Escrito a Chumbo 2

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9 e 12 de janeiro de 1974 – A Gazeta das Caldas era, nesta fase, um pequeno jornal regional com duas edições por semana.
Na edição de 9 de janeiro o destaque vai para um artigo na primeira página intitulado de “Desde o dia 1: não há assistência médica gratuita a doentes pobres”. A Gazeta explica então que “disposições legais recentemente promulgadas entraram em vigor no dia 1 e determinaram que as câmaras municipais deixem de participar na despesa com assistência a doentes de poucos ou nenhuns recursos” e lembra que “até aqui as pessoas de mui parcos recursos tinham o apoio dos corpos administrativos dos respectivos concelhos, sendo cuidadas na saúde sem dispendio algum ou com pequeno encargo”, mas “agora o auxílio cessou de maneira total”.
No jornal refere-se que “as novas leis supõem, naturalmente, que a população do país está, toda ela, a coberta da Previdência”, mas “na verdade isso não acontece. O que sucede é que, por um lado, os esquemas de segurança social tendem a abranger os portugueses sem descriminação – mas não os abrangem ainda – e por outro, os esquemas da assistência deixaram já de ser suporte para todo e qualquer caso de apoio sanitário”, pelo que “o desfasamento é óbvio. E dá ensejo a situações gravíssimas: indivíduos até aqui amparados pelas câmaras ficam ao desamparo por falta de organizações que, para já, os apoiem”.
A Gazeta, apesar de alinhada com o regime vigente, chama “a atenção para a necessidade de se providenciar convenientemente, tendo em conta aquele desfasamento”. O acesso aos cuidados de saúde era, há 50 anos como hoje, uma das principais preocupações das populações.
Por outro lado, a industrialização continuava na ordem do dia nas Caldas, quando era anunciado que “4 novas unidades fabris poderão ficar instaladas dentro de alguns anos nas Caldas”. A expetativa era grande e enumerava-se até os quatro interessados: “uma de capital português, situa-se no ramo da Cerâmica, é genuinamente lusitana e parece ter já escolhido como local das suas futuras instalações terrenos adjacentes à estrada para Tornada. Outra empresa é alemã e visa produzir recipientes dos que são usados na Alemanha para, nos recintos típicos de Frankfort, e outras cidades dêsse país, consumir a cerveja; prevê-se venha a adquirir terreno do antigo pinhal municipal. Uma terceira empresa é suíça e está empenhada no fabrico de embalagens ou mini-contentores a partir de instalações a radicar também em tal terreno. A parte substancial deste parece, porem, ser pretendida por uma associada, a constituir, da Maruman, sociedade de projecção mundial com sede em Tóquio”.
A Gazeta conta ainda que representantes da empresa japonesa haviam visitado a cidade.
Nesta época faltava o combustível! por causa da guerra do Médio Oriente e do boicote dos países árabes a Portugal por causa do problema colonial. Em 1974 temos a “cidade abandonada por forasteiros por causa da falta de gasolina”, num cenário de “desolação e silêncio em fins de semana”. É que, se “antes essas eram ocasiões de intenso movimento de transeuntes nas ruas da cidade e de muito tráfego nas estradas adjacentes”, nesta fase sentia-se que “as excursões de autocarro, de passagem ou atraídas pelo futebol, quase desapareceram e estão reduzidos a um mínimo os automóveis que, vindos de fora, trazem forasteiros à urbe.
Por seu lado, os caldenses “privaram-se de passear em fins de semana ou escolheram itinerários com pequenas distâncias” e “tudo isto é efeito da falta de gasolina”. A Gazeta alerta que “o prejuízo começa a ser grave para a economia local que, em muitos sectores, depende do turismo interno” e que “há mesmo zonas da cidade em que a ausência de ruido e movimento, sobretudo aos domingos, é origem de desolação e confrangimento”. O artigo termina a questionar: “até quando durará a crise, que é mundial?”.
Ficamos também a saber que no dia 9 de dezembro de 1973 um professor e um diretor da Escola Primária Masculina nº3 de Caldas da Rainha foram à reunião de Câmara queixar-se da “falta de limpeza daquele estabelecimento escolar, por vacatura do cargo de auxiliar de limpeza desde a saída da anterior, afirmando que deixarão de dar aulas se a Câmara não tomar providências”.
Na mesma reunião trata-se de um velho diferendo entre a autarquia e a Caixa Geral de Depósitos. A Câmara iria ceder um prédio municipal para ser uma agência em troca de terrenos para ampliar a Praça da República. Só que a Caixa não concordava com a avaliação de 2500 escudos por metro quadrado para os terrenos e de 5000 escudos por metro quadrado para o edifício. A proposta era de 2600 escudos para ambos os negócios, mas a autarquia refutava: “enquanto a Caixa cede terreno que só por isso vale, a Câmara cede edifício que como tal tem que ser considerado, ainda que o seu destino venha a ser a demolição”.
É também nesta edição que sabemos que “um antigo presidente da Câmara é chamado a colaborar com o município”. Trata-se de Augusto Saudade e Silva, que “havendo deixado a magistratura por aposentação que, como noticiámos, pediu por motivos de saúde, o Juiz-Desembargador Dr. Saudade e Silva é agora chamado a prestar ao concelho uma colaboração que se torna viável por se encontrar na disponibilidade”. A Gazeta explica que foi nomeado “presidente do conselho constituído para a atribuição de distinções honoríficas e presidente do júri instituído para a concessão dos prémios Luiz Teixeira” e que “acedeu a desempenhar gratuitamente ambas as funções”.
Na primeira página de 12 de janeiro um dos temas que salta à vista é a carência da energia na Foz do Arelho. Nesta fase já havia sido aberto o concurso para reforço da rede de abastecimento de energia eléctrica da Foz e o prazo para apresentação de propostas terminaria dentro de dias, pelo que “é de crer que, até ao verão fiquem resolvidos os problemas da Foz que se viu reduzida, por incúria camarária, a não dispor de televisão e a contar com frigoríficos para aquecer em vez de refrigerar…”, refere o jornal.

