A falta de medicamentos tem-se vindo a sentir também na região, mas não há, ao que indicam os farmacêuticos, motivo para alarmismos. A guerra, com constrangimentos na logística e deslocalização de fábricas, tem afetado stocks
A falta de medicamentos nas farmácias é um problema que preocupa toda a sociedade. Segundo Paulo Coutinho, o diretor técnico da Farmácia Rosa, as autoridades nacionais e europeias estão a tentar arranjar estratégias para resolver o problema que se estende a vários países.
Já houve falhas em relação à amoxicilina pediátrica (suspensões para crianças para tratar as infeções respiratórias) sobretudo no início do inverno. Este medicamento é feito em fábricas que se dedicam em exclusivo à produção de antibióticos e “nós dependemos da importação”.
Também já houve falhas em medicamentos como as benzodiazepinas, outros ligados à diabetes, assim como um anti-parkinsónico e um outro que se destinava a controlar a tensão arterial.
“As substâncias mais antigas que têm preços demasiado baixos, deixaram de ser produzidas pois não dão lucro a quem as produz”, explicou o diretor. Depois há escassez na matéria prima, que tanto pode ser por haver falta da substância ativa (o que vai fazer o efeito) como dos excipientes, ou seja, outros componentes que fazem parte do medicamento. Basta pensar que “o alumínio usado para fazer os blisters que “levam” os comprimidos era produzido na Rússia”, disse, acrescentando ainda que o amido é outro componente de medicamentos e também teve quebras por causa da crise dos cereais da Ucrânia.
“Há 20 anos, a Europa era autosuficiente na produção de medicamentos , agora com a deslocalização, principalmente para a Ásia, a sua produção não chega a uma terça parte do que é necessário”, disse Paulo Coutinho, referindo ainda que há casos em que é apenas uma empresa a produzir um medicamento necessário ao mercado global. Logo, quando esta sofre alguma dificuldade “afeta tudo e todos”.
Governo já lançou medidas
O governo está atento ao problema e uma das medidas que já lançou foi a revisão dos preços. Em breve os medicamentos abaixo dos 10 euros terão um aumento de 5%. Entre os 10 e os 15 o aumento será de 2% e acima dos 15 euros vão ser revistos mediante indicações do chamado grupo de referência, relacionados com o mercado europeu.
“Vivemos num mercado livre e se eu posso vender para qualquer país da UE, venderei para aqueles onde os preços dos medicamentos são mais elevados e que me dão uma maior margem de lucro”, disse o farmacêutico que ainda referiu uma outra dificuldade: a de produção por aumento da procura. “Quando um medicamento inovador entra no mercado, os médicos querem sempre recomendar o que é melhor para os seus pacientes. Tem acontecido com alguns medicamentos para a diabetes”.
E como a procura é exponencial, os próprios laboratórios deixam de ter capacidade de produção, criando assim escassez”, disse o diretor.
Apesar deste quadro difícil, as farmácias estão a tentar conseguir obter o máximo possível de medicamentos para os seus clientes. Paulo Coutinho conta que são alocados colaboradores que estão ao telefone junto dos armazenistas, para que não faltem medicamentos aos seus clientes. Explica que esta atitude se prende com o próprio ADN dos farmacêuticos, que também têm um código deontológico a cumprir.
Há ainda medidas do governo para evitar o açambarcamento por parte dos clientes por forma a que “a que todas pessoas tenham acesso sobretudo aqueles que precisam dos medicamentos para viver”, referiu o responsável.
Paulo Coutinho contou que as farmácias do grupo Correia Rosa – Rosa, Caldense e de Sta. Catarina – tentam “fazer a ponte e ligar ao médico da pessoa para ver se ele sugere outro medicamento similar ao que temos em falta”.
Também há trabalho conjunto entre farmácias quando alguma tem e outra não, fazem cedências em nome da saúde dos pacientes. Na altura em que falharam as suspensões pediátricas “avisámos os médicos que estavam de serviço no hospital, tendo sido assim possível, em conjunto, solucionar ao problema”.
As próprias entidades europeias já estão a movimentar-se para resolver este problema que atinge vários países da Europa.
“Se os alemães têm problemas de abastecimento como é que nós Portugal não iríamos ter também?”, referiu Paulo Coutinho que crê que a situação vai melhorar, pois as próprias autoridades nacionais, como o Infarmed, já estão a falar em criar stocks de reserva de alguns medicamentos.
“É uma luta diária”, referiu o diretor técnico que, com a sua equipa, tenta conseguir junto dos armazenistas os pedidos dos seus clientes. Conhecem vários, sabem as suas necessidades e “tentamos antecipar a procura de forma a que nada falhe”, rematou o responsável.
Nas Gaeiras também se sente
A falta de medicamentos também se tem feito sentir nas Gaeiras (Óbidos), onde o diretor técnico da Farmácia Senhora da Ajuda, José Ezequiel, explica que as principais faltas são relacionadas com os anti-diabéticos (injeções), uma situação que já se verifica desde o verão do último ano.
Se, inicialmente, a falta deste tipo de medicamentos foi atribuída ao facto de passarem a ser muito procurados por doentes que sofrem de obesidade, pela sua eficácia no controlo do peso, atualmente, José Ezequiel crê que os constragimentos estarão relacionados com dificuldades logísticas que advém do contexto de guerra que ocorre na Ucrânia.
O conflito bélico levou mesmo, exemplifica José Ezequiel, certas farmacêuticas a serem obrigadas a deslocalizar as suas fábricas em solo ucraniano para países vizinhos, como a Polónia, levando também a situações de rutura noutros medicamentos. “Tudo isto acumulado leva a situações de rutura”, esclarece.
Na farmácia das Gaeiras, José Ezequiel tem uma lista de espera para este tipo de medicamentos (anti-diabéticos) de cerca de 50 pessoas. “Só estou a receber 10% das necessidades mensais”, explica, esclarecendo que tem conseguido os medicamentos para cerca de seis pessoas.
“É uma pena verificar-se esta situação, porque são medicamentos que por serem novos e muito úteis e eficazes no controlo da diabetes e também no controlo do peso de pessoas que sofrem de diabetes ou de obesidade”, lamenta o diretor técnico da farmácia das Gaeiras, acrescentando que “não se percebe o porquê de não existirem estes medicamentos que ajudam muito a qualidade de vida dos doentes”. José Ezequiel nota também que “esta é uma situação que se tem vindo a agravar”, Admite que “pensava que se iria normalizar neste primeiro trimestre do ano, mas desde o verão do ano passado que o problema se tem vindo sempre a agravar”. ■