Refazer os centros urbanos é um dos grandes desafios da próxima década no que diz respeito à habitação. Mas ainda há necessidade de novas construções, para que as cidade sejam atrativas
Ninguém parece ter dúvidas que as casas do futuro serão mais inteligentes e mais amigas do ambiente. A grande questão é saber onde estarão essas habitações, quais os preços e, sobretudo, que impactos terão nas cidades. Para Leonel Fadigas, um dos rostos do Centro de Investigação em Arquitetura, Urbanismo e Design da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, o “projeto” de arquitetura para a região é simples: na próxima década haverá um regresso gradual aos centros históricos e cidades como as Caldas terão de ser capazes de atrair investimento, por forma a captar população.
“As cidades do futuro vão ser diferentes na forma e no funcionamento”, assevera aquele arquiteto paisagista, notando que, hoje em dia, as cidades têm, essencialmente, dois grandes desafios para responder: “algumas estão a perder população e noutras os centros históricos estão a ficar desertos”.
“Com a zona central degradada, uma cidade perde negócio, tem um parque habitacional degradado e é pouco atrativa. É por isso que refazer os centros é um dos grandes desafios das autarquias para a próxima década”, considera o alcobacense, que integra, desde 2005, o Conselho Estratégico do SIL – Salão Imobiliário de Portugal, evento que decorre esta semana na FIL, em Lisboa, reunindo os maiores especialistas do setor.
Habituado a planear políticas públicas e a definir o urbanismo e ordenamento do território e a estruturação urbana, Leonel Fadigas considera que o regresso da vivência dos centros históricos “fará toda a diferença” na afirmação dos territórios. E alerta que Caldas da Rainha “não pode ficar para trás”.
“A aposta nos centros históricos tem inúmeras vantagens, desde logo porque essas zonas centrais têm a vantagem de terem feito a identidade das cidades e, além disso, já têm as infraestruturas instaladas”, justifica o arquiteto, contrariando a ideia de que havendo perda de população nos concelhos não serão precisas habitações. “Isso é um erro. Há muita gente a viver mal. As novas habitações são necessárias para os novos residentes, mas também para quem já vive nas cidades. O que tem de ser feito é construção de qualidade e enquadrada nos núcleos urbanos, onde fica mais barato construir, dado que já existem infraestruturas instaladas”, justifica.
Este regresso aos centros urbanos não é, todavia, um problema que se resolva apenas num concelho. Torna-se necessária uma visão estratégica para toda uma região, que se prevê venha a ser mais alargada, sobretudo com a mais que provável criação de uma nova NUT.
Aliás, foi já a pensar nisso que, em dezembro, a Ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, a ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, Alexandra Leitão, e o ministro do Planeamento, Nelson de Souza, assinaram um memorando com as Comunidades Intermunicipais (CIM) da Lezíria do Tejo, do Médio Tejo e do Oeste que visa a elaboração de uma estratégia que suporte uma Intervenção Integrada de Base Territorial com incidência nestes territórios.
Com aquele memorando, as entidades comprometem-se “a apoiar trabalhos de desenvolvimento e reflexão estratégica” de forma a dar resposta a problemas territoriais específicos no futuro quadro de fundos europeus 2021-2027 (Portugal 2030), numa abordagem que “deve permitir combater de forma mais robusta desequilíbrios regionais e potenciar recursos de cada um destes territórios”.
A habitação está no centro destas prioridades, tal como a mobilidade das populações, sendo que estas duas áreas estão intrinsecamente ligadas. “Uma cidade só é vivida com pessoas, mas as pessoas têm de ser capazes de se mover com facilidade”, refere Leonel Fadigas.
Mas será que é possível viver de forma condigna nos centros históricos, quando o preço da habitação é tão elevado? “Estamos perante um novo paradigma e o PRR vem precisamente nesse sentido, o de privilegiar a habitação dos centros das cidades em vez da expansão dos núcleos urbanos. Hoje em dia poderá ser um privilégio viver no centro, mas podemos reabilitar o parque habitacional e devolvê-lo às populações em condições de habitação em renda acessível. Os preços da construção estão elevados, mas há instrumentos que o Estado e as autarquias possuem e que pode ajudar a regular o mercado do ponto de vista dos preços da habitação”, advoga um dos responsáveis pelo Plano Estratégico das Caldas da Rainha apresentado em 2003, um dos vários estudos que, em traços gerais, ficaram na gaveta.
“Com estas mudanças, melhora-se a qualidade de vida das pessoas, fixa-se população e poupa-se o solo que não se ocupa com habitação. Reduzir a expansão das áreas urbanizáveis é vital para manter um desenvolvimento sustentável e isso passa pela reabilitação dos centros das cidades”, considera o especialista, para quem será ainda necessário adotar políticas de mobilidade que permitam “retirar os automóveis ou reduzir o tráfego automóvel” das localidades.
Rever os PDM
Uma cidade qualificada “é sempre uma cidade com mais condições para atrair investimento”, considera Leonel Fadigas, que alerta, ainda, para a sustentabilidade do próprio sistema urbano e para a necessidade de definir outras políticas públicas para a gestão do território.
“Temos de olhar de forma diferente para os problemas. A ideia de cidade já não é um espaço urbano. A cidade é um sistema de trocas económicas, sociais e culturais que se está a assumir na faixa litoral do país”, sustenta o alcobacense, salientando, a título de exemplo, que Leiria é hoje “uma área com 200 mil pessoas”, que apanha vários concelhos. E como fica as Caldas?
“A modernização e eletrificação da Linha do Oeste vai ter um aumento decisivo na importância desta região. Pela primeira vez, Caldas perdeu população entre 2011 e 2021 e neste período crítico, as Caldas viveram uma letargia. Não é só o perder população, é o não sentir o dinamismo e Caldas corre o risco de enfranquecer se Torres continuar a crescer”, salienta o arquiteto, para quem a grande questão para os próximos dez anos no concelho é que a cidade seja capaz de “recuperar a centralidade e recuperar a capacidade de atrair investimento qualificado”.
Outro dos grandes desafios que a região enfrenta na próxima década, e que tem estado na ordem do dia, tem que ver com a definição de instrumentos locais e regionais que abram caminho a um desenvolvimento mais sustentado e enquadrado com a emergência ambiental que vivemos. É nesse sentido que se torna vital rever os Planos Diretores Municipais, que, na maioria dos concelhos da região, têm décadas de existência e condicionam (ou permitem usos excessivos e indevidos) o crescimento das aldeias, vilas e cidades. ■