O grande destaque desta edição da Frutos foi mesmo a preparação para receber todos, com um evento pensado para ser inclusivo. A fruta continua a ter pouco destaque na opinião de muitos, mas, segundo a organização, a Feira atraiu este ano cerca de 80 mil pessoas (para os concertos foram 27 mil)
“Eu sinto o movimento e a vibração, mas assistir a um concerto com intérprete faz toda a diferença, porque assim percebo as letras”, explica-nos, em Língua Gestual Portuguesa, Miguel Silva, que veio do Porto. Miguel é surdo, mas isso nunca foi impeditivo de gostar de música. Veio à Feira dos Frutos com a namorada, Jéssica Silva, uma caldense, que também é surda e que teve uma experiência laboral na Gazeta das Caldas. “Nós estamos a ouvir com os olhos e, assim, com intérprete ao vivo, conseguimos ouvir tudo”, salienta.
Jéssica conta-nos que “sentia o coração a saltar” e que “foi a primeira vez que fui a um festival com os concertos traduzidos e acho muito bom”, afirma, notando que na próxima edição deve ser repensada a localização dos monitores, para que possam acompanhar.
Do Pó, no Bombarral, veio Paulo Santos, que frisa que “é muito bom o que está a acontecer aqui, sem interpretação não estaria aqui e hoje sinto-me incluído”. Também do Pó veio Maria Monteiro. “Gosto muito de música e de dançar e nunca tinha ido a um festival com concertos com interpretação ao vivo, mas é muito bom”.
As intérpretes, quatro, eram da empresa Hands Voice, que nasceu há dez anos numa aposta das sócias Sandra Faria e Teresa Figueiredo, que já eram intérpretes.
Evento foi mais inclusivo com concertos traduzidos em Língua Gestual Portuguesa e uma plataforma elevada para assistir aos concertos
Daí para cá têm trabalhado a fazer interpretação de Língua Gestual Portuguesa em televisão, teatros, visitas guiadas, leituras de histórias, assembleias, comícios e congressos políticos, em vídeos para as redes, entre outros. No fundo, trabalham com quem queira comunicar através da Língua Gestual Portuguesa. O grosso dos trabalhos acontece em Lisboa.
Na Frutos fizeram, por exemplo, a interpretação do concerto de Chico da Tina. “Foi muito interessante e um grande desafio, pela rapidez, pelo ritmo e pela envolvente, com as bóias e toda a confusão”, explicam. O trabalho das intérpretes começa antes do concerto, ao estudarem as letras dos artistas e prepararem os planos de filmagem. A iniciativa de um festival de música com esta preocupação não é inédita, mas também ainda não é comum, esclarecem, elogiando a organização por ouvir as pessoas para tentar perceber as reais necessidades. Para o ano, além de colocar os monitores ao lado do palco, falta ter tradução também dos concertos de abertura.
Acessibilidade em foco
A acessibilidade do recinto, no Parque D. Carlos I, foi outra das melhorias, com rampas e, especialmente, com a plataforma elevada, que permitia a pessoas com mobilidade reduzida apreciar o espetáculo à altura de um espectador que esteja de pé fora da plataforma.
É lá que encontramos Hélder Santos e a esposa, que vieram de Peniche. Hélder teve um acidente ao ser atropelado por um comboio, em 1991, que o deixou numa cadeira de rodas. “Até sou mais de estar em casa, mas a minha mulher gosta muito de festivais de música, então há uns anos começámos a procurar festas”, conta. O ano passado foram, por exemplo, a Peniche, Ferrel, Alcobaça e à Frutos. “Não sabíamos como funcionava, mas acabámos por vir dois dias, mas a minha companheira não podia ficar comigo em frente ao palco, então eu também não fiquei. Este ano decidi procurar pela Frutos e vi que havia o bilhete 1+1, que dava direito a entrada gratuita para o acompanhante. “Comprei, enviei o e-mail e viemos, mas qual não foi o meu espanto quando vi que tinha esta plataforma”, conta. “Fiquei muito agradado, temos casas de banho próximas, tivemos acompanhamento e amei que fizessem a tradução para Língua Gestual Portuguesa também”, afirma, acrescentando que “este foi o evento mais pensado e criado para ser inclusivo que tenho ido e quero dar os parabéns a quem o tornou possível, cinco estrelas”.
Concertos com 27 mil pessoas
A edição deste ano abriu com um dia memorável para os caldenses, com a atuação dos UBU e, depois, de Gomo. No segundo dia, a loucura com Chico da Tina e dos seus fãs e no terceiro uma noite mais familiar com Marisa Liz. Os Quatro e Meia trouxeram uma multidão e Fernando Daniel encerrou o certame. No balanço da Frutos, o presidente da Câmara, Vítor Marques, referiu que o evento recebeu 27 mil pessoas nos concertos e 80 mil na feira, que tinha 162 expositores (36 do setor agrícola, primário e transformados, dois de tratores, três de comércio agrícola, 22 institucionais, três espaços infantis, 16 de restauração, 35 de artesanato, oito de doçaria, cinco de vinhos e licores, entre outros). “É acima do ano passado, temos vindo a consolidar a feira”, analisou, afirmando que resolveram a maioria dos problemas sentidos no último ano. Salientou ainda as ações no âmbito do Selo Verde. “Queríamos ter um evento mais inclusivo”, disse. O orçamento da Frutos é de cerca de 250 mil euros. A bilheteira contribuiu com uma receita de aproximadamente 130 mil euros.