O professor coordenador do Instituto Politécnico de Leiria (IPL), João Serra, jubilou-se e deu a sua última aula, no passado dia 9 de Maio, na ESAD. A cerimónia contou com a presença do antigo Presidente da República, Jorge Sampaio, que destacou a lealdade, perspicácia e capacidade de persuasão do seu assessor e chefe da Casa Civil, assim como o contributo que deixa no mundo das Artes, da Cultura e da Educação.
Na plateia, a escutá-lo, estavam várias gerações de estudantes, políticos, familiares e amigos.
No dia 9 de Março de 2006 quando se despediu do Presidente Jorge Sampaio à entrada do banquete oferecido pelo novo Presidente, em Queluz, João Serra entrou no carro, despiu o casaco, tirou a gravata e rumou até ao edifício 2 da ESAD para dar uma aula com o professor Mário Caeiro. Foi nesta escola que viria a desenvolver nestes últimos anos da sua carreira vários projectos, como a criação dos cursos de mestrado em Gestão Cultural e da licenciatura em Programação e Produção Cultural. Também é titular da Cátedra Unesco em Gestão das Artes e da Cultura, Cidades e Criatividade, atribuída ao IPL. Mas a ligação de João Serra à ESAD é anterior mesmo à sua formação, tendo sido um dos elementos da comissão instaladora da escola de artes caldense.
Na sua última aula, separada por quase meio século da primeira que deu, aos 21 anos em Castelo Branco, o professor falou sobre “O tempo das transições” e deu uma autêntica lição de História, que foi aplaudida de pé.
Momentos antes, o antigo Presidente da República, Jorge Sampaio, tinha destacado as múltiplas facetas do homenageado. O actual conselheiro de Estado começou por referir que a cerimónia só poderia ter lugar nas Caldas, capital do seu território, como João Serra refere na obra “Continuação”, que compila crónicas dos anos 50 e 60 publicadas na Gazeta das Caldas. Jorge Sampaio citou passagens do livro, onde aborda os equipamentos e serviços existentes nas Caldas daquela época, para lhe juntar mais um: a escola de arte e design, cuja criação se “deve muito à determinação e árduo trabalho do caldense João Serra”.
Jorge Sampaio disse não conhecer nenhum outro historiador “tão empenhado” em resgatar o passado para melhor reportar o presente e rasgar horizontes de renovação da vida social. Entende que para João Serra o património, a história e a cidadania constituem verdadeiras ferramentas de intervenção e inovação social, e lembrou a altura em que o historiador caldense foi convidado a integrar a equipa de Guimarães Capital Europeia da Cultura 2012, que acabou por dirigir. Deu ainda nota da forma “escrupulosa, criativa e meticulosa” com que concretizou a missão.
Não obstante a sua intensa actividade, João Serra é um homem “sem pressa, com vagar para ouvir os outros, olhar demoradamente a paisagem e os objectos”, disse Jorge Sampaio sobre o amigo que teve, primeiro como assessor para os assuntos políticos e parlamentares e depois como chefe da Casa Civil. Nele, o antigo Presidente da República encontrou o colaborador “seguro e leal a quem as tarefas mais melindrosas podiam ser delegadas e confiadas sem risco”. Mostrou-se admirador da robustez das suas análises políticas, da sua perspicácia e capacidade de persuasão e disse estar muito grato, pessoal e profissionalmente, pelo contributo que lhe deu.
Republicano de convicções fortes, João Serra trouxe para o exercício de magistério presidencial de Jorge Sampaio o seu extenso conhecimento da história contemporânea de Portugal. “Aprendi muito com ele e devo-lhe o aprofundamento e reforço das raízes republicanas que enformaram o meu olhar e apreciação presidenciais”, referiu o agora conselheiro de Estado.
Louvor público
Para o presidente do IPL, Rui Pedrosa, o professor João Serra será sempre um “amigo, um conselheiro especial e um senador de conhecimento”. Ambos partilharam o gabinete quando fizeram parte da equipa de Nuno Mangas na presidência do politécnico de Leiria e, mais recentemente, quando Rui Pedrosa decidiu candidatar-se teve em conta a opinião e apoio do amigo.
João dos Santos, director da ESAD, destacou o envolvimento do homenageado na criação dos cursos de mestrado em Gestão Cultural e da licenciatura em Produção e Programação Cultural, bem como da sua dedicação à cerâmica, traduzida em aulas, em projectos de investigação, na Molda ou na estratégia para tornar as Caldas uma Cidade Criativa da Unesco.
