Editorial – Portugal revoltou-se pacificamente

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Inesperadamente para o governo Passos Coelho, numa semana a estabilidade governativa foi posta em causa e as decisões mais recentes de aumento do rigor orçamental e dos cortes nos rendimentos da população sofreram um revês.
Não se sabendo ainda, no momento em que escrevemos, como se irá deslindar a crise a que se chegou, a que não foi indiferente a saída à rua de centenas de milhares de pessoas em todo o país, em manifestações não enquadradas partidária ou sindicalmente, contudo percebe-se que o governo hesita sobre como deverá actuar.
Desde o 25 de Abril de 1974 talvez tenham sido poucos os momentos em que Portugal se tenha manifestado de forma mais semelhante e imbuído no mesmo espírito entre todas as forças económicas e sociais, estranhando-se que a liderança do PSD não tenha ainda entendido ou tenha demorado tanto tempo a perceber o país.
O mesmo não aconteceu com o seu parceiro de coligação – o CDS/PP – que de forma timorata num primeiro momento, e mais clara no passado domingo, veio dizer que esteve em desacordo desde o primeiro momento, nomeadamente com a introdução da TSU (Taxa Social Única), apesar de algumas vozes menos afirmativas de alguns responsáveis partidários.
Ninguém se admirará do golpe de rins do líder do CDS/PP, Paulo Portas, o verdadeiro artista no elenco governamental, que mostra a quem quer ver que assumiu uma autonomia que lhe permitirá talvez eximir-se às consequências das medidas mais drásticas do governo Passos Coelho.
O país espera ansiosamente pelos resultados do Conselho de Estado que decorrerá hoje no Palácio de Belém, onde se irão confrontar as posições maioritárias daqueles que não vêem com bons olhos as recentes decisões do governo, ainda mais ampliadas pelas manifestações que decorreram no passado sábado e que provavelmente assustaram Passos Coelho e o seu petit comité.
Este, onde preponderam figuras detestadas pela opinião pública e pelos comentadores, como António Borges e Braga de Macedo, e alguns jovens académicos saídos da universidade sem qualquer experiência de vida, estão a criar o maior conflito social que há memória no nosso país, conseguindo unir o inconciliável.
Acusava-se José Sócrates de ter enfrentado em simultâneo vários lobbies, causa da sua progressiva queda de popularidade, mas o actual governo não terá aprendido e conseguiu em menos tempo divorciar-se dos portugueses, por amor à troika e à senhora Merkel.
O que nos causa mais espanto é a incapacidade do primeiro ministro e do seu ministro das Finanças, Vítor Gaspar, de dar esperança e mostrar algum futuro a Portugal.
Recentemente um membro do governo queixava-se em público que o país tinha conseguido perder em poucos anos os reputados departamentos de planeamento que existiam em vários ministérios, nomeadamente o mais consagrado em termos nacionais e internacionais, que era o antigo DCP (Departamento Central de Planeamento), transformado posteriormente em Departamento de Planeamento e Prospectiva, onde pontuavam algumas dos principais especialistas da estratégia do país desde a abertura marcelista.
Nos mais recentes governos, com a eliminação do Ministério do Planeamento e com as fusões e junções de ministérios, foi-se perdendo o know how e a experiência destes funcionários, perdendo o país um escol e um património que dificilmente irá ser reconstruído nos anos próximos.
Não admira, pois, que ainda há dias, e já depois da início da crise pós discurso de 7 de Setembro, Passos Coelho tenha afirmado que os problemas de Portugal provavelmente não seriam resolvidos antes de passados 15 ou 20 anos. Mais um “palpite” do primeiro-ministro, sem qualquer base científica ou histórica, que mostra bem a sua incapacidade de pensar estratégica e proactivamente.
Intriga-nos que os actuais governantes não definam qualquer objectivo estratégico junto com as medidas de restrição orçamental e de maior penalização dos portugueses, que possam servir de alguma contrapartida a tanto sacrifício.
Não basta decretar cortes cegos em qualquer gosto público, quando se tal for feito selectivamente e em função de eventuais retornos, poder-se-á estar perante medidas mais inteligentes e que ajudem a minorar os efeitos da crise e recessão.
A exemplo do que se faz em grande medida em muitos países desenvolvidos, com escassos recursos, é possível valorizar recursos endógenos e oportunidades evidentes resultantes das nossas condições geográficas, climatéricas, humanas, culturais, ambientais, etc.

ALGUMAS SUGESTÕES
Vamos dar apenas alguns exemplos muito simples e inspirados noutros países, aplicados directamente à nossa cidade e região:
Quanto custaria criar um percurso pedonal, por exemplo, junto ao Sana Hotel (ou noutro qualquer), que poderia levar os seus hóspedes amantes da caminhada a percorrer alguns pontos culturais e de interesse ambiental caldense? Saídos do Largo da Rainha D. Leonor poderiam percorrer o parque, visitar o Museu Malhoa, apreciar o parque D. Leonor (que poderia estar enriquecido com atractivos ambientais, como jardins temáticos, percursos de identificação de espécies arbóreas, etc.), seguir em direcção ao Museu de Cerâmica, visitar os ateliers dos escultores António, Duarte, Fragoso, etc., seguindo para o Museu da Fábrica Bordalo Pinheiro, depois para o Bairro João de Deus, subindo à Mata, caminhando em direcção ao Jardim d´Artes, descendo em direcção ao Couto, visitando as captações de água (que poderia ser preparadas para o efeito), descendo depois em direcção da cidade. Seria um percurso de algumas horas com possibilidade de tomada de refeições nalgum desses pontos.
Na Bélgica há locais onde existem percursos deste género com possibilidade de tomar um aperitivo numa das etapas, comer um prato de carne ou peixe noutro ponto do percurso, a sobremesa noutro, uma prova de cerveja artesanal noutro, etc..
Há dias um leitor da Gazeta das Caldas que visitou recentemente o Museu do Judaísmo em Berlim, referia-nos que num computador onde o visitante pode consultar a história das perseguições nazis, estavam patentes os inúmeros países que receberam os refugiados judaicos na segunda Grande Guerra. Pressionando a palavra Portugal vinha ao écran uma fotografia da Praça da Fruta das Caldas da Rainha, onde se viam populares e provavelmente alguns elementos da comunidade judaica aqui refugiada.
Este facto devidamente explorado poderia facilmente transformar-se num atractivo para a visita de milhares de pessoas dessa comunidade que circula no mundo à procura das suas raízes históricas e dos locais onde permaneceu em tempos difíceis.
Há tempos recebemos nas Caldas da Rainha um grupo de jovens estudantes polacos em que uma das primeiras perguntas foi: onde existe o percurso pedonal Caldas da Rainha – Óbidos, sem ser a tradicional ligação por estrada sem condições para a caminhada? É mais um exemplo de falta de visão e de atenção de quem dirige estas terras nos últimos anos.
Estas pequenas contribuições com a devida promoção ou marketing, não resolveriam o grave problema que nos atravessa hoje, mas dariam mais sustentabilidade ao turismo caldense, que não consegue captar 0,1% dos turistas que visitam a capital.
Mas para quem nem tem um mapa ou um prospecto actualizado, fazer isto é quase uma revolução cultural nos hábitos de nada fazer e de gastar zero para ter retorno zero.