Até entre os precários do Estado há uma escala hierárquica, se assim se pode chamar. Manuel Brandão, Salete Silva e Bruna Sarmento estão desempregados, mas têm trabalhado no Museu da Cerâmica e no Museu José Malhoa ao abrigo dos CEI (Contrato Emprego-Inserção) assegurando as mesmas funções que o pessoal do quadro, o qual, dizem, é insuficiente para manter aqueles espaços abertos sem a sua colaboração. O seu objectivo é poder também obter o vínculo com o Estado, tal como se preparam para fazer, por exemplo, os contratados do CHO.
Há precários do Estado que têm contratos anuais renováveis, que trabalham por conta de empresas de trabalho temporário, que fazem o mesmo que os seus colegas funcionários públicos, mas não têm os mesmos direitos. Mas apesar disso ainda vão tendo emprego porque vêem os seu contratos renovados.
Outros há, porém, que ocupando postos de trabalho também no Estado, só lá podem ficar enquanto estiverem a receber o subsídio de desemprego. Depois são descartados e substituídos por outros, igualmente desempregados e ao abrigo dos conhecidos programas CEI – Contrato Emprego-Inserção.
Manuel Brandão, Salete Silva e Bruna Sarmento sabem do que falam no que diz respeito à sua prestação no Museu da Cerâmica e no Museu José Malhoa. Lá dentro asseguram as mesmas funções dos colegas do quadro, mas tecnicamente não estão empregados – são apenas desempregados que recebem subsídio de desemprego acrescido de mais 175 euros e subsídio de alimentação para trabalharem numa instituição onde podem desenvolver uma actividade, ganhar experiência e enriquecer o curriculum.
Manuel Brandão, 59 anos, desempregado desde 2015, está a trabalhar no Museu da Cerâmica, mas terá de sair a 13 de Setembro porque perfaz um ano de CEI. Depois terá de aguardar três meses até ter direito a um novo contrato destes que, contudo, não poderá ser no mesmo lugar de trabalho. No entanto, é bem provável que venha a ser substituído por um outro CEI naquilo que classifica como um aproveitamento de mão de obra barata por parte do Estado para colmatar falhas no seu quadro de pessoal.
“Trabalhamos sete horas por dia e fazemos exactamente o mesmo que os funcionários do quadro. Aliás, se não fossem os CEI os museus das Caldas simplesmente não poderiam estar abertos porque não têm pessoal suficiente”. Manuel Brandão dá o exemplo da loja e sala de exposições temporárias do Museu da Cerâmica que por vezes está encerrada porque não há pessoal.
Salete Silva, 45 anos, acabou o CEI há poucos dias porque acabou também o período a que tinha direito ao subsídio de desemprego. Trabalhadora das Faianças Bordalo Pinheiro durante 17 anos, perdeu o emprego em 2008 e desde então só conseguiu empregos precários com os consequentes períodos de desemprego com alguns meses de subsídio.
No entretanto valorizou-se: fez uma licenciatura em Turismo e um mestrado em Turismo em Ambiente. A sua tese de mestrado foi, precisamente, sobre o Museu da Cerâmica das Caldas da Rainha, aproveitando a experiência de trabalho (precário) na instituição.
“Fiz visitas guiadas para grupos em espanhol e em inglês. Fiz montagem e desmontagem de exposições, assegurei a vigilância das salas, fiz tudo o que os outros fazem. Depois tive que sair, mas sei que há falta de pessoal”, contou à Gazeta das Caldas.
Bruna Sarmento é a mais nova dos três. Tem 29 anos e ingressou nas fileiras do Exército aos 21. Foi militar durante sete anos, tendo passado por Abrantes, Tancos e Lisboa. O regresso à vida civil foi uma viagem directa para o desemprego pois não conseguiu trabalho em lado nenhum. Fez um curso de Técnica de Informação e Animação Turística sob a égide do IEFP e foi colocada ao abrigo do CEI no Museu da Cerâmica. Mas no dia 1 de Setembro termina tudo: acaba-se o subsídio de desemprego, acabam-se os 175 euros mensais e acaba-se a rotina de ir diariamente para o trabalho. O contrato finda a 31 de Agosto.
Para estes três “desempregados-trabalhadores” o ideal seria que o governo reconhecesse que eles são tão precários quanto os (mais) conhecidos precários do Estado e que também a eles lhes fosse dada a oportunidade de poder concorrer a um lugar que sabem estar vago e do qual já têm experiência.
O que diz a DRCC
Contactada a Direcção Regional de Cultura do Centro (DRCC), que tutela estes dois museus caldenses, fonte oficial disse à Gazeta das Caldas que “as medidas de emprego Contrato Emprego Inserção visam apoiar o desenvolvimento de atividades no contexto de projetos de trabalho temporário, assim como, apoiar a inserção profissional de desempregados subsidiados”. Neste contexto, o Museu José Malhoa tem “um colaborador em medida CEI e dois no Museu da Cerâmica”.
Segundo a DRCC o Museu José Malhoa dispõe de sete funcionários no quadro e o Museu da Cerâmica oito. Dada a proximidade física dos dois museus, e em situações especiais, os funcionários podem exercer funções em ambos os espaços optimizando assim os recursos humanos de ambos.
Quanto à possibilidade de o Ministério da Cultura vir a quebrar o ciclo do recurso aos CEI para colmatar falhas de pessoal no quadro, a DRCC diz que “no âmbito do Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na administração pública a Direcção Regional de Cultura do Centro comunicou à Comissão de Avaliação Bipartida a listagem de colaboradores em funções CEI. Aguarda-se pela conclusão do PREVPAP”.
Por muito injusto que seja está mais que visto que essa gente nunca mais vai arranjar trabalho nos terrenos do cavaquistão.