
O caldense André Ramalho criou em 2017 um blog que unia as suas duas paixões: a fotografia e os locais abandonados. Tudo começou com uma visita fotográfica ao que resta da discoteca Green Hill e a partir daí o jovem já mostrou, entre outros, hospitais, fábricas, casas, carros e locomotivas abandonados. Recentemente foi premiado com a distinção de “Blog do Ano”, da TVI.
“Audácia louvável, arrojo, atrevimento (a parte boa). Ousadia. Ação de sair fora da caixa. Do inovador, dinâmico e criativo. Qualidade do que é espontâneo. Autêntico. Daquele que não se conforma, que se reinventa e cria uma linguagem própria”, lia-se na definição da palavra que inspirava a edição de 2018 dos Blogs do Ano da TVI: irreverência.
Na gala são distribuídos vários prémios, sendo que a última distinção da noite é sempre para o Blog do Ano. O nome do vencedor esteve durante toda a noite escrito na parte de trás de um quadro no palco e quando chegou a hora, os apresentadores anunciaram que o Blog do Ano era… Abandonados! “Já não estava nada à espera”, contou à Gazeta das Caldas, André Ramalho, o caldense que criou este blog. Isto porque o Abandonados não tinha vencido a sua categoria – Viagens – e do que tinha visto nas edições anteriores, o vencedor do Blog do Ano (o último prémio a ser revelado) havia sido sempre o vencedor de uma das categorias.
Daí que quando chegou o momento de virar o quadro onde esteve durante toda a cerimónia o nome de vencedor, André Ramalho não esperasse que pudesse ser o seu blog. “Fiquei muito surpreendido e nervoso, mas foi muito bom, deu muita projecção, passei a ter o dobro dos seguidores no Instagram e a receber muitos mails e comentários no blog, além das entrevistas”, disse, notando que os abandonados estão na moda e que “este ano o conceito era irreverência e o blog enquadra-se bem no tema”.
Mas este foi o consagrar de um projecto que nasceu em 2015, numa ida à já abandonada discoteca Green Hill com amigos. “No dia a seguir voltei lá com a máquina fotográfica”, explicou. E a partir daí, estava iniciado o gosto. Até agora já mostrou, por exemplo, os Pavilhões do Parque, uma fábrica de cerâmica em Alcobaça e tem na calha as fotografias do Hotel Parque de S. Martinho do Porto.
André Ramalho tem 28 anos. Nasceu nas Caldas, estudou na Bordalo Pinheiro e depois fez um CET de Ilustração Gráfica com entrada na licenciatura de Design Gráfico na ESAD. “Foi aí que nasceu o bichinho da fotografia”, recordou.
Depois de se formar, começou a trabalhar em Leiria para uma empresa lisboeta na área dos sites e apps. Foi na cidade do Lis que conheceu a namorada, Alvina Kytayhorodska, que começou a ir também aos abandonados e a gostar, a ponto de também fotografar, ainda que não publique.
Os perigos inerentes
Normalmente vão os dois nestas aventuras e tentam tirar, pelo menos, um fim-de-semana por mês para se dedicarem a isto, mas por vezes André vai sozinho.
Foi numa das vezes em que foi sozinho que teve um dos maiores contratempos até hoje: ao saltar um muro, desequilibrou-se e tentou agarrar-se, mas colocou a mão no topo de uma vedação e aleijou-se. Como ia sozinho, teve de pedir ajuda a quem passava, que chamou uma ambulância. Acabou por levar mais de 30 pontos na mão direita e por ter de fazer fisioterapia para a recuperar. “Um mês depois, começaram a recuperar o edifício que eu queria fotografar”, contou, entre risos.
Por vezes também vai com amigos. “Mas é preciso espírito de aventura e por vezes arriscar um bocadinho. Uma vez, num só dia, fomos ao Hospital de Vila Franca de Xira que está abandonado e que ainda tinha o material e apanhámos um susto com um sem-abrigo, a seguir ainda não tínhamos entrado num hotel e apareceu a polícia que nos identificou, depois estávamos perto de uma casa e apareceu uma senhora com dois cães que nos assustou”.
Além dos perigos de saltar muros e de encontros com desconhecidos, na exploração de edifícios abandonados há também os perigos inerentes ao próprio abandono, como pisos e telhados em madeira já podre.
Acresce mais uma dificuldade: esta actividade é sempre uma luta contra o tempo porque os proprietários podem fechar os imóveis, ou demoli-los ou recuperá-los.
Como encontrar os abandonados?
