “Segundo o processo [da polícia], terei agredido um agente. Quando ele se dirigiu a mim, puxei-o pelo nó da gravata e tentei estrangulá-lo, mas isso não aconteceu, só me defendi”, afirma, acrescentando que levou muita pancada e que ficou ferida na cabeça. “Oito homens bateram-me na rua”, recorda, especificando que sabe o número porque, já na Esquadra do Alto de S. João o “graduado quando chegou disse: são precisos oito homens para bater numa mulher!”.
“Não provei a comida de Caxias”
Na sua biografia prisional vem referido que foi presa, a 21 de fevereiro, por “desenvolver atividades contra a segurança do Estado”. A foto que se encontra no processo 29417 (e publicada no livro Mulheres Portuguesas na Resistência, de Rose Nery Nobre de Melo) mostra a falta de mecha de cabelo que foi arrancada. Acabaria por levar vários pontos na cabeça, nas instalações do Governo Civil, e depois levada para as instalações da PIDE DGS, na António Maria Cardoso e, dali, transferida para Caxias, já pela madrugada. Nessa noite havia combinado com as amigas que, se fossem separadas, tal como veio a acontecer, fariam greve de fome. Élia cumpriu a sua palavra, até saber que as outras raparigas haviam sido libertadas e, a partir daí começou a alimentar-se a pão e água. Mas, durante a semana em que esteve presa, numa cela em isolamento no reduto norte da prisão, nunca provou a “comida de Caxias”.
Entretanto, e para não ir a julgamento, os avós pagaram 14 contos (perto de 70 euros) de caução, que era uma pequena fortuna na altura. “Quando se deu o 25 Abril, os presos políticos podiam lá ir buscar o dinheiro, mas eu nunca fui buscá-lo, nem a minha ficha na PIDE”, recorda Élia Mendonça.
Para a jovem, a revolução foi “a madrugada que eu esperava”, diz, parafraseando Sophia de Mello Breyner Andresen. Lamenta a “humanidade se esqueça do que já se passou, pois estamos a avançar muito rapidamente para um retrocesso de valores e de tudo aquilo por que lutámos, nomeadamente as mulheres”. Entre as conquistas salienta a liberdade com o seu corpo, que “estão a ser postas em causa outra vez, tudo isso nos faz refletir sobre a importância de voltar à luta, não a comemorações, mas sim à luta”, concretiza.
Élia já foi delegada sindical, do sindicato dos professores, mas realça que tem uma visão “diferente” do sindicalismo. “Sou do tempo em que pagámos para irmos a ações do sindicato”, conta, acrescentando que, continua a ser sócia, mas deixou a militância. Atualmente integra o Núcleo das Caldas da Rainha da Associação José Afonso (AJA), que se encontra a dinamizar um conjunto de iniciativas culturais para assinalar os 40 anos da Festa da Amizade (1983). Tratou-se de um concerto solidário, onde esteve envolvido o pai de Élia Mendonça e que pretendeu reunir fundos para pagar-lhe os tratamentos médicos.
Assume-se contra efemérides como o Dia da Mulher, pois assinalam o que é excluído por qualquer razão. Na sua opinião, assinalar o Dia da Mulher sem o homem não faz sentido porque só em parceria e igualdade de género é que as coisas se devem resolver. “Não fico feliz por ir a uma jantarada e dar um pé de dança pois posso fazê-lo no dia em que me apetecer, não é preciso um dia específico”, diz.
A verdadeira militância é, para Élia Mendonça, “sempre cultural e de resistência daquilo que está errado, venha de onde vier”, conclui. ■