 

 

Ficamos a saber também que a primeira “medalha de bons serviços” da Câmara, que tinha três classes (dourada, prateada e bronzeada) foi entregue a Marcello Caetano, numa reunião de Câmara em que ficou definida a localização da Escola Preparatória. Nesta semana já se preparava o Carnaval e antecipava-se o Santo Antão, em Óbidos, que “pelo pitoresco do local e pelo elevado número de pessoas que lá se reunem até turistas estrangeiros se vêem por lá – a romaria de Santo Antão, no dia 17 de Janeiro de cada ano, em Óbidos, bem pode classificar-se a mais curiosa e engraçada festa da região”.

 

 

 

Também é nesta semana que é anunciado que o “subsídio para o pavilhão dos desportos foi concedido através da Casa do Povo”. No jornal explica-se que “o subsídio de mil contos que, juntamente com o de dois mil e quinhentos a receber pela Câmara do Ministério da Educação, se destina ao pavilhão gimno-desportivo da cidade, é concedido à Casa do Povo” e que “este organismo corporativo deverá ajustar com o Município a aplicação da verba e acordar com êle sobre a utilização do futuro edifício pelos respectivos sócios”.
Encontramos ainda uma curiosa abordagem: “o ano visto em prognóstico puramente caldense”, em que “após a retrospectiva de 1973 há dias consignada nestas colunas, apresentamos hoje aos leitores uma antevisão semi-optimista do ano corrente”, prevendo o que poderia acontecer no concelho nesse ano, “para bem de todos nós”.
A lista começa com a “supressão da indisciplina que lavra entre os donos de garagens e estações de serviço que abrem e encerram os estabelecimentos quando querem e lhes apetece” e segue com a “beneficiação do regime de transito na cidade; conclusão da Estrada do Litoral a ligar a Foz do Arelho a Salir do Porto; passadas largas na electrificação do Concelho; recomeço da obra de prolongamento da praça da República, a substituir pela Avenida da Rainha Dona Leonor; arranjo urbanístico do Largo de Conde de Fontalva; conclusão das estradas municipais de Alvorninha e da Serra do Bouro; pavimentação de arruamentos na Foz do Arelho; começo de construção da piscina e do pavilhão gimno-desportivo; abertura ao uso de professores e de alunos dos edifícios do Ensino Primário em construção na cidade; construção do caminho municipal da Moita (Alvorninha); cobertura total da Previdência para a população do concelho; fiscalização capaz de preços dos géneros nos mercados e estabelecimentos comerciais; conclusão da obra de saneamento que está em curso; colocação à disposição dos que trabalham das novas habitações a formar o chamado «bairro da Previdência»; implantação de disciplina na toponímia da cidade e das principais localidades do concelho, com números de polícia nas portas dos prédios que os não tem (a começar na praça do Marechal Carmona!) e com nomes em ruas numeradas e anónimas; intensificação das actividades culturais através das reformas e reestruturações de organismos, associações e Comissões adormecidas ou deformadas; reorganização total do Centro Hospitalar em termos de o tornar apto a assegurar apoio integral à população da zona, na ordem de completa assistência na doença e consentir o pleno exercício da função de proprietário de parte substancial do património citadino e a bem do concelho”. Só que o próprio artigo faz uma curiosa reflexão: “quando aqui chegámos, fizemos saber a nós próprios o erro que cometíamos. Em vez de prognóstico, à laia de totobola com resultados de desafios, o que fizemos foi apenas seriar sonhos que desejaríamos ver realizados”.
É que “entusiasmados com a posição do Sporting na tabela das classificações imaginámo-lo já campeão nacional. O leitor que nos desculpe.”, termina.

No futebol não entraremos, mas é curioso ver que muitos dos “sonhos” para 1974 são, ainda hoje, isso mesmo: sonhos!

Para a semana trazemos mais artigos escritos a chumbo!