Para saber locais abandonados este caldense passa várias horas a pesquisar no Google, em busca de informações, artigos de jornal e blogues. E também procura o Google Maps em busca de locais que pareçam abandonados, indo depois ao local certificar-se. “Eu não desgosto de pesquisar, perde-se muito tempo, mas perco mais a editar fotografias porque quero sempre melhorar. Sou um fotógrafo razoavelmente bom no que faço, mas há quem faça muito melhor. Tenho vindo a tentar chegar a esse nível. Por exemplo, agora tiro sempre com tripé e demoro mais tempo a tirar as fotografias”, pensando mais no enquadramento.
Outra forma de saber sítios abandonados é a troca de locais. Por exemplo, recentemente recebeu um contacto que lhe abriu a porta de um antigo centro comercial em Leiria.
Mas existe outro dilema: divulgar ou não divulgar os sítios. Alguns prefere não divulgar e não colocar fotografias de exterior, para não vandalizarem o local, mas outros não tem problema de revelar, especialmente quando sabe que estão protegidos. “Custa muito ver os locais que fotografámos ficarem todos partidos”, notou. O que acontece, muitas das vezes, é que dá-se uma “troca excessiva de locais, criando-se quase um roteiro”.
Recentemente existiu um perfil falso no Instagram que trocava localizações, mas as informações que fornecia eram erradas. “Era para saber os locais e roubar”. É que entre os mais de 50 mil inscritos nos grupos de Facebook, há quem vá por bem e quem vá por mal. “Há casos em que as pessoas são só ingénuas e têm de aprender a ser mais discretas, ter cuidado a entrar, respeitar o local, mas também quem quer ir lá fotografar, porque se derem muito nas vistas acabam por fechar os sítios”.
Em muitas ocasiões vão aos sítios, mas acabam por não entrar por não se sentirem confortáveis e vão dar uma volta regressando mais tarde ou noutro dia. “Não gostamos de ter problemas com ninguém. Se pudermos entrar sem ser vistos, melhor”, salientou. Uma vez por exemplo, foi ao parque aquático Onda Park porque pensou que estava abandonado. “Não estava, tinha segurança, eu pedi para entrar e não me deixou, gastei tempo, dinheiro e apanhei chuva para não conseguir nada de jeito, mas também há dias em que acontece o contrário”.
Por tudo isso procura sempre deixar o local como o encontra. “Se abrimos uma gaveta, fechamos”. Isto não quer dizer que não procure melhorar os pormenores nas fotografias, movendo objectos.
Por outro lado, a divulgação pode trazer outro tipo de problemas, a nível legal. “Nunca recebi uma chamada ou e-mail. Depois do prémio e das reportagens pensei que podiam chegar, corremos sempre o risco, mas se isso acontecer, vamos tentar resolver a bem e, se tiver que ser, tirar a fotografia da internet”, afirmou.
Um livro dos abandonados?
André Ramalho tem uma lente wide angle (grande angular) e outra para os pormenores. Geralmente dá duas voltas às salas todas. A primeira com uma lente e a segunda com a outra, pelo que “perde” horas e horas em cada local.
Para ir a sítios abandonados sai muitas vezes ainda de noite para apanhar as primeiras horas de luz e de menos movimento.
No seu blog, além das fotografias, dedica-se também a contar parte da história do local, pelo que apenas publica quando tem várias fotografias que goste e informações do sítio. Esse lado de pesquisa também requer muito tempo. “Procuro documentos e papéis no local, pesquiso na net e meto-me com as pessoas mais participativas de cada grupo de localidade no Facebook”, referiu.
O caldense admite que a palavra Abandonados, por um lado é dissuasora quando pede autorizações para visitar locais, mas por outro lado é apelativa. E se até gostava de ter mais autorizações, porque permitem entrar em locais onde mais ninguém vai, reconhece que “não é muito fácil serem concedidas. É mais fácil dizer que não do que ralarem-se com o assunto e raramente consegui”. Por exemplo, em Lisboa, há muitos palácios que estão fechados, a degradar-se e que gostaria de fotografar. “Tenho orgulho neste projecto, acho que merece ser mais conhecido e no futuro gostaria de lançar um livro sobre lugares abandonados, mas tem de ter mais variedade, tem de ser muito completo”.
André Ramalho apontou como grande inspiração Gastão Brito, do blog Ruin’Arte, que lançou um livro sobre ruínas. “Foi o pioneiro, mas não arriscava tanto. Ganhei inspiração no trabalho e no livro dele, mas nunca falei com ele”, contou.