Pela sua dedicação à causa pública, competência, compromisso e sentido cívico, os dois responsáveis redigiram-lhe um voto de louvor. Para além disso, oferecem-lhe uma garrafa de vinho, e respectivo molde, criados pelo designer formado na ESAD Samuel Reis.
“Um professor jovem e próximo dos alunos”
Na cerimónia marcaram presença antigos ministros, como Luís Castro Mendes e Braga da Cruz, o conselheiro de Estado, Domingos Abrantes, deputados, presidentes de Câmara, alunos e ex-alunos.
O economista e antigo dirigente do BE, Francisco Louçã, teve João Serra como professor de História, em inícios da década de 70, na Escola Secundária Padre António Vieira. “Foi um professor que marcou muito pois era jovem e próximo dos alunos”, disse à Gazeta das Caldas. Francisco Louçã lembra que, na altura, “História era uma disciplina fascinante, dada por uma pessoa que gostava da temática e de envolver os alunos”, acrescentando que para os alunos foi uma grande surpresa pois não estavam habituados a ter professores assim.
O economista viria a encontrar o antigo professor mais tarde, quando João Serra foi chefe da Casa Civil de Jorge Sampaio. “É um amigo, marcou muito o princípio da minha formação”, disse Francisco Louçã.
Também presente estava Luís Moita, que foi professor de João Serra, no ano lectivo de 1961-1962, no antigo Externato Ramalho Ortigão. Foi o primeiro ano em que, saído do seminário, Luís Moita dava aulas e, nas Caldas, encontrou uma “geração jovem incrível”.
O agora professor catedrático recorda que as Caldas, na década de 60, tinha um ambiente muito aberto, moderno e quase cosmopolita. “Respirava-se um ambiente de cordialidade e de quase sensualidade na relação entre as pessoas, fiquei com uma memória agradável desta terra”, resume.
Luís Moita regressaria à cidade termal mais tarde, por motivos pessoais, mas também profissionais, para dar aulas de Sociologia no polo da Universidade Autónoma de Lisboa, que ali funcionou a partir de meados da década de 90.
Ferreira da Silva defendia que cerâmica das Caldas deveria “cortar” com herança bordaliana
“Enquanto a cerâmica caldense for bordaliana não se vai conseguir impor no panorama da cerâmica artística contemporânea”. Esta era uma das convicções de Ferreira da Silva (1928-2016) e com que partiu com bolsa da Gulbenkian em 1967 para Paris. Esta certeza foi reforçada ao contactar com a cerâmica de Picasso na capital francesa e levada à prática no seu trabalho até ao fim da sua vida. Estas são algumas das novidades reveladas no livro “Artista à procura da sua história: Luís Ferreira da Silva” de João Serra. Na sessão, participaram 80 pessoas, entre familiares, colegas e amigos daquele artista que faleceu há três anos.
Em 1967, com bolsa da Gulbenkian, Ferreira da Silva foi para Paris e com dois objectivos em mente: introduzir o grés artístico em Portugal, em substituição da faiança e assegurar o corte definitivo com a herança bordaliana. “É a primeira vez que isto é escrito de uma forma clara”, disse João Serra durante a apresentação do novo livro sobre o artista plástico. Estes objectivos podem ler-se nos relatórios que o autor escreveu para a Fundação Gulbenkian (agora desvendados) para obter bolsa e segundo o historiador, poderá ter tido influência do artista António Quadros e do escritor Luiz Pacheco. Ferreira da Silva vai mais longe e afirma que a cerâmica bordaliana “é um abastardamento da cerâmica de raiz popular”.
Como tal para o artista, se a cerâmica contemporânea portuguesa se quisesse afirmar como uma disciplina artística teria que forçosamente romper com essa herança de Bordalo Pinheiro. “Enquanto for bordaliana, a cerâmica caldense não se iria conseguir impor no panorama da cerâmica artística contemporânea achava Ferreira da Silva”, contou o autor. O encontro com a cerâmica de Picasso em Paris “vincou essa convicção que o artista teve até ao fim da vida”, disse João Serra. O novo livro, apresentada a 11 de Maio no CCC editado pela ESAD, acolhe alguns dados novos sobre a aventura industrial deste autor vivida na Ceramex, fábrica que o artista teve na Benedita na fase antes e posterior ao 25 de Abril. Segundo o investigador, em breve, será apresentada uma exposição sobre a produção daquela unidade fabril.
