Durante meses a CP ignorou questões enviadas pela Gazeta das Caldas acerca da linha do Oeste, recusando-se a responder a perguntas concretas, a maioria delas relacionadas com a supressão de comboios e o mau serviço prestado neste eixo ferroviário. Agora o organismo regulador da comunicação social, tendo apreciado uma queixa deste jornal, veio dizer que a CP deve cumprir com a legislação e responder às perguntas que lhe são colocadas.
Entre Maio e Julho do ano passado, quando se anunciava já a crise ferroviária que veio a ocorrer durante o Verão e que teve um impacto muito forte na linha do Oeste, a Gazeta das Caldas enviou questões à empresa pública CP que esta simplesmente ignorou. Muitos dos e.mails então enviados faziam perguntas concretas sobre as centenas de supressões de comboios, a ausência de transbordo rodoviário alternativo, a falta de informação aos passageiros e as medidas (ou ausência delas) para mitigar a falta de material circulante.
Como a empresa não respondeu, foi apresentada queixa na ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que analisou os e.mails enviados e confrontou a CP com a falta de respostas.
A empresa argumentou “que nunca houve lugar a qualquer intenção de limitar o acesso à informação pois é do próprio interesse da CP divulgar as soluções preconizadas para dar resposta às necessidades de mobilidade dos seus clientes”. Mais disse a empresa que muitas das perguntas eram repetidas e que o queixoso já sabia de antemão que não havia dados disponíveis. A CP alegou ainda que “existem temas que, devido à sua especificidade técnica, requerem um estudo aprofundado pelos órgãos internos da empresa, o que por vezes condiciona o tempo de resposta”, considerando que houve um “abuso do direito de queixa” (sic).
A ERC, que analisou o fluxo de e.mails entre a CP e a Gazeta das Caldas, não acata, porém, esta argumentação e adverte a transportadora pública que, “mesmo tendo algum motivo legítimo para a não divulgação de informação, a Denunciada [CP] está obrigada a dar conhecimento dessa impossibilidade, fundamentando a recusa”.
A deliberação do regulador diz ainda que, “mesmo nos casos em que a resposta foi dada decorrido lapso temporal considerável relativamente ao pedido originário de informação, deveria a Denunciada ter comunicado de que não dispunha, de momento, da informação solicitada devendo também informar qual o prazo espectável para o envio da resposta”. Por isso, a ERC alerta a CP para o consignado no artigo 22 da Lei de Imprensa (direitos fundamentais dos jornalistas no acesso às fontes de informação), “sublinhando-se que constitui seu dever prestar informações aos jornalistas, bem como dar conhecimento aos interessados dos casos em que está impossibilitada de dar uma informação e qual o fundamento”.
Em conclusão, a ERC “delibera alertar a Denunciada para a necessidade de observar o dever imposto pelo artigo 22º, alínea b) da Lei da Imprensa e pelo 8º, nº 1 alínea b), e nº 4, do Estatuto do Jornalista”.
COMENTÁRIO
A falta de comunicação em momento de crise
A recusa da CP em responder às perguntas da Gazeta das Caldas coincidiu com um dos piores momentos do desempenho da CP, ao nível operacional, na linha do Oeste. Nos 130 anos deste linha férrea não terão havido outros momentos em que o serviço bateu no fundo, com supressões diárias de comboios durante meses seguidos e muitos passageiros apeados nas estações, sem qualquer informação, à espera de um transporte que não aparecia.
Durante estes meses foram milhares de pessoas que ficaram sem comboios e que viram as suas vidas alteradas, tendo recorrido a táxis e a familiares para os resgatarem nas estações, sendo conhecidos casos de grupos de dezenas de pessoas que viajavam em excursão e ficaram sem comboio. Em plena época balnear, com milhares de pessoas a quererem usar o transporte ferroviário para S. Martinho do Porto, a CP suprimia comboios diariamente sem qualquer aviso prévio, deixando aos seus clientes um número de telefone de call center (ainda por cima a pagar) que nada resolvia.
Este período negro, de incapacidade da empresa em fazer a sua operação, exigiria uma estratégia de comunicação de emergência para explicar às pessoas o que estava a acontecer. Na verdade a empresa debatia-se, e debate-se ainda hoje, com graves problemas de falta de material circulante e de falta de recursos nas oficinas para reparar os comboios avariados.
Em pleno Verão, quando a procura aumenta, a CP alterou os seus horários e reduziu a oferta na linha do Oeste a mínimos, afastando clientes e desligando-se ainda mais das populações que deixaram de poder contar com o comboio.
O que faria uma empresa inteligente
Uma empresa inteligente teria publicado anúncios nos jornais e rádios regionais para explicar o que estava a acontecer e como tencionava resolver os problemas. Uma empresa inteligente teria reforçado o seu pessoal nas estações para avisar o público das debilidades da circulação e não deixar as pessoas com a sensação de que foram abandonadas. Uma empresa inteligente teria enviado administradores ou quadros de primeira linha às câmaras municipais para pedir desculpa aos autarcas (representantes do povo), para justificar-se e esclarecê-los sobre a situação da empresa e as medidas que pretendia tomar.
Mas nada disto foi feito. Na sua arrogância, a CP passou a encarar as supressões de comboios como normais, suprimindo-os sem qualquer consideração pelas populações que deveria servir. Por exemplo, a empresa nunca explicou cabalmente por que motivo nem sempre assegurava transbordo rodoviário alternativo, até mesmo quando se sabia na véspera quais eram os comboios que iriam ser suprimidos.
A CP fez tudo aquilo que os manuais de comunicação não recomendam quando se trata de lidar com situações de crise: em vez de explicar, justificar, pedir desculpa e informar sobre como pretendia minimizar e conter os danos criados, optou por negar a existência de crise e a recusar-se a assumir as suas responsabilidades.
Num espaço de quatro meses, a CP – cuja administração teve de andar a reboque das decisões da tutela que a dado momento resolveu ser também co-gestora – mudou duas vezes de horários, mas não o soube comunicar devidamente. E isso – a irregularidade da oferta – é o que pior que pode acontecer a uma empresa de transportes porque o público precisa de ter certezas quanto aos horários dos comboios, os quais não devem andar sempre a mudar.
Problemas não resolvidos
Os problemas da CP, e da linha do Oeste, não estão resolvidos. Ultimamente tem havido poucas supressões porque a linha do Douro fechou para obras, o serviço ficou reduzido a mínimos e a CP trouxe para o Oeste as automotoras que lá circulavam. Mas sem material circulante novo, não há milagres. Quando este material voltar para o Norte, os problemas do Oeste voltarão a agravar-se. C.C.