Os perto de 80 jovens que frequentam a residência universitária Rafael Bordalo Pinheiro protestam contra o seu encerramento e falta de apoio. Questionado pela Gazeta, o IPL confirma o fecho, para obras e garante que está a tentar encontrar alternativas para o alojamento dos jovens
“Ação social não existe em Portugal”, “Estou farto, estou farto, só quero ter um quarto”ou “temos direito à residência, da nossa parte não há cedência”. Estes foram alguns dos gritos de ordem proferidos por cerca de meia centena de estudantes da ESAD.CR, que se juntaram no fim da tarde de 22 de novembro, em protesto pelo encerramento da residência de estudantes Rafael Bordalo Pinheiro, que alberga perto de 80 alunos da escola de artes caldense.
Os jovens protestavam pelo fecho previsto para janeiro, a meio do ano letivo, e sem lhes ter sido dada uma explicação, ou data para a sua reabertura. Também não lhes foram “dadas garantias da componente de alojamento a que temos direito”, denunciou Violeta Gregório, natural do Porto e a estudar no primeiro ano da licenciatura em Programação e Produção Cultural na ESAD.CR. E, alugar um quarto nas Caldas, “é impossível para um estudante que não tem rendimentos”, acrescentou a jovem, fazendo notar que alguns dos alunos pensam em congelar a matrícula e regressar no próximo ano, após as obras realizadas.
Estes alunos procuraram esclarecimentos junto dos Serviços de Ação Social da faculdade, mas não conseguiram saber datas ou se virão a ter complemento ao alojamento. “Um ambiente de residência é quase comunitário, é algo que também pode ser benéfico para a experiência académica de um estudante deslocado”, sustenta Violeta Gregório. A procurar casa desde setembro, a jovem estudante fala das dificuldades, sobretudo porque se sair antes da residência fechar perde o direito ao complemento de alojamento e também não encontra um senhorio disposto a guardar-lhe um quarto sem cobrar mensalidade.
Os jovens estão cientes da necessidade de intervenção mas questionam se as obras não poderiam ser feitas durante as férias, “e não a meio do ano escolar, numa altura em que muitos alunos estão em avaliações e nem vão a casa”. A outra residência de estudantes, localizada no Avenal, também está cheia e, de acordo com os estudantes, apresenta vários problemas, nomeadamente de infiltrações, ou falta de água na cozinha.
André Marques, da JCP, também marcou presença na manifestação e saudou a luta dos estudantes caldenses, lembrando os custos elevados de um quarto e, muitas das vezes, sem que o senhorio faça contrato do arrendamento.
O jovem dirigente comunista lembrou que em 2018 foi prometido para a região das Caldas uma nova residência de estudantes que ainda “não foi começada a ser construída” e que agora os estudantes são confrontados com o fecho da residência Rafael Bordalo Pinheiro e “com o fecho da outra residência [no Avenal] no próximo ano”. Para André Marques a luta dos estudantes caldenses é demonstrativa de que este não é o caminho que querem para o ensino superior e que estão empenhados na transformação do problema do alojamento no país. “Só um em cada 10 estudantes deslocados tem lugar numa residência pública”, disse, defendendo que esta é uma situação que tem de ser “corrigida no imediato”. Defendeu o cumprimento do Plano Nacional do Alojamento do Ensino Superior, através da reabilitação de espaços públicos que não estejam a ser utilizados e apoiando os estudantes deslocados, de forma a que cada estudante deslocado corresponda também uma cama numa residência pública.
André Marques informou ainda os estudantes em protesto de que naquele mesmo dia os deputados do PCP na Assembleia da República dirigiram uma pergunta ao governo sobre as medidas que vão ser tomadas e quando vão dizer aos estudantes a data de fecho da residência.
Inês Reis, aluna de mestrado de Design de Produto na ESAD, partilhou a sua experiência com os colegas. Natural de Torres Vedras, começou por residir nas Caldas, apesar de ter mudado três vezes de casa por melhores condições e por melhores preços. Atualmente é trabalhadora estudante e desistiu de ter casa arrendada, devido ao custo, e optando por fazer diariamente a viagem entre Torres Vedras e as Caldas, pagando combustíveis e portagens.
