Escrito a Chumbo 16

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17 e 20 de abril de 1974

“Cidade muito progressiva – opinião de Marcelo Caetano sobre as Caldas” é o título de um artigo, na primeira página da Gazeta das Caldas do dia 17 e que aborda a já referida vindo do chefe do governo de então às Caldas entre o 16 de março e o 25 de abril.
“Na sua recente visita particular a esta cidade, acompanhando o ex-ministro espanhol Lopez Rodó, o chefe do Governo esteve, como noticiámos, no templo de Nossa Senhora do Pópulo e no museu de José Malhoa. Chegou à igreja quando nela o capelão do Centro Hospitalar, padre Miguel de Amorim, celebrava missa, a parte da qual assistiram os dois estadistas. Estes deslocaram-se depois ao referido museu”, lê-se na peça que nos traz “duas impressões deixadas pelo professor Marcello Caetano: Caldas é uma cidade muito progressiva. Lamento não termos podido visitar, no museu, a sala de Eduardo Malta. De facto a visita, na pinacoteca caldense, à referida sala não foi possível por esta estar encerrada em razão das obras a que ali se procede”, conta a Gazeta.

A POLÍTICA COLONIALISTA
Numa fase em que se sente a instabilidade do regime, que já tinha sido alvo do Golpe das Caldas e que, apesar de não o saber, se encaminhava para o seu fim, encontramos a propaganda cada vez com maior intensidade, em particular, relacionada com a temática da política colonialista. “Nem veredas nem atalhos”, era um texto não assinado, provavelmente recebido de Lisboa de alguma entidade que o produzia e distribuía pela imprensa regional, onde se podiam ler as teorias que se pretendiam inculcar nos leitores. Recorde-se que a maioria dos textos feitos pelos colaboradores da Gazeta nessa fase eram assinados pelos autores, nomeadamente pelo diretor que assegurava a linha do jornal. “É necessário que tenhamos noções exactas acerca da nossa posição no Mundo, isto é, da nossa situação frente à guerrilha que contra nós se acirra e que tenta minar a própria tranquilidade que no continente se respira. Com esse conhecimento da realidade não mais poderemos ficar indiferentes quando nos querem lançar na balbúrdia política e desorganizar a coesão que tem sido o segredo da nossa defesa. Não podemos consentir que nos quebrem ou adulterem o sentido de unidade, essa força com a qual vamos suportando os ataques que tantos nos movem, no desejo de nos esfacelarem a defesa e de nos retalharem o território. Agora, mais do que nunca, quando o tempo conta a nosso favor, não pode admitir-se outra linha de conduta que não seja a da nossa coesão. Nem podem consentir-se experiências na exigência da mesma continuidade, pois que os inimigos são muitos e poderosos e espreitam constantemente o baluarte da nossa resistência, contra a qual se têm esmagado todos os ataques que nos são movidos. Situamo-nos na Europa e nela temos de viver, – de viver na exigência que nos envolve e condiciona irreversivelmente o nosso progresso. Sem a Africa, que nos pertence e com tanto denodo temos defendido, ficaremos no Mundo reduzidos à nossa realidade, perdida para mais a hegemonia que nos alevanta o espírito e nos impunha à consideração de muitos. E valerá mais suportar os embates que nos são movidos continuando no entanto coesa a nossa unidade, do que ceder a pressões, na cedência de altruismos discutíveis, e ficarmos inevitavelmente sujeitos depois à piedade e à irrisão. A grandeza da posição que defendemos e o valor da nossa missão são demasiadamente sérios para que se lhes consintam o que não seja a linha firme de uma inquebrantável continuidade. Só isso. Parece não merecermos aos outros mais do que indiferença e desmérito em face da nossa atitude. Mas basta que de longe se pressinta qualquer modificação, insignificante que seja, no panorama do nosso dia a dia, e não faltam à nossa volta a curiosidade e a expectativa dependuradas duma informação, afoita e ousada, quantas vezes… Somos, no Mundo, um caso, muito mais sério e evidente do que, por vezes, supomos, não apenas pelo ímpeto da nossa vontade, mas por essa realidade que é a força, a coerência e a resistência de todo um povo, que, unido, sabe manter uma atitude na coerência da verdade que defende. E isto, se irrita a muitos, acaba finalmente por converter-se em reservada admiração de todos… É dentro da responsabilidade que criámos que temos de ter noções exactas do que somos e valemos. Não podemos consentir, daí, que nos tirem das mãos os trunfos que conquistámos. Porque o caminho é só um, largo e aberto, e não consente que o troquemos por veredas, nem atalhos…”

