Em 2021, a caldense Renata Henriques pegou na Alma, nome da sua bicicleta, e mudou a sua vida, passando a viajar enquanto pedalava. Em três anos e muitas aventuras, já percorreu um total de 18 países da Europa, tendo pedalado ao longo de cerca de 20 mil quilómetros. Imagine, por exemplo, ir de bicicleta ver auroras boreais, passar na Estrada do Oceano (Atlantic Road na Noruega) ou pedalar até à terra do Pai Natal… A próxima viagem será a vinda da Polónia até às Caldas
Renata Henriques tem 31 anos e é caldense. Em criança estudou no Bairro dos Arneiros e EBI Sto. Onofre, antes da escola Raul Proença. Depois foi para Lisboa formar-se em Psicologia. “Fiz o curso e o estágio, mas depois não terminei o mestrado integrado porque não entreguei a tese, portanto, nunca exerci”.
Trabalhou então em Lisboa, como assistente administrativa numa associação sem fins lucrativos que se dedica à Promoção e Desenvolvimento da Sociedade da Informação (APDSI). A residir na capital, comprou uma bicicleta, mas rapidamente lhe foi roubada. Mais tarde, já durante a pandemia, pensou em começar a viajar, mas acabou por aproveitar o isolamento para se formar na área da programação, porque “queria ser o mais livre possível e porque tinha interesse, mas também porque tinha ideias para desenvolver aplicações e queria ter conhecimento para o fazer”.
Foi em 2021 que adquiriu a sua fiel companheira e atual bicicleta, a Alma, conforme a baptizou. “Comprei a bicicleta a pensar nos passeios higiénicos durante a Covid, quando vivia em Lisboa, mas já a pensar em futuras viagens”, revela.
Na altura contou com o apoio de duas entidades, o Fundo Ambiental e o Programa de Apoio à Aquisição de Bicicletas da Câmara de Lisboa. Tal permitiu-lhe comprar uma bicicleta razoável a um preço acessível. “Morava nas Olaias e aos fins-de-semana ia a pedalar até Belém ou ao Parque das Nações e uma vez fiz a zona ribeirinha até Alverca”, recorda. No dia-a-dia, para deslocações curtas, era este o seu transporte.
Mas o bichinho da bicicleta já vinha de infância. “Quando era criança andava muito de bicicleta, ia à Foz do Arelho com os meus amigos e com a família e na altura parecia uma epopeia”. A coragem para ir nunca faltava, mas para voltar nem sempre aparecia…
Entretanto, depois de se formar em programação, Renata começou a trabalhar como programadora, o que lhe permitia algo que procurava: a possibilidade de trabalhar de forma remota e, assim, aproveitar para viajar.
O gosto pelas viagens esse virá de família, em particular de um primo. “Fiz uma viagem da Serra da Estrela a Constância, pelo Zêzere, mas de bicicleta de montanha e com uma caravana de apoio”, conta. “Percebi que conseguia subir bem, que me aguentava nas subidas e gostei da aventura”, partilha.
Partir à descoberta
Estávamos em 2022 quando Renata Henriques decidiu fazer uma viagem, sozinha!
A jovem preparou as malas, colocou-as, junto com a bicicleta, num autocarro e foi para Amesterdão, nos Países Baixos. “Pedi a um tio meu para me explicar o básico da mecânica de uma bicicleta e fui”, recorda. Chegada lá, “montei a bicicleta, coloquei-lhe as malas em cima e pedalei à noite, ainda sem luzes, até à casa para onde ia”, refere. “Nunca tinha experimentado o peso da bicicleta com as malas”, afirma.
A viajar de bicicleta tornou-se nómada, então optou por procurar plataformas que partilham projetos ou casas que troquem o alojamento e alimentação por, por exemplo, tarefas domésticas. E assim foi, literalmente, fazendo o seu caminho, uma pedalada de cada vez.
Inicialmente este era o seu método e, além de permitir poupar, possibilitava-lhe conhecer melhor as culturas. E assim era durante a maior parte do tempo, só nas suas férias é que optava por pernoitar na tenda.
Estávamos em 2022 e a primeira viagem durou… oito meses! Dos Países Baixos seguiu para a Alemanha e depois foi até à Dinamarca, onde viu auroras boreais. Seguiu-se a Islândia, as Ilhas Faroé, a Suécia, a Noruega, a Polónia e a França. Por vezes apanhava boleias ou transportes para ligar dois pontos e, nesta viagem, trabalhava onde conseguia. Parava em cafés ou restaurantes, fazia o seu trabalho e seguia. “Pedalava muito à noite”, frisa. “Foi muito desafiante, mas foi possível”, exclama. Esta primeira viagem fê-la toda sozinha.
No ano seguinte decidiu então aventurar-se novamente. Desta vez decidiu tentar pedalar entre os pontos mais a Sul e mais a Norte da Europa continental, ou seja, ligar Tarifa, em Espanha, a Nordkinn, na Noruega.
