Editorial

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O PREC de 2012
Os comentadores do Eixo do Mal – programa de crítica social que é apresentado na SIC Notícias nas noites de sábado -, especialmente aqueles que se situam ideologicamente mais à direita, defenderam uma tese no último programa. Trata-se da ideia de que, com as medidas anunciadas na passada semana por Passos Coelho, se está perante um novo PREC (Processo Revolucionário em Curso na versão agora 2012) em que se pretende revolucionar o país empobrecendo a maioria dos seus habitantes.
Passos Coelho, qual neo-Kim Il-Sung de direita, apoiado pela troika neoliberal, decidiu castigar o seu povo com uma nova dose de impostos, que vai necessariamente provocar o empobrecimento da maioria dos seus súbditos.
A troika numa versão ocidental do Politburo das instâncias capitalistas modernas, decidiu antecipadamente que os portugueses tinham de ver os seus salários francamente diminuídos e de secar o poder de compra do país, nem que para isso tivesse de destruir o aparelho produtivo do mercado interno, salvando-se, se possível, aqueles que produzem para o mercado externo, aliás a exemplo do que acontecia nos tempos heróicos da ortodoxia do leste europeu.
Achamos inacreditável que, ao contrário do que diz a quase totalidade das forças económicas, comentadores políticos e económicos, peritos e especialistas, forças sociais, o governo de Passos Coelho decida com toda a inflexibilidade cortar a mínima capacidade de consumo da grande maioria dos portugueses.
Esquece que esta decisão vai tornar insustentáveis a maioria das empresas que trabalham com o mercado interno, que vão estar sujeitas às decisões dos consumidores marcadas pelo medo de que amanhã será pior que hoje.
Quem der uma volta pelos actores económicos da cidade e região notará o momento de desânimo e de crescente incerteza e drama, perante as expectativas que se estão a gerar.
Falando com responsáveis políticos, mesmo na área do governo, percebem-se as dificuldades em entenderem as decisões anunciadas. Mesmo os comentadores alinhados com o actual poder, como Marcelo Rebelo de Sousa, são demolidores na análise do momento que vivemos e mostram a saciedade a impreparação e inconsequência do governo, especialmente do primeiro ministro e dos titulares das pastas económicas e de coordenação política.
Como Marcelo dizia, Passos apenas vê o mexilhão como o responsável pela situação e vítima das medidas para encontrar os amanhãs que cantarão.
Pode parecer redundante e exagerado dizer que nunca houve um momento como este no país, porque de tal forma o argumento foi utilizado sempre desde 1974, que hoje o exagero retira força à afirmação.
Mas nunca vimos uma sucessão de medidas penalizadoras, sem qualquer contrapartida ou visão de um futuro diferente e melhor, deixando apenas como hipótese que amanhã estaremos um pouco piores e que para muitos a alternativa é sair do país.
Pensamos, contudo, que a responsabilidade de tudo isto não é apenas de Passos Coelho e do actual governo, uma vez que para trás foram cometidas muitos erros e tomadas bastantes decisões menos certas, apesar de muitas beneficiarem do aplauso geral e da ideia de que tudo era possível e havia dinheiro que a tudo chegava.
Nestas colunas sempre tivemos preocupação contrária e quantas vezes defendemos ideias que iam contra a opinião maioritária, como a das portagens da auto-estrada do Oeste, da ampliação do hospital distrital (em vez de mais um novo hospital quando tinha sido feitos recentemente inúmeros investimentos no actual), da abertura de novas escolas superiores (quando o número de alunos decresce), centros culturais (que não criam emprego compatível com o investimento feito), piscinas que não são utilizadas, etc.
O país ficou cheio destas mazelas, que foram incentivadas e glorificadas pelos técnicos da União Europeia e de outros organismos internacionais, colegas de muitos dos elementos da troika, que não assumem as suas responsabilidades.
Isto não desculpa os nossos erros, que poderíamos ter antecipado, se houvesse um pensamento proactivo e não se fosse atrás de populismos baratos e irresponsáveis de muitos que hoje se esquecem do que fizeram e do que foram e agora acusam os outros do mesmo.
As decisões anunciadas na passada semana não têm nada que incentive o consumo endógeno e responsável, nem fortalecem a produção e o consumo de valor acrescentado nacional.
Dizia o arquitecto Sotto Moura num diário do fim de semana que a arquitectura com esta situação estará parada nos próximos dez anos. Diremos nós que não será só a arquitectura, mas o design, a arte, as indústrias criativas, a restauração de maior (e menor) qualidade. Mesmo as indústrias de objectos normais de consumo não se safarão a este momento. Apenas e com dificuldade os sectores ligados aos produtos de subsistência poderão ver alimentadas as suas produções.
O país está entregue a pessoas de formação académica rápida e simplificada, ou então a estrangeirados que fizeram a sua formação no exterior e que aí continuaram a viver, desconhecendo a realidade portuguesa e que hoje fazem experiência social num país à beira de soçobrar.
Acreditamos que Portugal vai dar a volta porque estas medidas irão ser interrompidas tanto no país como na Europa, apesar de nessa altura já terem sido produzidos danos irreparáveis nas gerações actuais e especialmente nos mais novos que apenas podem ver solução lá fora.
Como afirmávamos num artigo de opinião há semanas, a actual crise tem um carácter sistémico e paradigmático, pois estamos a romper com a sociedade industrial e a descortinar a sociedade do conhecimento. Países como Portugal, que ensaiam soluções e remédios do passado, vão ter mais dificuldade de aí entrar. Mas vai ser inevitável, e com optimismo, o que irá ocorrer em todo o mundo alargar-se-á a Portugal e o futuro voltará a ser risonho, queiram ou não queiram estes aprendizes de feiticeiro.
Há dez anos antecipámos o que poderia vir a acontecer a todo o conjunto das indústrias tradicionais e poucos acreditaram. O cenário pior, que achávamos muito difícil de acontecer, foi afinal aquele que se vive hoje.
Por isso, uma vez mais afirmamos que estamos pessimistas no curto prazo, até pelos responsáveis que lideram os processos em curso, mas muito optimistas no médio e longo prazos. O mundo vai ser melhor e tem recursos e pessoas para o merecerem.

PS – Depois da declaração do ministro Vítor Gaspar na terça-feira, não ficámos mais optimistas para os próximos tempos, pois confirmou cabalmente o que Passos Coelho havia anunciado e antecipou o agravamento de outras imposições, não mostrando a mínima sensibilidade para o problema do desemprego. Afinal o que parece é!