ASSIM – NÃO!
Outro artigo, também não assinado, que pode ser incluído nessa “pasta” da propaganda tem como título “Assim-Não!” e diz que “quem está de fora não pode avaliar, nem de leve, os trabalhos, preocupações, canseiras, cuidados, problemas e circunstâncias de difícil solução que se deparam ao Governo na gestão da coisa pública. É um constante labor de desgaste psíquico de todos os dias, de todas as horas, não só nos afazeres do gabinete como nas consecutivas deslocações a pontos do País onde a presença de qualquer dos seus membros se torna necessária para estudo das questões locais. Considerável tem sido, gigantesco mesmo se pode considerar, o esforço dispendido pela Administração nestes últimos anos em vultosas e custosas obras que em todos os quadrantes da vida nacional e através de todas as actividades sociais, vêm sendo realizadas com extraordinário afinco, sem desfalecimentos, a favor das populações, para um Portugal melhor. Estávamos na realidade atrasados em muitos aspectos comuns em relação a outras nações. Hoje, porém, devemo-nos orguIhar de em alguns desses aspectos já estarmos a par de outros povos de mais avançado teor. Quem se der ao trabalho ou prazer de percorrer as cidades vilas e aldeias do País verificará se quizer ser honesto na apreciação, como essas localidades têm evoluído, progredido, de modo surpreendente, ou, noutros lados se estão realizando obras ciclópicas com vista a uma maior prosperidade sócio-económica das gentes. Podemos afirmar, sem desmentido dos espíritos justos e de boa fé, que se vive hoje muito melhor do que há uma dezena de anos. E isso, não obstante, as condições negativas que o actual panorama inflacionário internacional um mal para o qual não se vislumbra remédio de pronto e a que forçosamente não podemos escapar tem provocado ao nosso desejado desenvolvimento. Ora, precisamente nesta hora difícil, se não em outras ocasiões, quando, para vencermos na parte que nos toca a crise que o mundo atravessa, se tornaria imprescindível a mais estreita cooperação de todos, mas de todos os portugueses com o Governo, independente de ideologias que porventura os separam, com vista a uma coesão estreita e perfeita a fim de se contribuir para um maior fortalecimento nacional sobre as vicissitudes que se nos apresentam, ocasionam-se deploráveis ocorrências que quebram a proveitosa unidade nacional. Pois, é lamentável observá-lo, foi exactamente este momento de cruciantes dificuldades, que uns tantos, felizmente poucos, maus patriotas que também «entre os portugueses traidores houve algumas vezes>> O escolhido para tentar, embora sem êxito, criar complicações aos governantes e ao País, com o fim de estabelecer dissidios na família portuguesa. Pretendeu defender interesses próprios em prejuízo do interesse geral, e destruir a invejável tranquilidade em que temos vivido e se mostra modelo para muitas outras nações. Não bastam os ódios, rancores, calúnias e intrigas com que certos inimigos do exterior nos alvejam – sem, aliás, nos atingir! – para que indivíduos desgraçadamente nascidos em Portugal e de responsabilidade na defesa intransigente, do que é nosso património secular, pretendam agora ofender a fidelidade que devem ao País e ao Povo Português, tomando atitudes a todos os títulos condenáveis e anti-patrióticas. Não pode ser! Para esses e para os outros que ao mais pequeno pretexto e servindo-se das traiçoeiras, armas de hipocrisia e falsidade, temos todos nós, os que desejam a paz interna e apoiam, com vontade inflexível, o direito do Governo, escolhido eleitoralmente por esmagadora maioria nacional, para todos esses inimigos da Pátria e da ordem, vai o mais veemente repúdio, a mais consciente repulsa. Portugal não pode estar à mercê de desordeiros e de rebeldes que mercê de ocultos desejos intentam entravar a infatigável e benemérita acção que o Governo, com inconcussa honradez, vem efectuando a favor do bem geral. É certo que nem tudo caminha bem, mas trabalha-se para que beneficiemos o melhor possível, do que de pior as actuais circunstâncias mundiais impõem a toda a humanidade. Não são, na verdade, fáceis os vários problemas que temos de corajosamente enfrentar, mas desde que, unidos e firmes, saibamos entender as dificuldades e não nos enleemos em discussões estéreis o bem-estar almejado surgirá, em paz sossego e tranquilidade”.

