Tinta Ferreira assume liderança da Fundação FEFAL, em Coimbra

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Autarca durante 25 anos e agora vereador na oposição, Tinta Ferreira suspendeu o mandato para abraçar as novas funções. Não descarta a possibilidade de se recandidatar e deixa críticas à gestão “sem estratégia” do atual executivo

Suspendeu a atividade como vereador na Câmara das Caldas. Por que o fez?
Tive necessidade de apresentar o meu pedido de suspensão de mandato, por um período que ainda não sei identificar, porque fui eleito, por unanimidade, presidente do Conselho de Administração da Fundação para os Estudos e Formação das Autarquias Locais (FEFAL). Trata-se de um organismo instituído pela Associação Nacional de Municípios Portugueses que tem como missão a formação e capacitação dos trabalhadores da administração local, tanto ao nível das câmaras como das freguesias.
Há a tradição de quem está nessas funções ter sido autarca, no meu caso coincide com o facto de ter 25 anos de experiência autárquica em regime de permanência e 11 anos de experiência profissional ao nível da formação profissional.
Estava a fazer uma atividade que gostava, mas não vou negar que é um desafio com outro estímulo.

Essas funções não são conciliáveis com o lugar na vereação?
Não sei se não virão a ser, mas numa primeira fase achei que era difícil de compatibilizar e desempenhar a 100% a minha tarefa profissional na FEFAL. Achei que tinha de começar por dar a perspetiva que estou ali de corpo inteiro e empenhadíssimo em que a Fundação seja dirigida de forma adequada. Modéstia à parte acho que tenho dado provas de ser competente naquilo que faço.
Não quer dizer que depois de organizar a estrutura da forma que considero mais adequada à minha maneira de trabalhar, não consiga organizar-me e arranjar forma de conciliar papéis. Nessa altura avaliarei se tenho ou não condições para regressar.

A eleição surgiu por proposta. Sabe quem o indicou?
Sei, mas reservo-me o direito de não o dizer. E senti-me reconhecido por os meus pares acharem que eu tinha perfil para uma missão tão relevante para os municípios em Portugal.

Foi presidente de Câmara durante oito anos e neste último mandato está como vereador da oposição. Que balanço faz deste mandato e da sua ação?
A maioria dos presidentes de Câmara, que se candidatam e não são reeleitos, normalmente não aceitam ficar na Câmara. Eu achei que era importante, numa primeira fase, estar presente porque foram muitos anos de trabalho autárquico e era necessária alguma transmissão de conhecimento e experiência.
Nesta fase acho que o meu papel já não é tão importante desse ponto de vista. Até diria que é um bom momento para fazer uma pausa porque as pessoas já têm praticamente meio mandato feito e, portanto, têm obrigação de saber como fazer e como gerir uma autarquia.
Reconheço que é muito difícil para quem está no exercício de funções autárquicas há tantos anos vestir o papel da oposição pura e dura, uma vez que teve sempre uma visão mais construtiva, no sentido de executar. E torna-se difícil estar a contestar coisas que foram preparadas pela minha equipa durante este meio mandato. Por exemplo, se estava em curso a obra da ala sul do Hospital Termal ou da Igreja de N. Sra do Pópulo, não vamos contestar a sua conclusão.

Mas também houve divergências. Quais foram as principais?
Sim, por exemplo a questão do aumento das tarifas de água e saneamento que votámos contra porque achávamos que, mesmo que fosse necessário algum aumento, não tinha de ser tão violento. Contestámos também o fim dos benefícios COVID-19. Agora poderia ter outro nome, mas era importante que continuassem porque passámos de uma situação de crise no contexto pandémico para uma crise por causa do contexto inflacionista. Não concordámos com o fim desses benefícios e sabíamos que a Câmara iria ter dinheiro para fazer face a estas propostas. Sempre foi uma bandeira do PSD impostos e tarifas baixas e cobrar o menos possível às pessoas, encurtando, se necessário, as gorduras da Câmara para fazer face a essas situações.
Outra das divergências prende-se com a devolução do IRS aos munícipes, dentro da mesma linha de pensamento: há dinheiro para duplicar o benefício que a Câmara já dava aos contribuintes. Esta era uma medida destinada à classe média, que nas Caldas é decisiva porque é quem provoca o consumo e somos uma cidade de comércio e serviços. Divergimos ainda em alguns ajustes diretos que são feitos para prestações de serviços, que achamos que não são necessários porque há recursos na câmara para fazer face a essas situações. Duplicar ajustes diretos com prestadores de serviços em áreas em que a câmara tem conhecimentos são gastos desnecessários. Divergimos nos eventos em que, simbolicamente, o executivo optou mudar, como é o caso da Frutos, o Caldas Street Food, o World Press Cartoon e o 15 de maio.

O PSD votou contra no último orçamento. Porquê?
Divergimos globalmente no último plano e orçamento porque verificámos que há um aumento excessivo da despesa corrente em detrimento da despesa de capital. Este já não é o nosso plano.
Não há obras de carácter estratégico, como foi para nós o parque de estacionamento da Praça 25 de Abril, o desígnio termal ou a própria regeneração urbana. As propostas que se fazem para execução são de obras que eram já pensadas e abandonam-se algumas estruturais, como a frente marítima e lagunar.
O concelho abrandou, está mais parado. Considero que há falta de estratégia em termos de obras estruturais e eventos grandiosos, que tenham impacto nacional e tragam pessoas às Caldas.
Estas divergências não foram muito sentidas na comunidade porque estamos praticamente sozinhos neste processo, a fazer oposição. O PS fez um acordo de princípios com o Vamos Mudar, que o tem limitado na sua ação de oposição. Falta debate democrático neste momento no município das Caldas e não estão a ser criadas estruturas alternativas que permitam a participação democrática de grupos ou opiniões divergentes.

