Uma viagem pela Educação através das páginas da Gazeta das Caldas, que mostra como a realidade se alterou neste último século
Nesta série de números dedicados ao 98º aniversário da Gazeta das Caldas abordámos o tema das aprendizagens pelo que não será desprovido de senso atravessarmos a história do jornal quase centenário, em que com frequência, especialmente no primeiro período da sua existência, muitas vezes se abordou a questão do analfabetismo.
Numa das primeiras edições antes do golpe de Estado de 28 de Maio (7/3/26), escrevia-se em editorial: “Num país como o nosso, onde a percentagem de analfabetos atinge setenta e cinco por cento, e onde a ignorância marcha lado a lado com a falta de educação, as iniciativas destinadas a derramar a luz da instrução, devem merecer todo o nosso carinhoso aplauso.”
Mais à frente e depois de abordar a ineficiência dos poderes públicos da época afirmava-se que “os números falam claro. Demonstra-se que somos dos países mais atrasados da Europa, em instrução, como afinal, em tudo!”
E acrescentava: “Compenetremo-nos de que não é só na instrução que está o futuro dos nossos filhos. Deve ser a educação, base indispensável para uma cultura sã e para a formação de um caráter, que deve merecer o melhor do nosso carinho a seguir.”
Em 1927, e já depois do golpe do 28 de Maio, ainda com a censura branda, o jornal tentou inventariar o conjunto de problemas que se punham ao país nessa época, e repetiu o do analfabetismo, considerando-o como “uma das causas do atraso do povo de qualquer região em matéria de civilização.”
E reforçava esta afirmação dizendo que “numa época como a nossa em que o saber tanto tem progredido e em que há livros para tudo, uma pessoa que sabe ler vale bem por três analfabetos”.
Perguntava-se nesse jornal qual seria, segundo a estatística oficial, o número de analfabetos do sexo feminino nas Caldas da Rainha em 1920 (o último censo). E acrescentava que um “povo progressivo, um povo que quer ter regalias, tem de se instruir. Povo sem instrução nem educação é um povo selvagem que se limita a macaquear os civilizados.”
Numa edição de Junho de 1933, apesar da censura, sob o título “Analfabetismo – A mancha vergonhosa que é preciso extinguir para a nossa terra”, registava-se a taxa de analfabetismo do concelho por freguesias: Salir de Matos 92,5%, Coto 95,3%, Salir do Porto 66,1%, Serra do Bouro 86,1%, A-dos-Francos 80%, Foz do Arelho 79%, S. Gregório 80%, Alvorninha 93,5%, Vidais 83% e Caldas 59%.
Infelizmente o regime iniciado nessa época, não ajudou a resolver este problema, uma vez que durante um longo período isentou as mulheres da obrigatoriedade de estudarem e reduziu a escolaridade aos homens de 4 para 3 anos, tendo extinto as Escolas Primárias Superiores, um esteio para a aprendizagem.
Na última década do regime autoritário, e especialmente no período de Marcelo Caetano, houve um simulacro de reforma do ensino, tendo à cabeça o ministro Veiga Simão, mas como testemunham as colunas da Gazeta neste período, as dificuldades encontradas eram muitas. Para além da frequência do ensino preparatório e secundário ser pequena, as escolas primárias rareavam e faltavam os professores. Muito do ensino dessa época foi entregue a regentes escolares com ordenados insignificantes e só pagos durante o período de aulas.
O país saído do 25 de Abril, enfrentou a custo o problema herdado, que se transmitiu em anos seguintes, fazendo de Portugal ainda hoje um país com os índices de literacia menos elevados do que a maioria dos países europeus, muitos resultantes da longa herança.
Para além do custo para a maioria da população seguir estudos, também durante várias décadas, nunca foi ouvida a queixa na Gazeta das Caldas para a abertura nas Caldas da Rainha do ensino liceal, impedindo assim muitos jovens que desejassem de frequentar os cursos superiores, obrigando a deslocarem-se para Leiria para seguir o ensino público ou pagar ensino privado para fazerem a respetiva fase secundária de estudos.
O problema não era só nas Caldas, pois nos concelhos confinantes a questão ainda se punha com mais gravidade, pois nem o ensino preparatório e os cursos secundários eram oferecidos (mesmo com pagamento de propinas) e a ainda com a exigência de exame de admissão, que obrigava a explicações pagas de preparação. Ainda mais para o ensino liceal, mesmo para os alunos que quisessem frequentar o ensino privado nas Caldas, eram obrigados a fazer o exame de admissão no Liceu de Leiria.
Tudo isto se paga caro e é uma das razões das dificuldades que a economia portuguesa (como outros setores, como a cultura, a gestão de empresas, etc.) pagou e que ainda hoje sofre em parte da população que continua com habilitações baixas e competências fracas.
Quem hoje frequenta a escola, seja pública, privada ou cooperativa, não conhece as dificuldades que há mesmo poucas décadas os seus pais, avós e bisavós sofriam com a falta de oferta de ensino, com o ensino a seguir aos 4 anos de escolaridade básica exigindo meios económicos, obrigando a maioria das crianças e jovens a entrarem de imediato no mercado de trabalho.
Impressiona que no tempo em que frequentámos esse nível básico de ensino, apenas uma minoria em cada classe de 40 alunos, que os dedos de uma mão basta, pudessem dar continuidade aos seus estudos. Esta será talvez, para além da ausência de liberdades públicas, uma das marcas mais profundas do antigo sistema político, quando em todo o mundo mais desenvolvido nesse tempo era a aposta central.
A Escola foi, é e será o principal instrumento das sociedades para a democratização social e para elevar o nível de vida das pessoas, apesar de hoje poder ser entendida num sentido mais amplo, dadas as inúmeras formas de afirmação da sua existência. ■