A SAÚDE
“O Centro Hospitalar entrou no terceiro ano de existência – Em pouco tempo deu contributo decisivo para o progresso da região”, conta o jornal em artigo que se vê a origem dos colaboradores do jornal pelo sentido crítico que existia em relação ao tema. É que “por decisão governamental de 19 de Março de 1971 era ministro da Saúde o Dr. Rebelo de Sousa, pai do atual Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, foi criado o Centro Hospitalar das Caldas da Rainha, que iniciou a sua actividade em 1 de Abril desse ano. Trata-se do agrupamento jurídico, sob o mesmo comando e com serviços administrativos comuns, do vetusto e muito respeitável Hospital Rainha Dona Leonor. de secular função termal, e do recente Hospital Sub Regional (hoje chamado de distrital) que sucedeu ao de Santo Isidoro, nascido há 70 anos. Não dispomos de dados que nos permitam analisar como se processou a vida do Centro, como se estruturou interiormente e como transformou deficiências em benefícios apreciáveis para os doentes, benefícios visíveis e merecedores de registo. O que exteriormente transparece é, porem, altamente valioso.

Dispomos, sim, duma breve história da evolução de velho problema local. Este é que Caldas-cidade e Caldas-termas viveram sempre lado a Iado num antagonismo que chegou a ser feroz. A segunda começou por ser a dona de tudo e a primeira foi a irmã pobre e desprezada. Melhor: a madrasta má e a paciente enteada. Tenha-se em conta a seguinte retrospectiva: o prédio da Mata, onde funcionou a Escola Técnica esteve ocupado pelo estabelecimento de Ensino e encontra-se sem utilização desde 1964; os pavilhões do Parque deixaram de ser quartel do R. I. 5 em 1951 e só 15 anos depois voltaram a servir para sede de colectividades, Biblioteca Pública, Escola de Alistados da P. S. P. e, agora, Liceu e Escola do Magistério; as dependências da rua de Frei Jorge de São Paulo foram ocupadas pela Junta de Freguesia, pela Liga dos Combatentes, pelos serviços sociais da P. S. P., pela extinta comissão municipal de Assistência, pela Acção Nacional Popular e, desde 1973, pela Casa do Povo; o ex-palácio real servindo de tribunal judicial até 1959 e, após muitos anos de inutilidade, de escolas primárias, centro de instrução da P. S. P. e de sala de ensaios da Banda Comércio e Indústria; Dum modo geral pode concluir-se que o Concelho deve agora às Termas, mais do que nunca, o alto serviço de alojarem organismos e colectividades de importância primordial para a vida da autarquia. Os benefícios prodigalizados pelo Centro Hospitalar não ficarão de certo por aqui. Pois tanto no plano interno como no das relações os estabelecimentos caldenses de saúde crescem e melhoram dia a dia enquanto o seu património permanece ainda capaz de comportar mais instalações de interesse público.

