A bebé que foi retirada por cesariana pela equipa da VMER das Caldas da Rainha da barriga da mãe, que faleceu na sequência de um acidente em Peniche na noite de 9 de Outubro, acabou por morrer também como consequência das graves lesões que tinha sofrido.
A mãe da bebé, uma jovem de 23 anos, despistou-se à entrada de Peniche cerca das 20h00 de sábado. O embate foi mortal para a jovem, que terá tido morte devido a um traumatismo cervical.
A primeira intervenção no local do acidente foi feita pelos bombeiros e pela viatura de Suporte Imediato de Vida (SIV) de Peniche, que começaram por desencarcerar a vítima.
Na altura terão chegado ao local alguns familiares da jovem acidentada que comunicaram o estado de oito meses de gravidez, levando a que fosse apressado o processo de desencarceramento.
A enfermeira e o técnico auxiliar de ambulância e urgência começaram por fazer suporte avançado de vida à vítima, que estava em paragem cardiorrespiratória. Nessa altura, foi accionada a Viatura Médica de Emergência e Reanimação (VMER) das Caldas, que chegou a Peniche em menos de 10 minutos.
O médico do INEM, Jorge Mesquita, contou à Gazeta das Caldas que quando chegaram ao local do acidente já tinham sido feitas quatro tentativas de reanimação à grávida “e o coração ‘não pegava’, mantinha-se em paragem cardíaca”. A mulher estava a ser ventilada para assegurar uma oxigenação básica do sangue para o feto, enquanto faziam massagem cardíaca.
“Foi com este cenário que eu me deparei quando cheguei”, contou. Começou por avaliar a situação da mulher e verificaram que, para além de tudo, esta tinha sinais de morte cerebral.
A partir dessa altura, os esforços concentraram-se no salvamento da criança que ainda estava dentro da barriga da mãe. Avançaram então para a cesariana de emergência, que terá durado pouco mais de dois minutos.
“A menina estava em paragem cardiorrespiratória e o líquido amniótico estava cheio de sangue, o que queria dizer que houve uma hemorragia intra-uterina, e tinha um descolamento da placenta”, uma situação considerada muito grave.
A bebé terá ficado muito tempo em anóxia (ausência de oxigénio), causando-lhe danos nas células cerebrais que lhe deveriam trazer problemas de saúde futuros, caso tivesse sobrevivido. “Se a criança sobrevivesse iria ter problemas terríveis”, comentou Jorge Mesquita.
Quando fizeram a cesariana ainda não sabiam ao certo se havia ou não danos cerebrais, por isso “fizemos tudo para garantir a sua sobrevivência”. Os primeiros sinais foram positivos porque “a menina reagiu muito bem, ficou logo ‘vermelhinha’ e tinha o coração a trabalhar rapidamente, o que nos deu algumas esperanças”.
A criança foi depois transportada de helicóptero para Lisboa, onde foi encaminhada para o Serviço de Neonatologia na Unidade de Cuidados Intensivos da Maternidade Alfredo da Costa, onde começou logo a dar sinais de grande gravidade, com convulsões. Trinta horas depois acabou por falecer.
Uma decisão difícil
Triste com a notícia de que a bebé tinha falecido, Jorge Mesquita comentou que há mais de 12 anos que trabalha na área da emergência pré-hospitalar em vários locais do país e nunca soube de um caso como este.
Por coincidência, dias antes um outro bebé tinha sido salvo (embora também tenha falecido posteriormente) por uma equipa de emergência médica, depois de a mãe ter sido assassinada numa igreja. Esta situação também o tinha feito reflectir sobre que decisão tomaria se lhe acontecesse o mesmo.
“É impossível ‘treinar’ isto. A decisão tem de ser muito rápida e tem que ver com o tipo de personalidade de quem a toma, com a avaliação de risco e coragem para decidir o que fazer”, referiu.
Na sua opinião, o facto de ter também formação em Medicina Legal dá-lhe também uma maior frieza de análise, porque já fez várias autópsias.
Em relação a esta situação, Jorge Mesquita destaca a “excelente coordenação de todos os meios feita pelo comandante dos bombeiros de Peniche, o excelente desempenhado da equipa da SIV de Peniche e do CODU (Centro de Orientação de Doentes Urgentes)”.
O médico de 52 anos, é de Coimbra, mora em Lisboa e trabalha nas VMER das Caldas e da Figueira da Foz, onde viveu durante muitos anos.
Para Jorge Mesquita, o ambiente nas equipas das VMER fora dos grandes centros é especial e melhor. “Há uma grande camaradagem e sintonia entre os elementos da equipa, o que ajuda a que as pessoas estejam motivadas”, afirmou.
A VMER está situada junto ao hospital das Caldas e nos casos em que é preciso atravessar o centro da cidade, torna-se complicado fazê-lo com rapidez por causa do trânsito. “Se nós estivéssemos posicionados noutra área, provavelmente seria mais fácil”, disse.