O que neste livro se prova é que aquilo que eventualmente possa parecer, ao observador, “uma obra desgarrada ou sujeita a solavancos é afinal um programa muito claro que foi definido desde meados da década de 50”, resumiu o autor do livro que percorreu todo o país em busca das obras do artista plástico que escolheu viver nas Caldas. João Serra viajou acompanhado pelo fotógrafo João Martins Pereira que para a feitura desta obra captou cerca de 3500 fotografias.
O presidente da Câmara, Tinta Ferreira (presente no início do evento) considera que o livro de João Serra era a obra que faltava sobre Ferreira da Silva, dado que perpassa pela vida e obra do artista desde os 16 anos. Para o edil caldense trata-se de “um balanço que avalia e condensa toda a importância da obra de Ferreira da Silva para as artes do país e para as Caldas da Rainha”. É na sua opinião uma excelente forma de consagrar Ferreira da Silva que para o autarca era “uma personalidade fantástica com uma maneira de ser cativante”. Segundo o presidente, a Câmara das Caldas está disponível para valorizar a vida e obra deste artista se bem que, por vezes, só o município não é suficiente “e precisamos da parceria de outras entidades para a poder melhorar”, disse referindo-se à intervenção Jardim d’ Água, cuja intervenção de melhoria necessita da aprovação do Ministério da Saúde.
Tinta Ferreira congratulou-se ainda com o facto de Ferreira da Silva, tal como outras figuras maiores da cidade, já dar nome a restaurante, como acontece com ao restaurante pedagógico da Escola de Hotelaria e agora também a um cocktail. Este último foi criado pelo chef de bar, João Dinis com o objectivo de honrar a memória do mestre. É feito com vinho tinto, ginja de Óbidos e aguardente vínica da Lourinhã. Na sessão Daniel Pinto, director da Escola de Hotelaria, deu a conhecer a ligação da escola com a obra deste artista – com a concretização de projectos pedagógicos em volta da obra do autor e que culminou com a realização de um jantar em sua homenagem em 2015.
Intervenção ao abandono
“Este livro conta o que está para trás mas o que mais me importa é o futuro”, disse José Luís de Almeida Silva. Antes da apresentação da obra, passou pelo Jardim de Água e manifestou o seu desagrado com o estado de abandono em que se encontra a obra pública de Ferreira da Silva. O amigo do artista e autor do prefácio do novo livro considera que aquela intervenção “é uma obra de referência e que seria valorizado em qualquer lado do mundo”. E enquanto a Câmara e o Hospital “se vão desculpando, os materiais vão-se deteriorando. Revolta-me o estado em que está aquela intervenção”, disse. O ceramista galego Xohan Viqueira referiu-se a Ferrreira da Silva como sendo “um romântico que nunca dava nenhuma das suas obras como acabadas na busca da perfeição”.
A caldense Júlia Coutinho também entrevistou Ferreira da Silva por causa de um trabalho académico e deu a conhecer que o artista plástico tinha trabalhado com a produção de materiais gráficos e um retrato para a campanha de Norton de Matos, em 1948. Júlia Coutinho vive em Lisboa mas mantém a ligação à sua terra natal dado que é assinante da Gazeta das Caldas.
A investigadora Rita Ferrão recordou como é importante divulgar a obra de Ferreira fora das Caldas até porque, como ceramista, “ele tem uma qualidade extraordinária, igual aos ceramistas internacionais seus contemporâneos”. A historiadora deixou a sugestão de se organizar uma exposição do artista em Lisboa ou no Porto para se perceber a dimensão da sua obra.
Manuel da Bernarda e António Cardoso deram a conhecer histórias vividas com Ferreira da Silva e o seu desejo de ter sido um industrial de cerâmica, algo que acalentou ao longo da sua vida.
Rui e Sofia Ferreira da Silva, filhos do artista gostaram de participar nesta apresentação que é também uma homenagem ao seu pai. O primeiro colaborou com 1100 documentos e imagens sobre a vida do familiar para este livro de João Serra. Sofia, por seu lado, referiu que através do livro vai ter oportunidade de conhecer melhor vários aspectos da vida do seu pai. “Gostava que o seu trabalho pudesse ser conhecido a nível nacional e internacional”, rematou a filha mais nova de Ferreira da Silva.
