Desmatação do Bom Sucesso é exemplo sobre como não se deve usar o solo

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Gazeta das Caldas
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DSC_0784Os empreendimentos turísticos do Bom Sucesso e as alterações que provocaram a nível ambiental e paisagístico foram um assunto transversal a vários dos oradores que participaram no colóquio que decorreu no passado dia 5 de Dezembro no auditório da Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro.
Subordinado à temática dos desafios para a sustentabilidade dos territórios “Natureza vs Economia”, o encontro contou com a presença de especialistas e representantes de organizações cívicas, que defenderam a preservação do solo e alertaram para a necessidade de políticas e investimentos que não sejam destrutivos dos valores ambientais.

“Comprem solo porque já não se fabrica”. A frase de Henry Ford associada ao capitalismo americano foi aproveitada, e invertida, pelo arquitecto caldense Jaime Neto para alertar para a escassez deste recurso natural e a necessidade de o preservar.
O arquitecto, que falava em representação da Plataforma Defender o Bom Sucesso, disse que para sítios únicos têm que ser feitos projectos únicos e não genéricos, que também possam ser aplicados noutras zonas. “Não podemos aceitar que um projecto PIN de 2009 continue inalterado”, disse, referindo-se ao empreendimento Falésia d’el Rey, cuja construção esta plataforma pretende impedir.
Este grupo, que se criou através da rede social quando começou a desmatação para a construção do resort, já possui cerca de três mil pessoas e pôs em movimento uma petição publica para a revogação do alvará de licenciamento.
Jaime Neto lembrou que foi o valor ambiental e paisagístico do local que serviu de base à criação dos resorts naquela zona e que agora está a ser ameaçado pelos mesmos, com o impacto que ali estão a causar e que põe, inclusive, em causa “alguns animais e vegetação”.
Também a investigadora universitária Célia Martins falou sobre os empreendimentos que têm sido construídos na zona costeira de Óbidos, junto à Lagoa,  defendendo que deve existir uma coordenação entre o desenvolvimento turístico e o ordenamento do território.
O facto de haver grandes propriedades na zona costeira e um PDM que favorecia uma carga edificatória bastante favorável levou a que muitos investidores procurassem a zona a partir de 2000. Nasceram então mais quatro empreendimentos turísticos (Bom Sucesso, Quinta d’Óbidos, Royal Óbidos e a Falésia d’el Rey) que se juntaram ao já existente Praia d’el Rey.
A oradora apresentou alguns resultados da investigação feita sobre estes resorts ao nível dos impactos territoriais, nomeadamente o aumento da área artificializada. “Entre 2000 e 2006 houve um aumento de 96% da área artificializada na área costeira enquanto que na área total do concelho de Óbidos apenas se registou uma subida de 46%”, disse a investigadora. Este valor aumenta, se se juntarem as áreas dos dois novos resorts (Royal e Falésia d’el Rey). “E tudo à custa da ocupação florestal”, concretizou.
Célia Martins  disse ainda que o modelo de desenvolvimento naquela zona é “desfragmentado”, ou seja, caracteriza-se por operações urbanísticas avulsas, com autonomia, sem plano de estudo conjunto e numa lógica de exclusividade.
O administrador da empresa municipal Óbidos Criativa e docente na Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar, Ricardo Ribeiro, falou da estratégia do município para combater os efeitos da sazonalidade e dinamizar a economia local, assente nos eventos. Referindo-se aos empreendimentos construídos na parte costeira do concelho, lembrou que a autarquia alterou o PDM para reduzir o índice de construção naquela zona e defendeu sempre a criação de projectos sustentáveis.
“A população local tem que beneficiar com a actividade económica que o turismo desenvolve”, disse Ricardo Ribeiro, acrescentando que Óbidos é o segundo concelho da região Centro com maior número de dormidas, a seguir a Ourém-Fátima.

“Pisamo-lo mas não lhe damos o devido valor”

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De acordo com Maria das Mercês Silva Sousa, da associação Nostrum, a definição de solo tem muitas visões, sendo que uma das mais simples é que é um “suporte básico de vida”. A também docente de Biologia deu uma autêntica aula à plateia, que apesar de bastante diminuta, assistiu com atenção aos perfis, tipos, relevos e características do objecto de estudo.
Maria das Mercês Silva Sousa falou ainda dos perigos a que os solos estão sujeitos, como é o caso da desflorestação, poluição, ou relação com a agricultura intensiva. Por outro lado, apresentou algumas soluções, como a reflorestação dos lugares com plantas autóctones ou, por exemplo, no caso da Lagoa, colocar os dragados em locais onde não prejudiquem os solos.
A oradora seguinte, também bióloga e docente, Maria João Dias, começou por falar exactamente da intervenção na Lagoa de Óbidos para dizer que considera “um erro” a colocação de dragados nas suas margens. Referindo-se ao solo, destacou que “passamos por ele, pisamo-lo e não lhe damos o devido valor”, alertando para os problemas a que este está sujeito, através da agricultura intensiva, ocupação urbana e turismo.
Maria João Dias falou também das alterações climáticas e da tendência para um maior aquecimento, destacando que algumas zonas do país já começam a ser “consideradas desérticas”. Nas escolas já se desenvolvem actividades ligadas a esta temática dos solos, com a docente a defender a importância das crianças “experimentarem e mexerem” para ter a real noção do que se trata.
No painel “Território, ambiente e sociedade – Como promover a sustentabilidade”, moderado pela jornalista da Gazeta das Caldas, Natacha Narciso, foi ainda apresentado o projecto “Reconversão do Património e das Gentes do Mar”, levado a cabo por um grupo de investigadores da Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar (ESTM), de Peniche.
João Vasconcelos, coordenador do GITUR – apresentou o projecto, no valor de 53 mil euros e apoiado por fundos comunitários, de onde resultaram dois livros e diversos roteiros.
O colóquio foi organizado pela Cooagrical, a cooperativa agrícola do concelho das Caldas, que possui mais de 5000 sócios, e a Associação Industrial da Região do Oeste (AIRO).

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