
Inaugura amanhã, 14 de Abril, no Museu Bernardo, a exposição “We Love 77” da dupla de artistas Sardine & Tobleroni, integrada no projecto CHCR (Caldas da Rainha – Hardcore), na qual 77 pinturas evocam a história e evolução do punk rock.
A exposição, cuja apresentação pode ser vista na Internet (youtu.be/zeJxJcov_gk), vai estar patente até 12 de Maio, depois de ter sido vista pela primeira vez em Londres (onde reside Tobleroni) e Coimbra (onde vive Sardine).
Sardine é Vítor Pedro, um músico que fez parte da banda Tédio Boys, e Tobleroni é Jay Rechsteiner, um artista plástico suíço, radicado em Inglaterra.
Para fazer esta esta série de trabalhos, a dupla de artistas inspirou-se numa edição especial da revista Mojo, que teve como título “Punk 77 Smashers Punk”. As pinturas que vão estar expostas incluem bandas como The Clash, Sex Pistols, Ramones, The Stooges, Patti Smith, Siouxsie and the Banshees e Joy Division, entre outras
O duo Sardine & Tobleroni divide a superfície das suas obras em duas metades, em que o lado direito é pintado por Sardine e o lado esquerdo por Tobleroni. Ambos descrevem a sua prática como “Conceptual Art Brut”, o equivalente ao que o punk significa na música.Sardine & Tobleroni são também os autores da série “Espelho Meu – História do Rock Português em 39 Pinturas”, que reúne pinturas de vários músicos e bandas nacionais, e que esteve em exposição em Lisboa, Porto, Coimbra, Lagos e Grandola.
Caldas da Rainha, terra de hardcore
O CHCR (crhc-zine.tumblr.com/) é uma iniciativa do colectivo caldense Ozzy Project, em parceria com o Museu Bernardo, local onde vão decorrer a maior parte das actividades.
O nome inspira-se num movimento juvenil existente nas Caldas da Rainha, que organiza concertos no Centro da Juventude com bandas hardcore, cuja expressão máxima é o festival anual intitulado “Colhões de Ferro”. Este é um estilo musical que surge do movimento punk que se caracteriza por “tempos extremamente acelerados, canções curtas, letras baseadas no protesto político e social, revolta e frustrações individuais, cantadas de forma agressiva”, como explica a Wikipedia.
Segundo João Belga, mentor do CHCR, há 25 anos que existe nas Caldas da Rainha uma tradição no hardcore e no punk rock, muito baseado na expressão “do it yourself” (D.I.Y. – faz tu mesmo) em que as bandas fazem todo o trabalho sozinhas. “Todo o movimento artístico que existe nas Caldas tem muito a ver com esse mote e é herdeiro desses tempos em que surgiram nomes como o João Paulo Feliciano e o Gi”, considera João Belga.
“Na realidade artística o hardcore tem a ver com a atitude, com a necessidade das pessoas em criarem algo, independentemente dos mercados e dos públicos”, explicou.
Pedro Bernardo reforçou essa ideia de que aquilo que diferencia “os artistas dos não-artistas” acaba por ser “a necessidade que os artistas têm de criarem”, da mesma forma que o Museu Bernardo tem como principal motor essa vontade de fazer algo pela cultura.
O projecto CHCR teve início no final de Fevereiro, com um ciclo de cinema onde foram exibidos (em vários locais da cidade) quatro documentários sobre o tema. “No encerramento desse ciclo de cinema apresentámos a primeira de três fanzines que vamos editar no âmbito do CHCR”, explicou João Belga. O segundo número da fanzine será lançado amanhã, depois da inauguração da exposição dos Sardine & Tobleroni, incluindo uma pequena mostra de objectos relacionados com a história do hardcore nas Caldas.
O CHCR irá terminar em Junho com uma exposição colectiva na Casa Bernardo, para o qual receberam um apoio da Fundação Calouste Gulbenkian. Na exposição vão participar, para além de João Belga, Pedro Bernardo, Pedro Cá e Joana Montez. “Será o culminar do projecto, mas este não se restringe a esse momento expositivo, que também irá incluir um ‘retrato’ daquilo que vamos desenvolver nestes seis meses”, adiantou o artista plástico.
Para João Belga, faz todo o sentido que nesta altura ressurja um maior interesse por este fenómeno, em termos de criação artística. “O hardcore acaba por ser apenas um pretexto. Queremos reunir uma determinada informação e transformá-la num documento” que poderá vir a ser editado em livro.
Segundo Pedro Bernardo, essa realidade alternativa nunca deixou de existir nas Caldas, mesmo que possa ter estado mais escondida em algumas épocas. “Pelo menos para mim passou um bocado ao lado e vim agora reencontrar essas sonoridades por causa deste projecto”, disse.
Mas Pedro Bernardo não tem dúvidas de que a actual situação do país suscita o aparecimento de mais gente interessada nesta cultura. Através dos filmes exibidos no ciclo de cinema sobre o punk, foi possível perceber que este movimento surgiu em Inglaterra numa altura de crise e de mutações na sociedade. “É normal que as artes sejam reflexos desses tempos que estamos a viver hoje”, afirmou o responsável pelo Museu Bernardo.
“Vive-se um certo mau estar e acabou-se a ideia de felicidade que nos foi vendida, que passava muito pelo consumismo. Nesta altura as pessoas têm que se virar para outras coisas para manterem a sua sanidade mental”, considera João Belga. “A arte também pode ser terapia e pode estar mais perto da vida das pessoas”, concluiu.
Pedro Antunes
pantunes@gazetadascaldas.pt