Caldas da Rainha poderia fazer parte de uma rota turística dedicada à Democracia e à Liberdade. A sugestão foi dada pela historiadora Joana Tornada na sessão da tarde dedicada ao 16 de Março, que decorreu no próprio dia, na ETEO, perante jovens alunos de turismo daquela escola e também da Escola de Hotelaria e Turismo do Oeste.
À noite, o CCC contou com foyer cheio – onde estiveram vários militares ligados ao 16 de Março – para escutar a investigadora Maria Inácia Rezola, do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa falar sobre o 25 de Abril. Tinta Ferreira afirmou que gostaria que o 16 de Março fosse assinalado a nível nacional e não ficasse circunscrito apenas às Caldas da Rainha.
Natacha Narciso
nnarciso@gazetadascaldas.pt
“Lamentamos nas Caldas da Rainha que a cidade – o seu povo e a sua autarquia – sejam as únicas entidades que promovem condignamente o 16 de Março”. Palavras de Tinta Ferreira, na sessão dedicada ao 16 de Março que teve lugar no serão no CCC. Para o edil, a celebração do Golpe das Caldas está confinada ao âmbito regional, embora entenda que “os governantes nacionais terão que fazer justiça a este acontecimento”.
Por isso, Tinta Ferreira comprometeu-se com a realização da obra comemorativa, encomendada ao artista plástico Santa Bárbara, que será “uma obra de envergadura, digna, e que ficará para futuro como uma referência importante dos militares do 16 de Março”. Para a inauguração da obra, Tinta Ferreira espera que possa haver representantes do Estado que permitam dar dimensão nacional ao acontecimento. O edil salientou ainda a coragem dos militares do Golpe das Caldas agradecendo-lhes “por tudo aquilo que fizeram em prol da democracia portuguesa e pelo bom nome das Caldas da Rainha”.
O discurso do autarca foi antecedido por um minuto de silêncio, em homenagem ao coronel Rocha Neves, recentemente falecido.
A IMPORTÂNCIA DA MEMÓRIA
Maria Inácia Rezola, investigadora ligada à História da Democracia e docente na Escola de Comunicação Social, iniciou a sua intervenção louvando a iniciativa por esta ser promovida pela autarquia caldense “já que o poder local é uma das grandes conquistas de Abril”.
A convidada referiu que as novas gerações não sabem exactamente o que foi o 25 de Abril, quem foi Otelo Saraiva de Carvalho, ou o general Spínola. A investigadora preocupa-se com a questão da memória e dos jovens não darem a importância devida ao passado recente.
Maria Inácia Rezola chamou a atenção para o facto de a revolução de Abril ser “uma história viva que ainda pode ser contada na primeira pessoa”. Por isso, é urgente ouvir e recolher quem esteve na primeira linha dos acontecimentos se bem que deixou o alerta que esta proximidade temporal com o facto histórico “pode ser vantajoso, mas é também perigoso”. Basta para tal ver em qualquer fórum onde se juntam os actores dos acontecimentos “e é praticamente impossível uma troca de impressões serena”. Os que participaram no 16 de Março e depois na Revolução têm, segundo a convidada, grande dificuldade em definir o seu estatuto. “São actores, historiadores, ou analistas destes acontecimentos?”, questionou a oradora, acrescentando que a história não vive sem as memórias, mas é preciso não confundi-las. “A memória é sempre uma elaboração de acontecimentos passados, feitas no presente, sujeita a construções e a reconstruções”, disse.
Holofotes sobre o país
Revolta das Caldas, Golpe das Caldas ou momento impulsionador do 25 de Abril. São várias as designações que a autora encontrou numa rápida pesquisa que fez sobre o 16 de Março, que reconhece que é de facto um acontecimento que foi um prenúncio da revolução que então se congeminava entre os militares.
Para a investigadora, que estudou a fundo o 25 de Abril, este resultou de uma acção militar levada a cabo por oficiais intermédios, onde era também central a questão colonial. No seu plano, apresentavam um programa “de democracia e descolonização”, o que deixou o mundo espantado, fazendo virar os holofotes sobre o país.
A investigadora contou que nos meses quentes da revolução, durante 19 meses, “tivemos dois presidentes da República, três tentativas de Golpe de Estado, seis governos provisórios onde mais de metade do executivo era ocupada por militares”.