Vinte meses depois já encontrou alguma explicação para a derrota do PSD e o que teria feito para evitar tão grande transferência de votos do PSD para o novo movimento?
Acho que há uma conjugação de factores. Alguns erros devemos ter cometido, mas hoje chego à conclusão que as pessoas já percebem que há quem cometa mais erros do que nós. Reconheço que havia alguma saturação de muitos anos de governação do PSD e algum entusiasmo à volta de uma ideia nova, que conjugou todas as votações mais contestatárias. A oposição viu, na novidade desta proposta, a oportunidade de afastar o PSD do poder e as pessoas foram iludidas com a ideia de uma gestão fácil, mas a gestão de uma freguesia não é replicável numa gestão municipal. São coisas diferentes.
Para já o que tem acontecido são tentativas de mudanças simbólicas que não têm resultado. Não há uma visão estratégica nova, há um dar continuidade aquilo que estava em curso, mas de uma forma mais lenta e com menos resultados.
Podem acusar-me de muitas coisas, mas a cidade estava virada do avesso com obras quando estávamos no exercício do poder.
É verdade que o PSD perdeu 30% dos votos, mas os outros partidos perderam 60% dos votos. Se os outros partidos, que não tiveram nenhuma cisão, tivessem mantido o seu eleitorado o PSD apesar de não ter a maioria absoluta, teria ganho as eleições.
Não foi só o PSD quem perdeu as eleições, foram todos. E isso é que eu não estava à espera. Também vejo hoje algum arrependimento porque, afinal, a ilusão que foi criada está a transformar-se em desilusão por parte de muitas pessoas.

Também pode ser um fator negativo para este executivo o facto de não ter um partido a dar-lhe uma base?
Não sei, isso também depende da capacidade de quem está na liderança da estrutura. É óbvio que um partido de governo pode permitir um conjunto de contatos ou relações, ou um partido com peso, pode impedir que algumas “maldades” sejam feitas.

A saúde e, sobretudo a construção do novo hospital nas Caldas tem sido uma bandeira. Acredita que esta será uma realidade?
Mesmo que amanhã saia uma decisão que, por algum motivo, não vá de encontro ao que seja a nossa perspetiva, não devemos desistir. Lembro que foi anunciado um hospital para o Oeste no âmbito das compensações da Ota e… nada.
Não podemos parar de lutar pelos nossos argumentos como válidos e trazer o hospital para o mais perto possível das Caldas.

Se estivesse no poder teria feito alguma coisa diferente neste campo?
Teria tido a oportunidade de ter posições e lutas em locais próprios, que não chegaram a acontecer. O facto de estarmos com a vice-presidência na OesteCIM (PSD) dava também algum respeito a quem estava connosco. Não sei se teria tido melhor resultado, mas teria dado o meu melhor e lutado.
É preciso garantir que o hospital esteja em funcionamento e que funcione nas melhores condições possíveis. Já tinha promovido uma verba para obra, foi necessário mais, esse é o caminho neste momento.

Como vê a evolução dos processos que iniciou, nomeadamente o termalismo e a construção de um Hotel nos Pavilhões do Parque?
Confesso que nesta altura já estaria a contar com a obra do hotel. Foi-nos dito que avançariam depois de concluídas as obras em Alcobaça, o que me parece é que estão à procura de apoios que ajudem a alavancar o investimento. Se o grupo a quem fizemos a concessão na sequência do concurso público internacional não consegue encontrar recursos de apoios que consigam alavancar o investimento, poucos mais conseguiriam, do meu ponto de vista.
O papel do município é trabalhar junto da administração central no sentido desta olhar para o problema e criar linhas de apoio para que a situação se resolva rapidamente.

Estamos a dois anos das próximas autárquicas. Volta a ser candidato ou acha que o PSD vai encontrar um candidato novo e fora das experiências autárquicas anteriores?
Estou agora a fazer um pedido de suspensão de mandato e acho que tenho de estar a pensar noutras coisas, mas não fecho portas. Competirá ao PSD local e nacional fazer a sua avaliação e tomar a sua decisão.
Desta vez, e como não estamos no poder, terá de haver alguma avaliação mais objetiva. Recordo-me que outros concelhos aqui à volta, aquando mudança de presidente de câmara, terão feito estudos de opinião e avaliação que lhes permitiu estarem mais seguros e ter mais certezas do que iriam propor.

O que deve o PSD fazer para voltar a gerir a Câmara?
O PSD deve procurar renovar as suas propostas e os quadros e está a fazê-lo. Temos uma comissão política nova, com gente nova e pessoas da sociedade civil. Tem de reinventar-se, pegando no bom que foi feito até aqui e introduzir pessoas e ideias novas.

Como vê os ataques pessoais que tem sofrido, alguns de gravidade e especialmente de pessoas do seu partido a que esteve anteriormente ligado? Considera estas atitudes inevitáveis na vida política nacional?
Só lamento. Não considero que tenham lógica e não retribuo. Tenho respeito pelo passado e pelo trabalho que foi desenvolvido, mas também não vou dizer que aceito com leviandade. São atitudes que não são corretas, nem do ponto de vista político porque não são críticas políticas, e não correspondem, na maioria das vezes, à realidade.
Se entramos em críticas absurdas que roçam o ataque pessoal acho que perdemos a dignidade. ▪