Ana Sofia Reboleira demonstrou que alterações climáticas colocam em causa as maiores reservas de água potável
A cientista caldense Ana Sofia Reboleira coordenou uma equipa internacional de oito países que demonstrou cientificamente que grande parte das reservas de água potável do planeta disponíveis para consumo imediato estão atualmente em risco devido às alterações climáticas.
A investigação teve por base o estudo das temperaturas e das suas variações em 12 grutas de todo o mundo (desde a Noruega a uma ilha no meio do Pacífico).
Porquê em grutas? Porque a maior reserva de água doce disponível para consumo humano imediato vem, precisamente, do subterrâneo.
“As grutas são janelas para a observação do domínio do subterrâneo, que é muito mais extenso, as grutas são apenas o local que permite o acesso aos investigadores”, explica à Gazeta das Caldas a bióloga e espeleóloga caldense, Ana Sofia Reboleira.
O estudo internacional, que foi publicado na revista Scientific Reports, do grupo Nature, partiu de medições da temperatura, de duas em duas horas, nas zonas profundas das grutas de todo o planeta e à superfície, para depois tentar perceber como se refletem no subterrâneo as variações de temperatura que são sentidas à superfície.
Quando comparados os dados, a equipa internacional conseguiu registar e identificar três diferentes padrões de resposta térmica do meio subterrâneo em relação à superfície e “isso é uma novidade”, afirmou.
Nalguns casos, as grutas refletem a temperatura exterior com um pequeno atraso, noutros as variações à superfície refletem-se rapidamente no interior, mas também houve casos em que as grutas funcionam com um comportamento inverso, como se de um espelho térmico se tratassem, em que, quanto maior a temperatura à superfície, menor é nas grutas, e vice-versa.
É preciso notar que “são sempre variações muito pequenas”. A amplitude mais pequena que registaram “foi 0,1 graus Celsius e a maior, numa gruta portuguesa, nos Açores, foi de 8,8 graus Celsius”, divulgou a cientista.
Estas descobertas permitiram à equipa internacional “confirmar que a temperatura média debaixo de terra reflete a temperatura média exterior e a consequência disto, num contexto de alterações climáticas, com a previsão de subida de temperatura à superfície, é de que teremos essa subida refletida nas grutas”, esclareceu Ana Sofia Reboleira.
Só que nesta equação há ainda que ter em conta que as grutas são habitadas por “espécies raras que garantem a qualidade da água ao reciclar a matéria orgânica e os contaminantes” e que estas comunidades “vivem em ambientes muito estáveis, com muito pouca variação de temperatura”.
Tal leva a caldense a alertar que “as consequências do aumento de temperatura são absolutamente imprevísiveis e seguramente perniciosas” para “as maiores reservas de água doce disponíveis para consumo imediato”, que se localizam precisamente no subterrâneo.
O estudo agora publicado reuniu um total de mais de 105 mil medições de temperatura para obter estas conclusões.
Outra descoberta foi que conseguiram encontrar “padrões cíclicos de temperaturas nas grutas, ou seja, ainda que a variação seja muito pequena, existem ciclos diários de variação térmica em algumas das grutas”.
Dada a ausência de luz solar no subterrâeno e, portanto, também de ritmos circadianos, tal leva a equipa internacional a crer que os ritmos biológicos destes organismos poderão ser controlados pelos ciclos térmicos diários. E “isso foi bastante surpreendente”, exclamou a investigadora caldense.
Professora na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e investigadora no Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais, a cientista Ana Sofia Reboleira tem vindo a trabalhar na caraterização ecológica do meio subterrâneo há duas décadas. A caldense tem-se destacado em termos científicos e já descobriu e catalogou dezenas de novas espécies, como por exemplo, o escaravelho Duvalius Abyssimus que descobriu na Abecássia em 2014 ou o milpés mais profundo do planeta, também na Abecássia, em 2018. O seu fascínio pelo subterrâneo também originou a alcunha de “A Mulher das Cavernas”. ■