OPINIÃO | Rui Lopes | Professor e investigador de História da Educação
O ensino doméstico é um tema que de quando em vez se torna atual. Recentemente surgiram notícias de personalidades que fizeram essa opção para os filhos. Existe em atividade, entre outros, a “Associação Movimento Educação Livre” defensora do ensino doméstico. Na realidade a questão do ensino doméstico não é de hoje, é historicamente de todas as épocas.
Por definição o ensino doméstico ou domiciliar é o que se ministra no domicílio do aluno, por um familiar ou pessoa que com ele habite, opondo-se ao ensino efetuado numa instituição como a escola pública, privada ou cooperativa e ao ensino individual, por um professor diplomado fora de uma instituição de ensino.
O ensino doméstico está legalizado em países como a Austrália, a Áustria, a Bélgica, o Canadá, a França, os Estados Unidos, a Noruega, a Rússia, a Itália, a Nova Zelândia e também Portugal. No entanto é proibido e considerado crime por exemplo na Alemanha, no Brasil e na Suécia. A maioria dos países onde é legal exige uma avaliação anual dos alunos que recebem educação domiciliar, o Homeschooling em Inglês.
Na sua origem todo o ensino é doméstico e baseia-se na relação pessoal entre mestre e aprendiz, como tradicionalmente se foi fazendo no ensino de muitas profissões. Quanto mais recuamos no tempo mais formas de ensinos que poderemos considerar doméstico encontramos, ainda que ligadas a um certo elitismo, recorde-se por exemplo a aprendizagem que os escudeiros faziam junto dos seus cavaleiros até serem eles próprios armados cavaleiros.
No século XIX quando o ensino regular se difundiu e no princípio do século XX o ensino doméstico esteve bastante em voga, sobretudo para os mais abastados e ficou ligado aos primórdios da educação regular feminina. No início dos Liceus em Portugal a preocupação era sobretudo passar nos exames e frequentemente os estudantes recorriam a ensino tipo doméstico indo depois realizar as provas aos liceus. O que estava em causa, também aqui, era o direito individual de aprender e ensinar nas palavras de D. António da Costa, responsável educativo em 1871, também referido por Bernardino Machado em 1884. Júlio de Matos, por exemplo, em 1881 criticou veementemente a tutela do Estado e a influência do catolicismo. Em 1913 António Alfredo Alves publicou duas obras em francês sobre o ensino doméstico e em 1923 Adelaide Cabete publicou um contributo intitulado “O ensino doméstico em Portugal”.
Nos dias de hoje encontramos um outro tipo de ensino doméstico muito instalado ao nível das chamadas explicações, generalizadas em todas as áreas do conhecimento. No fundo recorrer a um explicador é optar por um certo ensino doméstico, literalmente já que no geral as sessões são em sua casa, ainda que como complemento à frequência de ensino regular.
Muitos jovens que pretendem singrar no mundo artístico ou desportivo apostando sobretudo em modalidades específicas, têm no ensino individual, em certa medida um ensino doméstico, a solução para uma gestão flexível dos seus tempos. Aliás o ensino artístico, por exemplo de um certo instrumento e o ensino desportivo, sobretudo de modalidades de competição individual, seguem frequentemente o modelo do ensino doméstico.
O ensino doméstico é uma modalidade de ensino possível, ligado a um certo elitismo que promove o afastamento do estudante do contacto diário com os outros. Além do mais permite aos pais fazerem as escolhas curriculares e programáticas que bem entenderem, decidindo o que e quando ensinar, no entanto para legitimar essas aprendizagens é forçoso fazer as provas e exames oficiais em conjunto com os outros jovens.
Esta relativa liberdade de escolha de programas, métodos e matérias de ensino fica assim à responsabilidade dos pais e ou mestres escolhidos caso não sejam eles próprios os professores, como acontece frequentemente. Esta opção implica a colocação de duas importantes questões de princípio que se encontram associadas. Até que ponto é legítimo a um pai fazer estas escolhas como se fosse dono do jovem? Até que ponto o Estado tem direito a impor-se na educação dos jovens? Questões de sempre, polémicas, cuja resposta depende muito da perspetiva social, cultural e política de cada um.
Pessoalmente julgo que os eventuais benefícios em termos de liberdade, criatividade, menor pressão, especialização, erudição, ou outros são diminutos perante o isolamento, a falta de socialização e sujeição às dificuldades normais do comum dos mortais, correndo o perigo de valorizar a instrução em detrimento da educação e de formar pessoas que se julguem superiores e ou sejam socialmente inábeis, podendo também ter desvantagens no mercado de trabalho além disso pode ser propiciador do crescimento de fundamentalismos de todos os géneros impondo aos jovens os pressupostos ideológicos dos pais.