O passado tem muito peso e nem mesmo com uma Assembleia de Freguesia nova e uma vitória nas urnas, o presidente Fernando Sousa consegue libertar-se da confusão em que deixou as contas da Foz do Arelho nos últimos quatro anos. Na Assembleia de Freguesia de sexta-feira, dia 10 de Novembro, os principais pontos da ordem de trabalho foram adiados porque a Junta não tem orçamento e vive de duodécimos, o que impede a tomada de algumas decisões.
O CDS/PP propôs na campanha eleitoral a dissolução da associação que está incrustada na Junta de Freguesia, mas foi um seu eleito, o presidente da Assembleia, José Luís Quaresma, que logo na segunda reunião do novo mandato veio propor um reforço de verbas para aquela entidade.
A proposta era justificada com a necessidade contratar pessoal para trabalhar ao serviço da Associação (que funciona como uma “segunda Junta de Freguesia” para evitar as penhoras da família Calado), num montante que, segundo as contas da oposição PSD, seria de 60 mil euros.
“Em Maio já tinham sido transferidos 48 mil euros para a Associação e agora vêm pedir mais 60 mil euros. Isso dá 110 mil euros, é quase metade do orçamento da Junta!”. Fernando Horta, ex-presidente daquela Junta, disse que o PSD não aprovaria tal transferência porque era ilegal, no que foi reforçado pelo seu colega Rogério Rebelo que deu o exemplo das associações que estão na órbita da Câmara das Caldas (ligadas ao Centro da Juventude, AIRO e CCC) que só podem receber dinheiro do município quando há protocolos que aprovem essas transferências. “O mesmo se passa ao nível de uma Junta de Freguesia”, disse.
Fernando Horta referiu que nos seus mandatos as únicas transferências da Junta para a associação eram praticamente à justa para pagar os salários dos dois funcionários e que não havia transferências em sentido contrário, tal como aconteceu com Fernando Sousa. E perguntou ao presidente como é que se justifica que, a dado momento, a associação também tenha ficado com receitas do parque de auto-caravanas.
Fernando Sousa diz que o fez por recomendação do advogado António Cipriano que chegou a elaborar um protocolo para precaver que a exploração do parque passaria da Junta para a Associação, mas que depois viu que isso poderia ser ilegal e recuou, voltando a Junta a ficar com as receitas das auto-caravanas.
Contudo, o PSD manteve-se irredutível na recusa em aprovar as transferências. Fernando Horta – que com a sua experiência de autarca se revelou o mais bem preparado de todos os presentes – alertou que Fernando Sousa podia perfeitamente contratar pessoal sem ser pela Associação e deu uma lição sobre quais as receitas da Junta que podiam ser penhoradas e quais as que estavam blindadas a qualquer penhora. Pelas suas contas, o executivo poderia perfeitamente recrutar pessoal e até recordou que havia um lugar de assistente operacional que estava vago depois da reforma de um funcionário e que competia ao executivo preenchê-lo. Por tudo isso, concluía, não havia necessidade de se contratar pessoal pela Associação quando a própria Junta o poderia fazer.
Mas o derradeiro argumento foi que a Junta de Freguesia não tem orçamento (a anterior Assembleia nunca aprovou as contas de Fernando Sousa) e que não fazia sentido estar a fazer transferências sem esse documento estar concluído.
Por esse motivo, foi decidido não se votar a transferência e guardar o assunto para a próxima reunião.
OUTRO ADIAMENTO
O mesmo argumento de a Junta estar a viver de duodécimos foi válido igualmente para o segundo ponto da ordem de trabalhos. José Luis Quaresma quis dar a mão a Fernando Sousa e pediu à Assembleia de Freguesia que aprovasse a remuneração do presidente da Junta. Isto porque a auditoria realizada ao mandato anterior revelou que o autarca recebia ilegalmente um vencimento (sem que a Assembleia de Freguesia tenha sido convidada a pronunciar-se), bem como subsídios de férias e de Natal, descontos para a Segurança Social e despesas de representação.
O relatório da auditoria refere que Fernando Sousa só tinha direito a subsídio de compensação e não ao vencimento a meio tempo que auferiu durante o mandato, pelo que deveria devolver 12.755,08 euros à Junta acrescidos de 3.662,58 euros de subsídios de férias e de Natal que, por lei, não teria direito.
