Uma das mais antigas empresas caldenses está parada há três meses, com dívidas de meio milhão de euros e os trabalhadores com o contrato de trabalho suspenso. O empresário António Lopes Pereira, que há dois anos comprou a fábrica e prometeu nela investir um milhão de euros e aumentar a produção, reconhece que as coisas não correram como previu, mas que vai reabrir em Março e contratar mais pessoal

Empresa caldense é responsável por vários produtos de grande qualidade, mas os trabalhadores têm salários em atraso

Fundada em 1955, a Sagilda – Sabões Garantia Industrial, Lda, mais conhecida nas Caldas da Rainha pela “fábrica do sabão”, encontra-se parada há três meses, os trabalhadores têm os ordenados de Novembro e Dezembro (mais o subsídio de Natal) por receber, mas a administração garante que está a envidar esforços no sentido de reabrir a fábrica já no próximo mês de Março. Contudo, os funcionários viram-se forçados a suspender o contrato de trabalho por forma a poderem subsistir com o subsídio de desemprego. A empresa e a sua subsidiária Foz Cosméticos Lda, com escritório em Lisboa e que se destina a comercializar a produção da fábrica, têm dívidas que ascendem a 520 mil euros e vários processos em tribunal nos quais os credores reclamam 200 mil euros, com o BPI à cabeça a exigir o pagamento de 81 mil euros. Seguem-se empresas de produtos químicos com créditos de 20 mil euros e outros fornecedores ligados sobretudo à limpeza, às embalagens e recolha de resíduos. Ao Estado aquelas duas empresas devem 90 mil euros à Segurança Social e 30 mil euros às Finanças. O grupo fechou 2019 com prejuízos de 110 mil euros, ainda assim, registando uma melhoria face a 2018 quando os resultados negativos foram de 300 mil euros. Um grupo de oito trabalhadores está a ser representado por um escritório de advogados caldense, que está a estudar uma eventual acção judicial contra a Sagilda para tentar recuperar os salários em atraso.
A advogada responsável pelo processo, porém, ainda está a aguardar se se concretizam as promessas da administração de que a fábrica vai reabrir e as dívidas serão pagas. Todavia, a maioria dos trabalhadores já não acredita que a fábrica vá reabrir. No passado dia 11 de Fevereiro reuniram com o administrador António Lopes Pereira que lhes apresentou um novo parceiro para o negócio – a empresa M. Cunha & Companhia, SA, de Leiria, que garantiria a continuidade da Sagilda através da comercialização dos seus produtos. Mas a reunião não correu bem. Os trabalhadores desconfiaram da proposta apresentada pelo responsável para formalizarem novos contratos de trabalho, pois isso implicaria perder os direitos adquiridos pelo tempo de serviço anterior. A ideia de reabrir a Sagilda em Fevereiro, conforme tinha sido anunciado por António Lopes Pereira, soçobrou. E agora já se fala em Março, embora as reservas dos trabalhadores sejam muitas.

AS PROMESSAS NÃO CUMPRIDAS

No entanto, em 2018 o ambiente era de grande expectativa e de algum optimismo quando a Sagilda e a Foz Cosméticos foram compradas pelo empresário António Lopes Pereira. Dois anos antes, em 28 de Agosto de 2016, tinha falecido o anterior proprietário, Luís Paneiro Pinto, pelo que o negócio acabaria por vir a ser concretizado com a viúva e herdeira da fábrica, Laura Pinto.
De resto, em declarações à Gazeta das Caldas (ver reportagem “Nova administração vai investir 1 milhão de euros na Sagilda”, de 17/08/2018), o novo responsável prometia revolucionar a empresa investindo um milhão de euros nos dois anos seguintes, aumentar e diversificar a produção, e contratar pessoal, passando dos então 22 trabalhadores para cerca de 50. António Lopes Pereira admitia mesmo que a fábrica passasse a operar por turnos.
A estratégia então gizada assentava num aumento de produção das marcas brancas, para as quais se contava comprar novo equipamento, e numa aposta em produtos premium, destinados ao mercado nacional e à exportação. O empresário falava então em dinamizar igualmente as vendas online e em parcerias estratégicas nas áreas comercial e de distribuição.

Explicações para o declínio da empresa

António Lopes Pereira tem uma explicação para o que aconteceu. O empresário não escamoteia as dificuldades, não esconde as dívidas nem a responsabilidade pela decisão de ter fechado a fábrica em Dezembro, mas recusa passar a ideia que esta empresa caldense com 65 anos esteja a caminho da falência.
“Quando comprámos a Sagilda e a Foz Cosméticos, assumimos a dívida existente que era à época de 700 mil euros. Encontrámos alguns problemas na fábrica, que tem uma capacidade enorme de produção, mas que tivemos que fechar logo em 2018 durante dois meses e meio para reparar alguns equipamentos”, contou. O problema maior, contudo, era a relação com os clientes, essencialmente grandes superfícies, que esmagavam os preços até ao limite.
“A Sagilda tem produtos de altíssima qualidade, mas as grandes superfícies não se interessam pela qualidade e só querem saber dos preços baixos, das promoções, ao ponto de, no tempo do engenheiro Paneiro Pinto, ele quase que dava os produtos para os poder manter nas prateleiras dos supermercados”, prossegue António Lopes Pereira.