Fez-se à estrada, mas logo ao início decidiu despedir-se do seu trabalho como programadora. “Percebi que dá para fazer, mas não se faz nenhum dos dois em pleno, então optei por me dedicar à viagem”, conta.
Em Barcelona, durante a noite, partiram o cadeado e roubaram-lhe a bicicleta. “Através das redes sociais acabei por conseguir recuperar a bicicleta, mas perdi uma semana de viagem”, explica. Ainda assim, “deu para perceber que nada me vai parar”, atira. “Em vez de encarar as coisas de uma forma emocional, encarei de uma forma racional, com uma postura de resolução dos problemas”, esclarece.
Renata não conseguiu o objetivo a que se propôs inicialmente nesta segunda viagem, porque acabou por não conseguir chegar a Nordkinn, uma vez que o calendário já ia avançado e as temperaturas haviam baixado, até porque pelo caminho fez vários desvios “para aproveitar a viagem”. De resto, a sua postura é mesmo a de que a viagem seja uma coisa divertida e prazerosa. “Não quero, por exemplo, arriscar ficar doente, por isso, se vir que não vai ser divertido, espero mais um dia”. Portanto, o não chegar a Nordkinn não foi uma derrota, muito pelo contrário. “Outras metas e sonhos foram alcançados”, diz a jovem, que nesta jornada já foi tendo companhia de amigos que fez em viagem.
A vida em duas rodas
Além da bicicleta, nas suas viagens Renata leva peças para substituir, como correntes, cabos de travões, câmaras de ar e ferramentas. Depois leva a tenda, saco-cama, colchão desdobrável, roupa (“o essencial e vai-se lavando muita roupa à mão”), comida, um bico de gás e um kit para cozinhar e comer. Tem, “tudo o que é necessário” e nada além disso. “Em quatro alforges e uma mala levo a minha vida toda”, diz sorridente a caldense. Agora, sempre que vem a casa sente que tem coisas a mais.
Ao contrário do que a maioria poderá pensar numa primeira instância, nas suas viagens de bicicleta encontrou… “um mundo que parece muito melhor, não tão hostil, nunca me senti em perigo e muitas vezes as pessoas ofereceram-me ajuda”, salienta. O único risco é mesmo a partilha da estrada com carros e camiões.
O seu maior objetivo é “passar tempo na natureza e conhecer pessoas e lugares bonitos e ao viajar percebes que encontras isso em todos os países”. Pelo caminho já viu, por exemplo, auroras boreais na Suécia e na Noruega. Um dos dias mais desafiantes foi quando percorreu 45 quilómetros na estrada de asfalto mais alta do Norte da Europa. “Foram 1690 metros de desnível positivo acumulado e o ponto mais alto a 1400 metros”. E foi, precisamente, aí que pernoitou “na tenda, com vista para dois glaciares”. De resto, como para a maioria dos ciclistas, “os dias com maiores elevações são mais marcantes do que aqueles com muitos quilómetros”.
Outro momento alto desta viagem foi, claro, percorrer a Estrada do Oceano (Atlantic Road), na Noruega. Com a particularidade de ligar várias ilhas e de ter sido construída para ter o menor impacto possível na paisagem, esta estrada “é muito cénica, com paisagens de tirar o fôlego”. Marcantes também são os encontros com animais selvagens. “Além de muitos veados, raposas e aves de rapina, vi uma dezena de alces na Noruega e também na Polónia e muitas centenas de renas na Lapónia.
A próxima viagem da caldense, que já pedalou com 13 graus negativos, na Finlândia, será de Gdynia, na Polónia, até à sua terra natal, passando pela Áustria, Itália, Suíça, França e Espanha. “Gostava de fazer também os desertos de Espanha” afirma a caldense que já passou por Gibraltar, Letónia, Lituânia, Estónia, Bélgica e Suíça.
A pedalar na sua terra
Nas Caldas Renata anda sempre de bicicleta. “É uma cidade boa para pedalar, mas os condutores não estão habituados”, admite. “A ciclovia junto ao skate park é stressante para ciclistas menos experientes, porque é muito apertada e com tampas de esgoto levantadas e buracos”, aponta. Considerando que esta é uma cidade “facilmente ciclável”, também não nega que “não está preparada para esse tipo de mobilidade”. E exemplifica: “há poucas ciclovias e mesmo para ir para a da estrada nova da Foz temos que passar numa entrada de uma auto-estrada, é um primeiro obstáculo logo à saída da cidade”. Mas o problema não se resume às Caldas. “Em Portugal somos um país um pouco hostil para o cicloturismo”, aponta.
Renata, que em dois anos percorreu 20 mil quilómetros, diz que “nas viagens, em poucos meses vives muitos anos”, portanto, “não esperem a altura ideal, vão!” ■
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