Como neste mandato o presidente da Junta quer continuar a ser remunerado, tratava-se de legalizar essa situação através do aval da Assembleia da Freguesia.
Fernando Horta foi quem, mais uma vez, lembrou que não compete à Assembleia validar tal remuneração, mas tão só fiscalizar o cumprimento da lei. E a lei diz que Fernando Sousa só tem direito a remuneração a meio tempo se esse custo não exceder 12% do orçamento da freguesia. Ora a freguesia não tem orçamento. Logo o assunto também não foi votado e ficou adiado.
No terceiro ponto da ordem de trabalhos o CDS propôs que fosse comprado um software informático para controlar as entradas e receitas do parque de auto-caravanas. Mas Fernando Horta disse que isso era missão do executivo e não da Assembleia. Resolveu-se por isso, por unanimidade, criar uma comissão para estudar essa possibilidade e apresentá-la depois ao executivo. O objectivo do sistema informático é acabar com as dúvidas sobre a transparência das contas do parque de auto-caravanas.
ONDE ESTÃO AS ACTAS?
A parte final da Assembleia só teve consenso na proposta, também do presidente José Luís Quaresma, em que as sessões deste órgão fossem gravadas e disponibilizadas no site da freguesia. Depois seguiu-se alguma confusão porque soube-se que faltam duas ou três actas do mandato anterior, que supostamente deveriam ter sido redigidas pelo secretário Diogo Carvalho (CDS/PP), as quais já estariam feitas, no dizer de José Luís Quaresma, mas que não tinham chegado à Junta, no dizer de Fernando Sousa.
A questão das actas revelou-se importante porque José Luís Quaresma pôs em causa as suas obrigações perante Filipe Mateus (responsável pela auditoria às contas da Junta e da Associação), recusando-se a entregar-lhe a documentação que este lhe pedira, a menos que a Assembleia tal deliberasse. Em vão o PSD lhe recordou que essa obrigação de entregar os documentos era óbvia porque provinha de uma decisão unânime daquele órgão no mandato anterior. No entanto, as dúvidas do presidente da Assembleia de Freguesia tiveram mesmo que ser resolvidas em votação, com todos a decidiram que a documentação deveria ser entregue.
Fernando Sousa recordou que a deliberação de pagar 4500 euros de honorários a Filipe Mateus está na acta que desapareceu e que o período da auditoria em curso se limitava aos primeiros seis meses de 2017 e não a nove meses. Mas disse que não tinha nada a temer e que podiam dar a documentação até Setembro (que coincide com o fim do mandato anterior).
Informou também que a sua anterior colega de lista do MVC e também funcionária da Junta, Maria dos Anjos, tinha acabado a baixa após as eleições, se tinha apresentado ao serviço, mas entrara logo a seguir em gozo de férias. O caso desta funcionária, a quem Fernando Sousa sempre acusou de ter levantado cheques da Junta em seu nome, encontra-se entregue a um advogado.
OS CHEQUES DA CAIXA AGRÍCOLA
José Luis Quaresma informou também sobre o que todos já sabiam – que o Ministério Público está a investigar as contas da Junta entre 2013 e 2016. E contou que Filipe Mateus se queixara que não recebera ainda cópias dos cheques da Caixa Agrícola, necessários para completar a auditoria. Gazeta das Caldas contactou a Caixa de Crédito Agrícola das Caldas da Rainha perguntando se havia alguma orientação superior para não colaborar com a auditoria, mas não obteve resposta.
No final da sessão, Fernando Sousa interveio para manifestar a sua preocupação pelo atraso da segunda fase das dragagens, que, por não ser feita, fez com que o resultado das dragagens da primeira fase “fossem pela água abaixo”. E alertou para a complexidade das dragagens do braço da Barosa, cujos lodos estão muito contaminados e que podem trazer danos muito graves à fauna da lagoa e pôr até em perigo a bandeira azul nas praias da Foz.
Insurgindo-se contra a inoperacionalidade da APA (Agência Portuguesa do Ambiente), revelou também que esta nunca mais se decidia sobre o cais da Foz do Arelho, o qual deverá ser desmantelado ou construído outro no mesmo local. “A situação como está é que não serve a ninguém”, disse.