O 25 de Abril contado na primeira pessoa pelo coronel Andrade da Silva

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Coronel Andrade da Silva
O coronel Andrade da Silva veio às Caldas contar na primeira pessoa como viveu o 25 de Abril enquanto um dos militares da revolução - Beatriz Raposo
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Celebrar o 25 de Abril. Foi este o propósito do último “21 às 21”, debate mensal promovido pela Associação MVC – Movimento Viver o Concelho, que teve como convidado João Andrade da Silva, um dos militares que fez parte do Movimento dos Capitães. O coronel relembrou cada passo da revolução – vivida na primeira pessoa – e realçou como é importante que as novas gerações não se esqueçam quem foram os heróis que escreveram a História. 

Antes mesmo de começar a sua intervenção, o coronel Andrade da Silva quis mostrar algumas imagens do documentário “A Hora da Liberdade”, emitido em 1999 pela SIC. “É o documento mais fiel sobre o que aconteceu na revolução, até porque foi baseado no testemunho dos protagonistas que viveram a História”, disse o madeirense, que também aparece retratado no filme.
Em 1974 João Andrade da Silva era tenente na Escola Prática de Artilharia de Vendas Novas. Foi às 22h55 que o quartel ouviu a senha do Rádio Clube Português: “faltam cinco minutos para a 23 horas e vai cantar Paulo de Carvalho”. Seguiu-se a música “E Depois do Adeus”, o que significava que os militares podiam avançar.
“Saímos de Vendas Novas às três da manhã, armados até aos dentes. A madrugada parecia-nos perigosa e gelada e só quando recebemos o primeiro comunicado do MFA é que tudo ficou mais calmo. Entre as 7h00 e as 8h00 chegámos ao Pragal”, contou o convidado, realçando que pelo caminho ninguém lhes fez grande caso, apesar do armamento que levavam. “Nem a polícia, nem os jornalistas, nem a população. Durante as primeiras horas do 25 de Abril estivemos sós”, salientou. A sua missão era montar uma estrutura defensiva no Pragal, junto à ponte sobre o Tejo e ao Cristo Rei, cortando o acesso sul a Lisboa e controlando o estuário.
Para Andrade da Silva, a revolução foi um compromisso assumido até às últimas consequências. Os militares que aderiram ao Movimento sabiam que o risco que corriam podia pôr em causa as suas próprias vidas. Ninguém os enganou. “Tratou-se de um acto de coragem, voluntarismo e amor à pátria, nada mais. E se fizemos o que fizemos não foi à espera de gratidão”, frisou o coronel, acrescentando que isso não significa que não haja o dever de recordar os nomes que escreveram a História. Na sua opinião, é mesmo um dever dos próprios militares contarem o que aconteceu, não só nesta revolução como noutras em que tiveram um papel determinante.
UM MOVIMENTO DE JOVENS

Mais: é importante recordar o 25 de Abril às novas gerações. Em 1974, João Andrade da Silva era um jovem de vinte e poucos anos, tal como a maior parte dos seus companheiros. Naquela altura, “o nosso sonho passava por um futuro sem guerra e em democracia, mas hoje há mais futuros sobre os quais é preciso reflectir”, alertou o convidado, dando como exemplo as consequências que resultarão da 4ª revolução industrial.
Sobre este ponto, Teresa Serrenho (MVC) acrescentou que a sociedade não tem só o papel de lembrar aos mais novos o que foi a revolução, como também deve explicar-lhes as razões que a motivaram. “A mudança só tem valor quando se sabe por que se mudou. É preciso contar aos jovens como é que se vivia antes, sem liberdade e com uma extrema falta de meios”, disse a responsável.
Andrade da Silva também não esqueceu as Caldas da Rainha na sua intervenção e relativamente ao 16 de Março disse que foi “o terreno sagrado para a revolução”. Isto porque não só serviu para acelerar o processo, como para o Movimento melhorar a sua própria organização. “Essa aventura, que se revelou trágica para alguns militares, forneceu dados de valor incalculável para que se preparasse uma acção nacional sem as mesmas falhas”, frisou o coronel.

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A GUERRA JÁ ESTAVA PERDIDA

Antes de aderir ao Movimento dos Capitães, Andrade da Silva esteve na Guerra Colonial em Angola, entre 1971 e 1972. Foi em Dezembro deste último ano que escreveu a outro alferes do seu curso para denunciar o erro daquele conflito, salientando como era necessário mudar o curso da História.
“Percebi que Angola não fazia parte da nossa pátria, falávamos línguas diferentes, não nos entendíamos, havia pouca coesão social e a miséria era semelhante à da Idade Média”, contou o coronel, que enquanto esteve na guerra assistiu a um “completo desprezo pela vida e bem estar do povo, ao qual se somavam erros militares e políticos”. Na sua opinião, o 25 de Abril foi necessário para acabar com uma luta que era injusta e já estava perdida. E que era ainda insustentável pelo seu custo em vidas, doenças, lesões físicas graves e pelos recursos financeiros envolvidos.
João Andrade da Silva exerce actualmente várias funções no Centro de Psicologia Aplicada do Exército e é professor no Instituto Superior Técnico Militar.

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