Aparentemente a crise já passou, o crescimento económico é uma realidade e o desemprego diminuiu. Mas… as famílias carenciadas despareceram e já não precisam de ajuda? Os dados do Centro de Emprego são optimistas, mas a realidade mostra que continua a ser necessária ajuda para muitas pessoas. Dívidas acumuladas, poucas qualificações e idade avançada, são algumas das características da maioria dos beneficiários das ajudas sociais que, apesar da retoma, não conseguem recuperar a autonomia pré-crise.
O desemprego está a atingir mínimos históricos na região e os sinais são de retoma económica, mas continuam a haver muitos pedidos de ajuda junto das instituições de solidariedade social. Aparentemente a crise já passou e algumas das pessoas que se viram em situações de carência começam a estabilizar a vida. Contudo, isso leva tempo. As dívidas acumuladas durante um período mais difícil têm que ser pagas e, mesmo tendo conseguido um emprego (por vezes apenas um part-time ou trabalho temporário), muitas pessoas não conseguem fazer face às despesas e continuam a precisar, por exemplo, de ir buscar as refeições aos centros de apoio.
Durante a crise aumentou o número de pessoas que necessitavam de ajuda. As falências das empresas em que trabalhavam levaram-nas ao desemprego. E a idade já avançada e as baixas qualificações contribuíram para a dificuldade em encontrar nova fonte de rendimento.
Muitos agregados familiares, com vidas ditas normais, viram-se em situações de dificuldade e incumprimento porque um dos cônjuges se viu desempregado. Outros, que já viviam no limiar da pobreza antes da crise, viram-se obrigados a pedir auxílio para sobreviver.
O perfil de quem pede ajuda é difícil de traçar. Cada caso é uma história. Há jovens casais com filhos bebés, mas também pais de família ou mães solteiras acima dos 50 anos. Há reformados, há deficientes, há sem-abrigo, há uma grande diversidade de pessoas que, em comum, têm as dificuldades e a imprescindível necessidade de obter ajuda social.
COZINHAR EM VEZ DE OBTER A REFEIÇÃO PREPARADA
A vereadora Maria da Conceição Pereira, responsável pela rede social das Caldas da Rainha, nota um ligeiro decréscimo dos pedidos de ajuda. “Não se nota que o encerramento das cantinas sociais tenha criado grandes dificuldades nas famílias”, disse a autarca, referindo-se ao encerramento da Cantina Social instalada no Centro de Apoio Social do Nadadouro. No final deste mês irá encerrar a da Associação de Solidariedade da Foz do Arelho e Fonte Santa – Centro Social da Serra do Bouro e, tanto esta como todas as outras – da Casa do Povo de A-dos-Francos, Santa Casa da Misericórdia das Caldas da Rainha e Associação de Solidariedade da Foz do Arelho – viram ser diminuídos o número de acordos estabelecidos por parte do Estado. Estas cantinas têm actualmente 48 acordos e as quatro distribuem 48 refeições, enquanto que em Janeiro do ano passado (ainda com a cantina social do Nadadouro a funcionar) havia 342 acordos e eram distribuídas 320 refeições diárias.
Estes acordos foram reduzidos por imposição da Segurança Social que passou para um novo paradigma nas ajudas sociais. Agora, em vez de ir buscar a comida já preparada, quem tem condições para cozinhar passou a receber um cabaz de alimentos e a confeccioná-los em casa. Uma forma de estimular a autonomia dos beneficiários.
Trata-se do Programa Operacional de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas, financiado por fundos comunitários. No concelho caldense a Santa Casa da Misericórdia é a entidade receptora e distribuidora dos cabazes com carne, peixe, legumes e outros produtos. Actualmente este apoio chega a 324 pessoas.
Também a Câmara distribuiu, nas Festas do 15 de Maio, cabazes a 154 agregados familiares que vivem dificuldades económicas. A autarca tem conhecimento que algumas das pessoas já conseguiram arranjar trabalho, mas que nesta fase inicial ainda estão a atravessar dificuldades, até porque têm dívidas ou encargos aos quais ainda não conseguem fazer face. A autarquia irá avaliar se, no futuro, será necessário continuar a ajudar estas pessoas, até porque o objectivo é que voltem a ser autónomas e a não precisar dos auxílios sociais. “É sinal que as pessoas conseguiram organizar a sua vida, encontrar uma forma de se valorizar e não estarem dependentes das instituições”, disse Maria da Conceição Pereira.
Há também o Fundo de Emergência Social da autarquia, que serve para colmatar as necessidades em situações concretas, como pagamento de uma renda em atraso, da água, electricidade ou gás.
Depois, existe uma franja da sociedade que, por razões diversas, como deficiências cognitivas ou falta de competências, precisa sempre de ser ajudada. A acção social da Câmara tenta dar respostas, mas nem sempre se revela uma tarefa fácil. A autarca dá o exemplo do que aconteceu com os sem abrigo que estão na cidade, em que os tentaram integrar, arranjando um sítio para trabalhar, ter formação e disponibilizando-se inclusivamente a pagar a casa e o transporte para o trabalho, mas estes acabaram por não comparecer.
