Não foi só neste mandato que houve irregularidades nas contas da Junta de Freguesia da Foz do Arelho. Em 2013, ainda durante a gestão de Fernando Horta (PSD), já havia procedimentos contabilísticos incorrectos que podiam facilitar o desvio de dinheiros, bem como a existência de um saco azul com as receitas dos parques de auto-caravanas e de estacionamento.
Sílvia Sousa, que trabalhou naquela junta de freguesia em 2013 e apanhou a transição do mandato de Fernando Horta para o de Fernando Sousa (MVC), diz que a secretária Maria dos Anjos (que após as eleições autárquicas passou a pertencer ao executivo da Junta também pelo MVC), é a principal responsável pela situação das contas fozenses.
Sílvia Sousa, 45 anos, foi colocada na Junta da Foz do Arelho em Maio de 2013 no âmbito de um POC (Plano Ocupacional) do Centro de Emprego. Licenciada em Secretariado Técnico Administrativo pelo ISLA, com experiência de trabalho em empresas de novas tecnologias e bons conhecimentos de Contabilidade, diz que não lhe foi difícil aperceber-se que algo não estava a correr bem na papelada com que trabalhava na autarquia.
As dúvidas que colocava à sua colega Maria dos Anjos, funcionária da Junta da Freguesia, eram respondidas com evasivas ou com respostas bruscas do tipo “não tens nada a ver com isso”. Sílvia Sousa diz que à medida que mexia nos papéis, mais contas antigas encontrava por pagar, mais coimas por incumprimento ao Estado (por exemplo à Segurança Social) descobria, e mais despesas sem contrapartida documental apareciam.
O ambiente na casa não era o melhor. Sílvia Sousa reconhece que a relação com Maria dos Anjos se deteriorou. Mas também os ânimos entre esta e o presidente Fernando Horta andavam alterados. Corria o Verão de 2013, aproximavam-se as autárquicas de Setembro e Maria dos Anjos era candidata à Junta de Freguesia pelo MVC enquanto o seu presidente, Fernando Horta, se recandidatava pelo PSD.
Uma coisa era certa: a candidata do MVC, enquanto empregada da Junta, tinha informação privilegiada sobre a situação da autarquia e sabia de tudo o que lá se passava. Mas, naturalmente, o seu estatuto de funcionária não a proibia de ser uma cidadã com direito a eleger e a ser eleita e, por isso, livre de se apresentar às eleições.
Estas dariam a vitória ao movimento cívico Viver o Concelho e Maria dos Anjos passou a número dois daquela Junta, logo a seguir ao seu novo presidente, Fernando Sousa.
Sílvia Sousa diz que a colega rapidamente confundiu as suas competências enquanto funcionária e autarca da mesma Junta, que fazia o que queria e que não tolerava perguntas sobre as contas.
Mas o que havia de tão grave nessas contas?
“As receitas das auto-caravanas e do parque de estacionamento não tinham comprovativos e o dinheiro era depositado no cofre, que a Maria dos Anjos abria quando queria. Não havia controlo dessas entradas e saídas. O pagamento dos ATLs [Ateliers de Tempos Livres] por parte dos pais nem sempre tinham o correspondente recibo. Houve pelo menos uma funcionária de um ATL a quem se esqueceram (para não dizer outra coisa) de entregar os descontos à Segurança Social e só o fizeram mais tarde, com multa, porque ela reclamou. E havia dinheiros cobrados pelos certificados de residência que não chegavam a dar entrada nem havia recibo. E até nas Feiras das Velharias, que se realizava uma vez por mês e onde a Junta cobrava aos vendedores pelo espaço, não se sabia onde paravam todas as receitas.”
Acusações graves? Sílvia Sousa diz que não são acusações nem denúncias, mas tão-só aquilo que lhe foi dada oportunidade de assistir e que achou preocupante porque não estava habituada a ver tanta desorganização e uma contabilidade tão irregular nas empresas onde já tinha trabalhado.
A entrada do contabilista
Em Outubro de 2013, pouco depois das eleições, Maria dos Anjos diz ao presidente Fernando Sousa que ou este despede Silvia ou aquela mete baixa. Isto segundo Silva Sousa, que garante ter assistido à conversa. E segundo a sua versão, o presidente da Junta, apesar de se dar bem com Maria dos Anjos, diz que não cede. A sua número dois mete baixa.
Sílvia Sousa diz que é por esta altura que convence Fernando Sousa a recorrer aos serviços de um contabilista para verificar as contas da autarquia. “O contabilista veio, olhou para os papéis e não demorou muito a concluir que havia ali falta de dinheiro e muita irregularidade nos procedimentos contabilísticos”.
E porque não denunciou Silva Sousa esta situação ao Ministério Público?
“Não tinha que ser eu a fazê-lo, mas sim o presidente da Junta, que preferiu ir aguentando e disfarçando aquela situação. Em Dezembro a minha filha adoeceu e tive que meter baixa. Ao fim de 15 dias, de acordo com o estatuto do programa ocupacional a que estava sujeita, Fernando Sousa despediu-me e nunca mais voltei à Junta. E logo de seguida a Maria dos Anjos terminou a baixa e regressou.”
Se agora decidiu falar à Gazeta das Caldas, “foi porque na altura nenhum dos dois presidentes acreditou em mim”, conta. E remata: “não tenho dúvidas de que coisas muito graves ali se passaram. Se me quiserem processar, façam uma auditoria e vão ver que tenho razão. Mas não apenas às contas de 2015. Façam até 2012, 2011 e 2010 e vão ver o que lá encontram”.
PRESIDENTES DESMENTEM
Contactado pela Gazeta das Caldas, Fernando Horta refuta toda as acusações da antiga funcionária. “São completamente falsas”, disse, e dá o exemplo das Feira das Velharias, “que nunca existiu durante os meus mandatos”.
O ex-autarca diz que “todas as receitas do parque de estacionamento e, mais tarde, do parque de auto-caravanas tinham um sistema interno de controlo entre o funcionário que fazia a cobrança, a funcionária administrativa e o tesoureiro da Junta”.
Quanto à funcionária Maria dos Anjos, o antigo presidente da Foz do Arelho diz que sempre mereceu a sua confiança. “Não tenho nada de especial a apontar-lhe”, afirmou, salvaguardando, contudo, que no seu mandato esta era apenas funcionária da Junta e que no mandato seguinte passou também a ser autarca.
Por fim, numa alusão às dúvidas sobre as contas fozenses, fez questão de sublinhar que nos seus oito anos de autarca nunca usou telefone da Junta e nunca entregou despesas de combustível, nem de portagens, nem de refeições.
O actual presidente, Fernando Sousa, instado a comentar as declarações da antiga funcionária, disse que estas “não correspondem à verdade” e que “as contas estão correctas e à disposição de quem as quiser consultar”.
Gazeta das Caldas não conseguiu falar com Maria dos Anjos.