Sofia e Carlos são dois elementos de Alcoólicos Anónimos (AA) que vieram às Caldas dar a conhecer o seu percurso e como conseguem manter-se sóbrios com a ajuda desta comunidade de iguais, após anos de adição à bebida. Também a médica Sónia Oliveira partilhou saberes sobre uma doença que invade e “aprisiona” quem dela quer sair. Na sua opinião, o apoio dos AA é fundamental para quem quer deixar de beber.
Estas partilhas tiveram lugar numa reunião pública que teve lugar a 9 de Abril na União das freguesias Nª Sra. do Pópulo, Coto e São Gregório.
“Sou uma alcoólica em recuperação. A última vez que bebi foi em Dezembro de 2013”. Foi desta forma que Sofia (nome fictício) iniciou o seu testemunho na reunião pública nas Caldas. A 14 de Dezembro de 2013, Sofia (que anda na casa dos 30 anos) acordou de ressaca e arrependida pois voltou ao vício depois de três anos sem consumir uma gota de álcool. Foi então que decidiu pegar no telefone e ligar para os Alcoólicos Anónimos. Na verdade há uns anos que já tinha ido espreitar o site mas precisou de oito anos até pedir ajuda. “Estava emocionalmente derrotada e deprimida”, contou.
Sofia traçou o seu percurso em relação ao alcoolismo. “Eu era apenas uma adolescente a beber com outros da minha idade”, contou. Até que percebeu que era diferente pois ficava “sempre muito bêbada, doente e maldisposta”. Também bebia três vezes mais do que os outros. Mais tarde, com 18 ou 19 anos, percebeu que o álcool “podia ser meu amigo nos momentos de solidão”, alheando-se da compulsão pela bebida que estava a acontecer. Começaram então a acontecer “coisas chatas” como soprar no balão em operações Stop e apresentar valores “elevadíssimos” próximos do estado de coma.
A verdade é que Sofia tinha uma tolerância anormal ao álcool, o que a fazia ir com frequência às áreas de serviço para comprar a dose diária de bebida. E de nada valiam os olhares de reprovação dos empregados: a única coisa que lhe interessava era beber. Em casa percebia que não podia ter garrafas porque as iria beber, “procurando o ponto de anestesia em que não sente mais nada”, testemunhou.
A jovem tentou várias vezes deixar a bebida e conseguiu-o durante três anos, “mas com um enorme desconforto e incapacidade de reestruturar a minha vida”. Passou então a frequentar as reuniões dos AA, onde foi recebida de braços abertos há cinco anos. “Reaprendi a rir sem ter um copo na mão, reaprendi a viver sem álcool”, rematou.
Achar que se pode parar
Carlos (nome fictício) está sem beber há três anos, cinco meses e 15 dias, tal como deu a conhecer na reunião. Além do problema de álcool, Carlos foi uma criança gorda, o que foi motivo para ser também vítima de bullying.
Aos 13 anos, o jovem viveu a primeira má experiência com o álcool, o que o levou à perda de sentidos. Mas mesmo assim continuou a beber pois descobriu que com o álcool “conseguia lidar melhor com os outros”. Além do mais, no seu trabalho percebeu que se bebesse à hora do almoço, “vendia mais durante a tarde”. Chegou a uma altura em que as consequências eram evidentes, apesar de Carlos, hoje à beira dos 40 anos, achar que podia parar quando quisesse. E foi tentando sozinho até que percebeu que prometia a si próprio, ao acordar, que iria parar de beber nesse dia, mas nunca conseguia cumprir. Foi então a uma clínica de recuperação e passou a integrar os AA onde “aprendemos com as experiências uns dos outros”.
Beber até à inconsciência
A médica Sónia Oliveira trabalha na área das dependências e afirmou que não se deve lidar com um alcoólico como alguém que está apenas a passar uma má fase. O que é importante é que a pessoa perceba que precisa de ajuda profissional.
Muitas pessoas (e quem as rodeia) tardam em recorrer a ajuda porque têm um elevado nível de tolerância ao álcool e continuam a fazer a sua vida normal, incluindo conduzir. Há também gente que consegue não beber todos os dias, mas quando o faz “tem perda de controlo” e, segundo a médica, pode ser representativo de uma dependência. E há ainda quem não beba durante a semana e que só o faça a partir das 18h00 de sexta-feira, só vindo a parar ao domingo de manhã.
Sónia Oliveira diz que, para a recuperação de quem sofre desta doença, é fundamental o apoio dos AA. Trata-se de uma doença cuja recuperação “depende totalmente de mudanças de rotinas e de formas de pensar”. E para isso é preciso que o alcoólico se afaste dos amigos e dos locais que frequenta habitualmente. Os AA dão a possibilidade de, num primeiro momento, voltar a acreditar numa vida sem álcool. A palavra chave para a doença é mudança, pois “quando alguém se sente a pior das criaturas, dificilmente consegue acreditar que pode mudar”.
Reuniões passaram das Caldas para o Cadaval e S. Martinho
Nas Caldas já não se realizam reuniões dos Alcoólicos Anónimos (AA). Faltam participantes, o que não significa que não haja quem precise de ajuda. Mas agora só mesmo no Cadaval e em S. Martinho do Porto é que as pessoas com dependência do álcool se podem encontrar.
No Cadaval os encontros realizam-se na Igreja Matriz, às sextas-feiras, a partir das 21h00 e em S. Martinho do Porto decorrem às segundas-feira, na Casa do Povo, às 19h30, mas só em língua inglesa.
Peter (nome fictício) lamenta que já não haja reuniões nas Caldas pois estas deixaram de se fazer em Maio de 2018 por falta de participantes. Os AA têm uma linha de apoio. Basta ligar para o 217162969.