FINANCIAMENTO BANCÁRIO FOI CONDICIONANTE

Apesar de os novos responsáveis terem injectado mais de meio milhão de euros nas duas empresas e de não lhe faltarem encomendas, o administrador conta que tudo piorou quando os bancos cortaram o crédito de curto prazo que permitia a empresa funcionar.  O empresário explica que as grandes superfícies pagam as encomendas aos fornecedores a 90 ou mais dias, pelo que são os bancos que antecipam o pagamento, por forma a que as empresas mantenham o fluxo financeiro que lhes permita manter a actividade. Isto quer dizer que durante o hiato entre a entrega da mercadoria e o pagamento por parte do cliente, é a banca que assegura as necessidades de tesouraria da empresa num processo conhecido por factoring.
Quando viu este procedimento ser interrompido, a Sagilda entrou em incumprimento aos fornecedores “e a partir daí foi uma bola de neve”, conta António Lopes Pereira, que acabou por decidir parar a fábrica em Dezembro.
“Não pensei que estivéssemos tanto tempo parados. Éramos para abrir em Fevereiro, mas agora penso que será a 15 de Março pois temos dois parceiros, uma empresa portuguesa e outra estrangeira, que vão assegurar o escoamento dos nossos produtos, inclusive para a exportação”, diz o empresário, que espera, deste modo, reganhar a confiança dos bancos, por forma a continuar a actividade da empresa.

Administração admite encerramento do escritório em Lisboa

O administrador da Sagilda (na foto o terceiro a contar da esquerda) diz que vai precisar de contratar mais quatro trabalhadores para juntar aos 12 do quadro, mas admite fechar o escritório de Lisboa, na Avenida 5 de Outubro, onde é a sede da Foz Cosméticos.
No futuro, esta empresa de comercialização vai “quase fundir-se” com os dois novos parceiros – cujos nomes não quis divulgar – encarregues das vendas.
António Lopes Pereira esclarece que não é o proprietário da fábrica e que, em rigor, quem comprou as empresas foi a sua sogra, Esmeralda Gonçalves, de Lisboa, sendo esta a única detentora do capital. O empresário, de 58 anos, engenheiro civil, é o administrador e o rosto da Sagilda. Esta é a sua primeira incursão na área dos cosméticos dado que os seus negócios habituais são na área do imobiliário.
E a este propósito esclarece alguns rumores que circularam nas Caldas sobre o eventual aproveitamento do património da fábrica para um projecto turístico, tendo em conta a sua excelente localização junto ao nó da A8. “Em Julho de 2019 fomos contactados por uma empresa que, envolta num sigilo enorme, veio falar connosco com uma proposta para comprar a fábrica. Mas a condição era que tínhamos de sair de lá em quatro meses. A proposta era boa e até resolvia todos os problemas financeiros da empresa, mas recusámos. A nossa intenção é ter a fábrica a trabalhar”, frisa.
Para a reabrir, diz que já não se coloca a questão de os trabalhadores terem de fazer um novo contrato e que irá pagar os salários em atraso. António Lopes Pereira está confiante no sucesso da Sagilda e destaca que os produtos ali fabricados (sabonetes de glicerina, cremes, desodorizantes em stick e shampoos) são de grande qualidade, mas estão desvalorizados, pelo que precisam de boas campanhas de marketing para lhes acrescentar valor.

A história de uma marca da região com 65 anos

Foi em 1955 que nasceu a Sagilda, nas Águas Santas, aproveitando as águas minerais do lugar que naquela altura era um arrabalde da cidade. Foi por um acaso que os dois sócios (e cunhados) António João Alves Quintão Pinto e José Amat Garcia, este último de nacionalidade espanhola, escolheram as Caldas da Rainha. No Estado Novo, Salazar tinha posto em prática o condicionamento industrial, destinado a proteger a indústria nacional e que impedia a criação de novas empresas se já existissem outras a produzir o mesmo produto.
Quando António Pinto e Amat Garcia decidiram construir uma fábrica de sabão, só o puderem fazer no distrito de Leiria, o único onde havia alvará disponível, tendo em conta que já havia outras fábricas no resto do país. Ambos costumavam passar férias na então cidade verdadeiramente termal e foi quase com naturalidade que aqui se instalaram.
A Sagilda – Sabões Garantia Industrial foi um sucesso pois na época a gestão assentava essencialmente na produção pois as vendas estavam praticamente asseguradas. O sabão, sobretudo o sabão azul e branco, era um produto de consumo de massas e a empresa beneficiava da protecção do regime e dispunha ainda do mercado das então colónias portuguesas.
O 25 de Abril, a descolonização, o fim do proteccionismo, a entrada na CEE, e a alteração nos hábitos de consumo (o sabão cai em desuso e é substituído por detergentes líquidos e cremosos) quase fizeram a Sagilda soçobrar.
Entretanto, após a morte dos sócios fundadores e uma herança mal consolidada entre duas famílias desavindas, é o filho de um deles, Luís Manuel Paneiro Pinto, que em 1995 compra as quotas de toda a família e se torna o único proprietário da Sagilda. A fábrica do sabão passa agora a dedicar-se aos sabonetes de glicerina, produto inovador que viria a dar um novo fôlego à empresa. Paralelamente, produz cosméticos: shampoo, desodorizantes e cremes.
O empresário consegue bons contratos com a Palmolive, mas quando perde este cliente a facturação cai a pique. Determinado, o responsável da empresa procura inovar nos sabonetes de glicerina (de que destaca as suas qualidades naturais) e ambiciona produzir um sabonete totalmente transparente. Quase o consegue.
Em 2015 a Sagilda e a Foz Cosméticos (esta última destinada a comercializar a produção da fábrica), facturam 3 milhões de euros.
Luís Paneiro Pinto morre, subitamente, no ano seguinte, com 78 anos. Durante dois anos a viúva, Laura Pinto, assegura a actividade da empresa, mas, apesar de ser economista, não se sente com vocação para a administrar. Acaba por vender estes activos a António Lopes Pereira, que faz o negócio através da sua sogra Esmeralda Gonçalves que é actualmente a detentora da Sagilda e da Foz Cosméticos.