A evocação da reunião de Óbidos e o desafio da renovação da democracia

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O Presidente da República, juntamente com a ministra da Defesa Nacional, a comissária executiva Comissão Comemorativa 50 anos 25 de Abril, e os presidentes da Câmara e Assembleia Municipal, na chegada a Óbidos
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Meio século depois do encontro de capitães que foi determinante para a organização do Movimento das Forças Armadas e a democratização do país, os desafios que esta enfrenta foram realçados pelo Presidente da República e o capitão de Abril, Vasco Lourenço.

Incumbido de encontrar um local para cerca de 200 oficiais fazerem um magusto, o obidense que estava a cumprir o serviço militar no RI5, Otávio Pinto, foi à Usseira e A-da-Gorda e, sem conseguir chegar à fala com ninguém, lembrou-se da Casa da Música, dentro da vila, como uma boa solução para o pedido. Na altura, com 22 anos, cabo miliciano, respondia às ordens do comandante da companhia, Luís da Piedade Faria, desconhecendo, por completo, que estava prestes a ficar na história do país. 50 anos depois, sentado entre os convidados da cerimónia evocativa da Reunião de Óbidos, realizada a 1 de dezembro, ouviu um agradecimento pela sua “atitude e disponibilidade”, por parte do membro da Comissão Coordenadora do Movimento dos Capitães, Vasco Lourenço. Foi ele quem havia pedido aos capitães do RI5, nas Caldas da Rainha, que conseguissem um local para a reunião conspirativa, que estaria na base da revolução do 25 de Abril de 1974, ocorrida meses depois.
Saíram de Óbidos com a “convicção firme” de que, apesar de tudo o resto, continuava a ser necessário “desfraldar a bandeira da recuperação do prestígio das Forças Armadas”, lembrou Vasco Lourenço, fazendo um paralelismo com os tempos atuais. Perante uma sala cheia, com o Presidente da República e a ministra da Defesa Nacional na primeira fila, o agora presidente da Associação 25 de Abril, disse não acreditar que os “agentes do poder político considerem importante o prestígio das Forças Armadas e tenham por elas o respeito que apregoam”, lembrando que, se isso acontecesse, e apesar de alguns recentes progressos, “teriam muito mais cuidado com elas e não as estariam a conduzir, desde há muito, à sua quase destruição”. Deixou a garantia de que “não há o perigo de nova utilização da força contra o poder”, no entanto, reitera que o poder político “tem o dever de respeitar e proteger as suas Forças Armadas, como instituição basilar que são de um Estado democrático”.

Momento do descerramento da placa alusiva aos 50 anos da Reunião de Óbidos, a 1 de dezembro de 1973

A evocação desta e das outras reuniões dos capitães permite também evidenciar a sua postura de conspiradores, realçou Vasco Lourenço, lembrando que usaram sempre, internamente, processos democráticos, debateram as ideias de “forma franca e aberta, com lealdade e transparência”, o que lhes permitiu superar diferenças e até divergências, ao mesmo tempo que o governo, “desesperadamente, nos tentava comprar com benesses de natureza pessoal”. Num paralelo entre esses tempos e os de hoje, falou das forças totalitárias que chegam ao poder através de eleições e da situação “muito complicada” em que está Portugal. “Tudo aponta para um novo tipo de perigosa atuação anti-democrática, onde, em vez da força das armas, se utiliza o poder judicial e o poder da comunicação social para o levar a efeito”, alertou. Em Óbidos Vasco Lourenço defendeu a celebração dos valores de Abril e a luta por reforçar a democracia, onde os “serviços públicos sirvam os cidadãos, onde os agentes e dirigentes do poder sirvam a comunidade e não aproveitem para se servir a si próprios”.

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Apelo à juventude

Muitos foram os que quiseram acompanhar Marcelo Rebelo de Sousa na vila

Referindo-se a Vasco Lourenço como a “alma” destas comemorações, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, realçou que este continua sintonizado com os ideais de Abril. Recuando na história, lembrou a importância do encontro de Óbidos, que “marcou uma viragem” e enalteceu a intervenção dos jovens militares que queriam a descolonização e, ao mesmo tempo, a democratização do país.
“O encontro de Óbidos foi importantíssimo na construção do nosso futuro”, reiterou o Presidente, homenageando todos os que integraram o processo e defendendo que é necessário continuar a explicar e esclarecer o papel que desempenharam. Na sequência de Vasco Lourenço, também Marcelo Rebelo de Sousa falou dos desafios da democracia, sobretudo a necessidade da sua renovação. “As democracias têm que ser repensadas”, disse o chefe de Estado, acrescentando que a sua riqueza “é a insatisfação, a noção da imperfeição da democracia, mesmo quando ela é mil vezes preferível à mais teoricamente perfeita das ditaduras”. As injustiças, desigualdades e incapacidade das instituições se adaptarem rapidamente, são alguns dos problemas que enfrentam, apontou, acrescentando que o 25 de Abril tem de ser “reavivado, enquanto portador de liberdade, democracia, desenvolvimento, igualdade, de futuro e de justiça”.
Para Marcelo Rebelo de Sousa não há um terceiro termo entre democracia e ditadura. “Uma democracia iliberal é uma ditadura disfarçada”, alertou.

A Jovem Orquestra Portuguesa tocou o Hino Nacional e a Sinfonia n.º 5 em Dó menor Op. 67, de Beethoven

Referindo-se ao futuro, deixou um convite ao jovens para estarem nos centros de decisão política, tal como já o fazem nos movimentos ambientalistas, ecológicos, nas ONG, instituições de solidariedade social, em movimentos locais ou associações culturais. “Tem de haver jovens nos partidos, nos sindicatos, cooperativas, no poder local”, destacando a sua energia e dinâmica. E deu o seu próprio exemplo: “Quantos parlamentares com vinte e poucos anos votariam uma Constituição hoje? Vale a pena pensar nisso, isso é dar vida ao 25 de Abril”, rematou.
Apelidando o grupo de capitães de visionários, o presidente da Câmara de Óbidos, Filipe Daniel, manifestou que a reunião de Óbidos foi mais do que um encontro, foi uma “declaração de resiliência, um pacto entre patriotas que acreditavam no poder da unidade e na força da determinação coletiva”. ■

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