“Sentimos que não é fácil porque há hábitos que estão muito enraizados e cumprir horários, gerir uma casa e fazer a sua higiene, é um trabalho muito complexo, que exige uma insistência e estamos a fazer esse trabalho”, explicou a autarca.
BANCO ALIMENTAR NOTA LIGEIRA REDUÇÃO
José Siqueira de Carvalho, presidente do Banco Alimentar do Oeste, disse à Gazeta das Caldas que se sente “uma ligeiríssima redução nos pedidos de ajuda, a uma média de 2% ou 3% que começou a sentir-se em 2017”. Pese embora, afirme, a retoma económica “ainda não tenha chegado aos mais carenciados”.
O Banco Alimentar apoia actualmente cerca de 10.500 pessoas de oito concelhos do Oeste, através de 64 instituições. No último ano foram distribuídas 596 toneladas de alimentos para ajudar 10.730 pessoas.
Os pedidos de ajuda foram subindo das 10.100 em 2013 até aos 10.900 em 2015. Em 2016 começou a redução, que se manteve em 2017, numa média a rondar as 100 pessoas por ano.
O dirigente realça que as Caldas e o Oeste estão na mesma situação que o resto do país, onde “não se nota grande diferença”.
Por sua vez, o provedor da Santa Casa da Misericórdia das Caldas da Rainha, José Lalanda Ribeiro, diz que tem a sensação de que “a retoma está a chegar às pessoas”, notando que “há menos pedidos de auxílio”.
A diminuição, explicou Lalanda Ribeiro, deve-se ao facto de várias pessoas “deixarem de precisar porque encontraram emprego com ajuda do Centro de Recursos Comunitário”, que alberga várias valências sociais da misericórdia caldense.
Apesar de constatar diminuições grandes, tanto ao nível da cantina, como na loja social, salienta que a situação se mantém muito complicada para os desempregados de longa duração e para os reformados.
REFOOD NÃO NOTA DIMINUIÇÃO
O ano passado a Refood serviu 25 mil refeições completas, utilizando cerca de 15 mil quilos de comida que seria desperdiçada. Um número que este ano não deverá ser muito diferente, segundo as contas de Rui Vieira, um dos responsáveis por este projeco. Actualmente o Refood apoia uma média diária de 35 famílias, num total de 109 beneficiários.
A Refood das Caldas, fez dois anos em inícios de Janeiro e faz entregas alimentares de segunda-feira a sábado. “Não tem decrescido o número de pessoas a pedir ajuda”, refere Rui Vieira, especificando que todas as semanas fazem entrevistas de admissão de beneficiários e aparece sempre uma a duas pessoas.
Ainda que os números do emprego tenham aumentado, este responsável destaca que há sempre pessoas que não se adaptam bem e os trabalhos são cada vez mais técnicos, o que se torna um obstáculo para quem tem pouca formação. Acresce ainda o facto dos trabalhos mais indiferenciados serem mal pagos e longe do local da residência. Por isso, o que as pessoas ganham não compensa face às despesas com a deslocação.
Relativamente a saídas por melhoria de vida, Rui Vieira estima que haja uma a cada dois meses.
O núcleo caldense possui cerca de uma centena de voluntários e têm inscrições abertas, em contínuo, para mais, pois precisam sempre de mais ajuda para conseguir recolher as sobras nos estabelecimentos comerciais e depois acondicioná-las para as entregar aos mais carenciados.
O APOIO DAS IGREJAS
Também na Conferência Vicentina da Sagrada Família e na própria Paróquia das Caldas (à qual a conferência pertence) não se nota redução nos pedidos de ajuda. “Não me recordo de um caso que tenha deixado de precisar de ajuda porque encontrou emprego”, disse a vicentina Suzana Gonçalves à Gazeta das Caldas, fazendo notar que por vezes algumas das pessoas encontram um trabalho temporário, mas que isso não é suficiente para prescindirem de ajuda social.
As oito mulheres da Conferência Vicentina distribuem mensalmente alimentos em cabazes com os produtos essenciais. Ajudam 46 famílias, num total de 77 adultos e oito crianças da freguesia de Santo Onofre.
O padre Joaquim Pedro corrobora a ideia de que os pedidos de ajuda não têm diminuído. “Na paróquia aparece muita gente a pedir, ou porque não tem trabalho, ou porque precisa de auxílio para pagar uma renda, uma receita de medicamentos ou comida”, disse o pároco.
Na Igreja Assembleia de Deus Pentecostal, que tem um projecto chamado Com Paixão que faz recolha de alimentos e donativos para os carenciados, nota-se uma ligeira de redução dos pedidos de ajuda.
Raquel Branco, responsável pela área social desta Igreja, explicou que se notam “ligeiras melhorias, com menos gente a procurar ajuda e com menos situações pontuais a aparecerem”.
O projecto, lançado em Dezembro de 2017, tem vindo a notar reduções nos pedidos na ordem dos 2% a 3% ao mês. Ainda assim, actualmente os voluntários ajudam regularmente 14 famílias.