Durante a ação de protesto, os jovens aprovaram o teor de um abaixo assinado, a enviar ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e aos Serviços da Ação Social do IPL, onde exigem “um calendário específico das datas de encerramento e abertura da residência a ser fornecido com a máxima urgência a todos os residentes; o aumento do valor dos complementos de alojamento e deslocação e o alargamento a todos os estudantes”. Querem também ver cumprido o Plano Nacional de Alojamento para o Ensino Superior (PNAES) e as suas metas, nomeadamente com a construção de uma nova residência de estudantes nas Caldas.
Associação de Estudantes solidária com colegas
A Associação de Estudantes (AE) conhece a situação e também se envolveu, na tentativa de ajudar os colegas. “Esta última ação desenvolveu-se muito rápido, quase de um dia para o outro, pelo que a AE, além de marcar presença, entrou também como meio de comunicar e mobilizar mais alunos”, explica a sua direção, acrescentando que estão já a trabalhar em conjunto para desenvolver os próximos passos neste percurso. “Este problema destaca uma crise de habitação existente há muito tempo, prejudicando estudantes da ESAD e bloqueando o acesso ao ensino de muitas pessoas, devido à falta de fiscalização por parte da Câmara das Caldas, escassez de alojamento jovem, falta de limitação das rendas, entre outros”, refere à Gazeta das Caldas.
Embora não tenham números precisos, a AE revela que, aproximadamente, 90% dos estudantes da ESAD.CR são deslocados. Estes jovens, para além de estarem longe de casa, muitos deles pela primeira vez, por vezes são “aproveitados por senhorios abusivos com condições desumanas, preços não regulados e contratos inexistentes, se é que arranjam casa de todo”, denunciam. A Associação de Estudantes recebe “quase diariamente” pedidos de ajuda e queixas relacionadas com a dificuldade em encontrar alojamento nas Caldas. “Os preços exorbitantes e a escassez de opções são as principais razões de preocupação”, refere a direção, fazendo notar que “até mesmo os apoios aos bolseiros muitas vezes não são suficientes para cobrir as despesas de arrendamento”. Além disso, os estudantes que não se qualificam para a bolsa “têm que optar entre comer, estudar ou pagar renda, que têm que lidar com senhorios que entram em casa e abusam dos seus direitos, que vivem em casas em decadência e não têm a proteção de um contrato, com rendas não controladas que sobem sem critério com a condição de despejo”, denuncia a AE. Uma situação que, consideram, ainda vai piorar com a procura de alojamento por parte dos jovens que saem da residência. “Não há quartos para estas pessoas. E os que há vão subir no preço e descer na acomodabilidade”, alertam.
Relativamente à localização das residências de estudantes, no Avenal e na Rua Vitorino Fróis, reconhecem que pode afetar a participação dos estudantes na vida da cidade. “A desorientação inicial pode restringí-los às áreas próximas e ao ambiente da residência, evitando emergir-se no espaço social e cultural das Caldas”, refere a AE, adiantando que a sensação de insegurança ao deslocar-se à noite pode também ser um obstáculo. “Seria benéfico explorar alternativas que proporcionem uma experiência mais integrada aos estudantes residentes”, considera. ■
Residência fecha portas a 1 de fevereiro e reabre seis meses depois
A residência de estudantes encerra portas a partir 1 de fevereiro e as obras deverão ter a duração de seis meses. De acordo com o Instituto Politécnico de Leiria (IPL), o edifício será intervencionado para requalificação ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), visando a melhoria das condições de habitabilidade, conforto e segurança para os estudantes. Serão efetuadas obras de requalificação dos quartos e criação de zonas de maior conforto das áreas comuns, assim como intervenções para melhorar a eficiência energética do edifício.
De acordo com o IPL moram atualmente na Residência Rafael Bordalo Pinheiro 72 estudantes, sendo que esta tem uma capacidade máxima de 115 camas. Esta entidade encontra-se a desenvolver “várias diligências no sentido de encontrar alternativas de alojamento para os estudantes que atualmente se encontram na referida residência”, especificando que os estudantes realojados no segundo semestre “poderão auferir de um complemento para alojamento para fazer face às despesas extraordinárias que poderão ter com o alojamento particular”.
Nas Caldas existe também a residência de estudantes Mestre António Duarte, localizada no Avenal e que tem atualmente uma ocupação de 95 estudantes. Também esta irá ser alvo de obras de requalificação, previstas terem início em março de 2025.
Em maio do próximo ano deverá começar a obra da nova residência de estudantes (e com conclusão prevista para fevereiro de 2025), com uma capacidade para 68 camas. ■