MUSEU JOSÉ MALHOA
Na edição do dia 20 a Gazeta publica ainda um texto do então diretor do Museu de José Malhoa, João L. Saavedra Machado, que nele traçava a história do Museu. A peça fazia parte do roteiro lançado por ocasião do 40º aniversário daquele espaço.
“Este museu, dedicado ao grande pintor português José Malhoa (1855-1933), natural desta cidade das Caldas da Rainha, foi pela primeira vez instalado na «Casa dos Barcos», situada junto ao Iago do Jardim de D. Carlos I. Criado em 1933 pelo Ministro da Instrução Pública, Prof. Doutor Gustavo Cordeiro Ramos, o Museu de José Malhoa foi ali solenemente inaugurado em 28 de Abril de 1934, coroando de êxito a actividade exemplar que, desde 1927, António Montês vinha desenvolvendo para fundar um museu nesta cidade, sua terra natal. O entusiasmo do fundador e a dedicação de beneméritos como José Filipe Rodrigues, Agostinho Fernandes. José de Sousa, Luis Pinto. D. Maria José Malhoa e Silva, D. Júlia Adelaide Paramos Montês e outros, contribuiram para o extraordinário e valioso acréscimo das suas colecções. Em 1939 iniciou-se, segundo projecto dos arquitectos Paulino Montês e Eugénio Correia, a construção de um edifício moderno que viria a ser a nova sede do Museu Provincial de José Malhoa. Este edifício, por ocasião das comemorações do Centenário da Fundação e Restauração de Portugal, tinha sido mandado construir pela Junta de Província da Estremadura, tendo como presidente o Eng. António Rodrigues dos Santos Pedroso e como vogal do pelouro da Cultura D. José de Siqueira. Em 1940, António Montês foi nomeado director do Museu que ficou pertencendo à referida Junta e as novas instalações foram inauguradas em 11 de Agosto do mesmo ano pelo Subsecretário de Estado das Obras Públicas, Eng. Roberto de Espregueira Mendes. Sucederam-se novas incorporações, mercê da generosidade de artistas e beneméritos como João C. Pereira de Sampaio, Henrique Franco, Dr. António Luiz Gomes, Simões de Almeida Sob., Joaquim Lopes, Eugénio Correia, Raul Xavier. Dr. Alvaro Lapa e tantos outros nomes que figuram nas salas de exposição. Em 1950 e 1955 os Ministros das Obras Públicas. Eng.os José Frederico Ulrich e Eduardo de Arantes e Oliveira, ampliaram o Museu. Com efeito. foram inauguradas novas salas onde se expõem colecções oferecidas ou deposita-das, das obras de arte de Leopoldo de Almeida, de Fernando Mardel, de Severo Portela Júnior, de Eduardo Malta, de Henrique Medina e da família de Roque Gameiro. Muitos outros, como constam das legendas, continuaram a enriquecer o Museu de José Malhoa. Em 1960, pelo decreto-lei n.º 42.938 de 22 de Abril, firmado pelo Ministro da Educação Nacional, Prof. Eng.o Francisco de Paula Leite Pinto, devido à extinção da Junta de Província da Estremadura, o Museu de José Malhoa foi transferido para o Ministério da Educação Nacional e hoje está na dependência técnica e administrativa da Direcção-Geral dos Assuntos Culturais. De então para cá novas aquisições foram feitas. Continua a desempenhar a sua missão cultural. Nele funciona um Serviço Educativo, uma biblioteca doada em 1957 pela Fundação Calouste Gulbenkian cujo acervo se pretende aumentar, actualizar e organizar, realizam-se exposições temporárias, promovem-se conferências e outras manifestações culturais. Em 1972/73 reconstruiu-se todo o claustro, renovou-se totalmente a sua rede eléctrica, ensaiou-se um novo sistema de iluminação das salas que oportunamente vai ser aplicado e providenciaram-se outros beneficios. Também se adquiriram novas obras de arte, algumas já em exposição. Possui ainda este Museu uma
la anexa onde está patente uma secção de cerâmica digna de ser visitada. Este Roteiro do Museu de José Malhoa é o primeiro de uma nova série de publicações. Até à data sairam do prelo cinco edições do então chamado Catálogo do Museu (1960, 1961, 1963, 1964 e 1965) e um Roteiro (1962). Este novo folheto apresenta, de um modo geral, a ordenação das obras de arte expostas tal como a encontrámos quando assumimos a Direcção do Museu. Ao presente Roteiro sempre que haja oportunidade, novas edições se hão-de seguir”, referia. Atualmente o Museu está a celebrar o seu 90º aniversário.

O GRADEAMENTO DA IGREJA

Nesta semana a Gazeta noticiava que estava finalmente colocado o gradeamento da Igreja de N. Sra. Pópulo. “Podemos finalmente noticiar o termo da fase derradeira das obras que restituíram à sua primitiva feição tanto quanto se supõe o templo erigido a Nossa Senhora do Pópulo, coevo da fundação do burgo. A demolição dos acrescentamentos recentes que envolviam o edifício medieval e do anexo que parcialmente o encobria determinou modificação de conjunto e da escadaria de acesso. Isso motivou se alterasse a vedação com colocação de cantaria de suporte. O gradeamento respectivo foi retirado e, decorridos vários anos, acaba de ser colocado novo gradeamento, que se apresenta já pintado. Eis, enfim, restabelecida parte do conjunto termal”.

A RECUSA DO TÁXI
Outra história curiosa é partilhada por um leitor que conta que “na última vez em que fui aos Arneiros gastei quase 4 contos na reparação do carro. Foi esta a resposta de um motorista de táxi ao justificar a recusa de transportar um passageiro que se pretendia deslocar àquela zona da cidade. Quanto a nós a negativa é infundada. Primeiro porque não pode um motorista abster-se de prestar um serviço para desempenhar o qual lhe foi outorgada uma concessão pelo Estado. Segundo porque o estado dos pavimentos das artérias dos Arneiros permite que nelas circulem veículos sem grande risco, desde que conduzidos com cautela. É preciso que casos como o que referimos e nos foi transmitido por leitor se não repitam, sob pena de haver que fazer intervir autoridade competente”, lê-se nas páginas do jornal.

Trazemos ainda um curioso anúncio: é que no dia de saída do jornal foram inauguradas as novas instalações da Fiat nas Caldas, num edifício que, depois de anos ao abandono foi recentemente adquirido e recuperado, sendo atualmente um restaurante asiático, perto do Centro de Saúde. A empresa comunicou a abertura na Gazeta: “mudamos hoje. Esperamos por si. Dia 22”, lê-se no anúncio.

Para a semana trazemos mais artigos escritos a chumbo, com a edição que começa a contar a história do 25 de abril de 1974. Até lá.