“O factor vergonha continua a sentir-se”, alertou Raquel Branco, referindo-se à pobreza envergonhada, os casos de pessoas que, apesar das dificuldades por que estão a passar, não pedem ajuda.
DÍVIDAS ATRASAM MELHORIA DE VIDA
O aumento de emprego na região levou a que algumas pessoas conseguissem melhorar a sua vida no concelho de Óbidos. O diácono Raul Penha, responsável pelo grupo de voluntários Guias de S. Lourenço, explicou à Gazeta das Caldas que no último ano e meio terão deixado de apoiar cerca de 20 agregados familiares.
Actualmente continuam a prestar apoio a mais de 90 famílias, num total de 230 pessoas. Algumas melhoraram a sua situação, conseguindo até emprego, mas têm dívidas acumuladas ou rendas em atraso em que, neste último caso, a instituição conseguiu, junto do senhorio, combinar que pagam a renda do mês e vão colmatando parte do atrasado.
Depois há uma franja de utentes que continua a precisar de ajuda porque não conseguem trabalhar, nomeadamente casos de portadores de fibromialgia ou doença bipolar. “Não há uma resposta a nível local para essas situações. As pessoas vivem desprotegidas e com dificuldades até ao nível da saúde, porque não têm dinheiro para comprar os medicamentos”, explicou Raul Penha.
Grande quebra na recolha do Banco Alimentar
No passado fim-de-semana realizou-se mais uma campanha de recolha de alimentos do Banco Alimentar Contra a Fome. No Oeste foram recolhidos cerca de 43,5 toneladas de alimentos, uma grande redução face à campanha de Junho de 2017, em que haviam sido recolhidas quase 54 toneladas. Uma quebra nos donativos de quase 20%.
Nas Caldas recolheram-se mais de 12 toneladas de alimentos, fazendo deste o concelho mais generoso. Em Alcobaça foram recolhidos 10,5 toneladas quilos, na Lourinhã 5,6 e em Peniche mais de 4,8 toneladas. Na Nazaré os cidadãos doaram 3,4 toneladas de alimentos, no Bombarral 3,3 toneladas em Óbidos perto de 1,8 e no Cadaval mais de 1,6 toneladas.
Em comunicado, o BAO refere que “os resultados obtidos, embora representando um decréscimo significativo relativamente aos obtidos na campanha homóloga do ano passado, devem-se essencialmente à generosidade de todos os que doaram bens alimentares, mas também e de forma relevante aos voluntários”.
Um dos motivos desta quebra pode prender-se com a ideia de que a crise já passou e de que não é preciso ajudar tanto agora. Mas é bom lembrar que ainda hoje o Banco Alimentar desta região ajuda mais de 10 mil pessoas.
Nos oito concelhos abrangidos pelo Banco Alimentar do Oeste participaram 1200 voluntários que recolheram os alimentos em 64 superfícies comerciais e em várias freguesias rurais, bem como na Praça da Fruta e no Mercado Santana.
A nível nacional a campanha envolve mais de 40 mil voluntários. I.V.
Desemprego no Oeste atinge novo mínimo histórico
Os índices do desemprego na região Oeste Norte voltaram a atingir novo mínimo histórico, com um total de 4.519 pessoas inscritas no Centro de Emprego com sede nas Caldas da Rainha, um número que é 21,6% mais baixo que o registado em Abril de 2017. Há 14 meses consecutivos que o número de inscritos neste centro de emprego diminui, segundo dados do IEFP.
No entanto, começam a surgir sinais de abrandamento, numa altura em que a taxa de desemprego na região se aproxima dos 5%, muito abaixo da meta do governo a nível nacional para este ano, que é de 7,6%.
Um desses sinais é que em relação a Março deste ano a descida foi de 0,9%. São menos 40 inscritos no conjunto dos concelhos das Caldas da Rainha, Alcobaça, Nazaré, Cadaval, Óbidos, Bombarral e Peniche do que em Março deste ano. E se nos primeiros quatro concelhos o número de desempregados baixou, nos três últimos houve uma inversão e o desemprego aumentou pelo segundo mês consecutivo.
Apesar deste abrandamento em Março e Abril, o mercado de trabalho continua em 2018 com um comportamento bastante positivo no Oeste Norte. O número de inscritos no centro de emprego era no final de Abril mais baixo em 12,6% que no final de 2017. Peniche e Alcobaça são os concelhos com maiores descidas do número de inscritos no centro de emprego desde o início deste ano, 20,7% e 16,8% respectivamente. Nas Caldas da Rainha o desemprego recuou 8% para 1.259 pessoas. Apenas em Óbidos o desemprego aumentou (13%) durante 2018, com mais 31 inscritos, num total de 269.
Em relação a Abril de 2017 o desemprego na região recuou mais de um quinto. Quase todos os concelhos contribuíram para este registo, com o Cadaval (46%) e Bombarral (32,1%) à cabeça. Nas Caldas da Rainha verificou-se uma descida de 23,4%. Óbidos foi o concelho que teve a descida menos acentuada, mesmo assim acima dos 20%. O único concelho onde o desemprego aumentou entre os meses de Abril de 2017 e 2018 foi o de Peniche, com uma subida de 6,8%. J.R.