Caldas foi uma das três localidades que recebeu mais refugiados da Segunda Guerra Mundial

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Celebração da Páscoa judaica (Seder), em 1942, numa casa particular nas Caldas da Rainha - Sousa Mendes Foundation
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Durante a Segunda Guerra passaram pelas Caldas dois mil refugiados, o que faz da cidade termal uma das três localidades que acolheu mais estrangeiros

A maioria dos refugiados, judeus e não judeus, chegaram às Caldas no início do verão de 1940. Vieram da Bélgica, Luxemburgo, Países Baixos e França – entretanto invadidos e ocupados pelos nazis, entre maio e junho desse ano. “Durante os anos da guerra, entre 1940 e 1945, passaram por esta localidade mais de 2000 refugiados, na maioria judeus”, contou a historiadora Carolina Pereira, que defendeu o seu doutoramento sobre o tema, no final de janeiro. Acrescentou também que as Caldas foi uma das três localidades lusas que mais estrangeiros recebeu durante a Segunda Guerra.
À chegada às Caldas, apurou a investigadora, a reação generalizada dos refugiados era de “espanto”, devido sobretudo “à abundância das montras onde se apresentavam os mais diversos doces e frutas (no mercado e na praça)” e de “uma certa estranheza relacionada com a ruralidade e o aspeto das mulheres caldenses, vestidas de preto e tapavam a cabeça com grandes lenços”. Estranheza essa que “deu lugar a afeto e a companheirismo”, pois depressa se adaptaram às Caldas.

Peter Weinreb e os pais no Parque D. Carlos I, em 1942 (Arquivo pessoal)

Os refugiados estavam proibidos de se movimentar sem autorização da PVDE (Polícia de Vigilância e Defesa do Estado) – que, nas Caldas, funcionou junto ao parque, na Rua de Camões, n.º 57, atual Museu do Ciclismo – num raio superior a cerca de 5 km e tinham de revalidar mensalmente os seus vistos de residência junto desta polícia.
Peter Weinreb (na fotografia, em criança), nascido em Lisboa, em 1942, e filho de refugiados que estavam nas Caldas, contou numa entrevista à historiadora, que o pai simulou tiques nervosos para conseguir consultas com o médico Egas Moniz e que tinham como único objetivo facilitar as autorizações para se deslocar regularmente a Lisboa, para tratar de documentação e da venda de artigos preciosos dos estrangeiros que estavam nas Caldas.
Os refugiados – impedidos de trabalhar – desenvolveram atividades associadas ao desporto: torneios de ténis, em 1943; passeios organizados de bicicleta até à Foz do Arelho; aulas de ginástica, num pavilhão improvisado por Georges Dobrynine e aulas de boxe, num ringue montado no Hotel Lisbonense, por Tino Clavari.
Todos, sobretudo os judeus, tinham liberdade para o culto diário e para celebrar festividades religiosas (em casas particulares ou numa sinagoga que improvisaram no 1º andar do n.º 30 da Travessa da Cova da Onça). Nesse local funcionava também, além da sinagoga e do local de estudo dos judeus, “o escritório da JOINT, uma organização judaica de auxílio aos refugiados judeus”, acrescentou.
A maioria dos estrangeiros partiu de Portugal pois “o regime salazarista apenas os tolerava, não pretendendo que por cá ficassem mais do que o tempo estritamente necessário” e foram poucos os que permaneceram. Só com o fim do regime de “residência fixa”, imposto pelo governo português, em agosto de 1945, aquando do término da guerra, é que foram autorizados a circular livremente pelo país. No entanto, em 1945, “a larga maioria dos refugiados já tinha partido de Portugal”, informou.
Na sua tese, Carolina Pereira sugere a criação da rota do refúgio da II Guerra Mundial em Portugal, ligando itinerários histórico-culturais para beneficiar o turismo das localidades. Além das Caldas, também o Buçaco, Curia, Coimbra, Ericeira, Figueira da Foz e Luso acolheram refugiados. Nas Caldas, a historiadora mapeou locais como hotéis e pensões da época (alguns já desaparecidos), espaços comerciais e de sociabilidade. Integra lugares de festividades religiosas judaicas e de prática desportiva, bem como edifícios ligados ao quotidiano dos refugiados, à sua vigilância e ao policiamento de que eram alvo. ■

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Perfil

Carolina Pereira
Historiadora

Carolina Pereira é doutora em História Contemporânea pela Fac. de Letras da Uni. de Coimbra com a tese “Escapando à Guerra e ao Holocausto através de Portugal: refugiados nas zonas de ‘residência fixa’ da região Centro (1940-1946)”, dedicada à presença de refugiados, em localidades da zona centro e litoral, como as Caldas. A leiriense é investigadora do Centro de História da Sociedade e da Cultura. A autora de Refugiados da Segunda Guerra Mundial nas Caldas da Rainha (1940-1946), das Edições Colibri em 2017, foi consultora histórica de “Portugal, Trampolim para a Liberdade” documentáriode Ary Diesendruck, que inclui as Caldas. Documentário estreou, em Lisboa, em novembro, mas ainda não foi comercializado.

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