Para a docente, o 25 de Abril não teve heróis, mas sim “homens diferentes e cheios de convicções”. Classificou como “tranquilos” Vítor Alves e Vítor Crespo, e de “irrequietos” Sá Carneiro e Otelo. Adelino Amaro da Costa, Melo Antunes e Sottomayor Cardia designou-os como “intelectuais”, ao passo que Salgueiro Maia, Vasco Lourenço e Mário Soares foram referidos como “homens de acção”. Já Costa Gomes foi designado como “um homem discreto” e Spínola como aquele que “gostava dos holofotes do mediatismo”.
Inácia Rezola concluiu referindo-se à revolução “como uma história colectiva, de ideias, de excessos, de contenções e de paixões”. Na sua opinião, a partir de 1974, o país “tornou-se num campo de experimentação, de confrontos e de propostas políticas diferentes e que contaram com um envolvimento cívico único”.
Muitos dos portugueses que nunca tinham protestado, saiam agora para a rua fazendo as suas reivindicações. “Recordo-vos que as primeiras eleições livres contaram com a adesão de mais 90% dos portugueses”, sublinhou a oradora.
A sessão prosseguiu com a interpretação das “Heroícas” de Lopes Graça, pelo Coro das Caldas da Rainha, dirigido por António Joaquim Silva. A sessão foi organizada pela autarquia em parceria com a Associação Património Histórico.
Caldas na rota da Democracia e da Liberdade
Durante a tarde, o auditório da ETEO encheu-se de alunos daquela escola e da congénere vizinha, Escola de Hotelaria e Turismo do Oeste. Juntos, os jovens ouviram a investigadora Joana Tornada falar com pormenor do 16 de Março e das movimentações das tropas das Caldas. Ficaram a saber como aqueles militares saíram à conquista da capital, julgando que os seus camaradas de outros quartéis também seguiam para Lisboa.
A coordenação entre as unidades não foi a melhor e as tropas voltaram para trás, tendo sido os envolvidos presos. Mas para o Movimento das Forças Armadas que viria a executar o 25 de Abril, estas movimentações das tropas e a resposta do regime em 16 de Março proporcionaram informações essenciais para as operações que tiveram lugar no mês seguinte e que permitiram o sucesso da Revolução dos Cravos.
“Imaginem como eram difíceis as comunicações de então. Não havia propriamente e-mails ou telemóveis. Toda a gente era vigiada…”, explicou a convidada ao mesmo tempo que mostrava documentação da maleta pedagógica, onde se incluem notícias de jornais e documentos vários sobre o sucedido. Estão agora disponibilizadas àquelas escolas os materiais históricos que permitem aos estudantes estudar a fundo as movimentações do 16 de Março.
“Esta documentação irá permitir realizar vários trabalhos interdisciplinares”, comentou a historiadora. Mas nem só de História se fala quando se refere o Golpe das Caldas. “É também importante falar sobre democracia e os seus valores, já que o 16 de Março serviu para promover os princípios democráticos”, disse a oradora. Esta deixou aos alunos do turismo a ideia de se constituir uma Rota da Democracia e da Liberdade dado que há muito interesse sobre tudo o que se passou naqueles dias quentes e que acabaram por transformar o país.
“A curiosidade das pessoas é enorme sobre como se vivia na altura”, disse a historiadora, acrescentando que o 16 de Março “pode ser um pretexto para conhecer melhor o Portugal antes e depois do 25 de Abril”. Para Joana Tornada há diversos temas a debater, desde a consolidação da democracia em Portugal até aos direitos das mulheres.
Sá Lopes e Daniel Pinto, responsáveis da ETEO e EHTO, respectivamente, consideram que é importante dar a conhecer aos alunos o que aconteceu na altura. Ambos referiram que o início da democracia portuguesa pode dar origem a uma rota turística, criando emprego e dando a conhecer os locais onde a História aconteceu.
A Rota da Democracia poderá ser uma mais uma ideia, a juntar-se ao monumento de Santa Bárbara e ao centro Interpretativo que a autarquia vai concretizar em frente ao quartel das Caldas, onde funciona a Escola de Sargentos do Exército e desta forma perpetuar para o futuro a memória do que foi o 16 de Março.