
Hoje a escola pública é um espaço aberto à diversidade. Deve-se, por isso, abandonar o conceito de “aluno em geral”, e antes aceitar que existe uma nova realidade em que há “alunos e alunas, todos diferentes uns dos outros”. Esta foi uma das principais ideias defendidas por Laborinho Lúcio, jurista e ex-ministro da Justiça (1990 a 1995), que veio às Caldas a convite do Agrupamento de Escolas Rafael Bordalo Pinheiro. A sua intervenção inseriu-se na iniciativa Bordalo Acontece, realizada no dia 21, que incluiu um programa com várias palestras.
Laborinho Lúcio sabia que o seu discurso tocava em pontos que poderiam ser entendidos como polémicos – e até provocatórios – para a plateia que compunha o auditório da Escola Rafael Bordalo Pinheiro. Mais ainda porque a maior parte dessas pessoas eram professores. Por isso, pediu-lhes colaboração, antes mesmo de iniciar a sua intervenção: “gostava que aqui se criasse uma dinâmica intelectual, que cada um de vós, como conhecedor que é deste tema – a educação – se disponibilizasse a interrogar-se a si mesmo à medida que trocamos impressões”.
Logo em seguida, fez a primeira “provocação”. “O espaço público português está vazio de professores”, disse Laborinho Lúcio, acrescentando que as únicas ocasiões em que os docentes saem para a rua é com o objectivo de reivindicarem os seus direitos de natureza corporativa. Mas é preciso fazer mais. É necessário que “os professores não percam por falta de comparência e sejam os verdadeiros lutadores pelas questões da educação no espaço público”, acrescentou o jurista, de 74 anos, que também é professor universitário.
Embora reconheça que desde o 25 de Abril de 1974 a escola pública tem sido a instituição pública com maior sucesso em Portugal (pelo seu papel no combate ao analfabetismo, no aumento da taxa de inclusão social e da literacia), Laborinho Lúcio defendeu também que existe hoje uma nova realidade nos estabelecimentos de ensino. “Transitámos da escola burguesa (de elites) para a escola de massas, em que os professores aprenderam que o fundamental é encontrar um padrão de igualização, criando critérios que depois apontam para uma média”, explicou, realçando que o panorama se modificou a partir do momento em que o ensino passou a ser obrigatório após a instrução primária.
Actualmente, as crianças são obrigadas a frequentar a escola até ao 12º ano. “E se o Estado impõe esta regra, então deve garantir igualmente a inclusão de todas e de cada uma destas crianças”, disse Laborinho Lúcio. Para isso, é fundamental entender que em vez de uma escola de massas, hoje deparamo-nos com um espaço marcado pela diversidade, onde não existe “o aluno, mas os alunos e as alunas, todos diferentes uns dos outros”.
DIVERSIDADE OBRIGA À INDIVIDUALIZAÇÃO
Perante esta diversidade, é uma “solução frouxa” dizer-se que a escola pública, só por si, garante a igualdade de oportunidades entre os alunos. Para ilustrar este ponto de vista, o jurista deu o exemplo de uma corrida de 100 metros em que são colocados lado a lado um velocista, uma pessoa com dificuldades de mobilidade, uma criança e um idoso. “Os 100 metros são iguais para todos, mas obviamente ganha o velocista. O mesmo se aplica à escola”, afirmou, realçando que a diversidade nas escolas obriga à individualização dos alunos e a que os professores conheçam cada um deles.
Fã de caricaturas, Laborinho Lúcio utilizou mais uma para reforçar a mesma ideia. Imagine-se que chega a um hospital a notícia de que um autocarro teve um acidente e há feridos. E que a solução do seu director é enviar a sua equipa de ortopédicos com a instrução de engessá-los a todos. Os resultados são vários: quem não precisava do gesso anda um mês zangado com o hospital, aqueles que tinham pequenas fracturas ficam contentíssimos, dirão que tiveram o melhor atendimento, mas os que tinham ossos fora do sítio e até precisavam de ser operados, por causa do gesso ficarão empenados para o resto da vida. “Nas escolas, acontece algo de semelhante porque o método é que no primeiro dia de aulas os professores apliquem aos alunos o ‘gesso’ que é a norma. Só que aqueles que vêm com as fracturas expostas, vão contrariá-la, provocando indisciplina”, comparou o convidado.
Também o modelo de avaliação é outro problema que não promove a inclusão dos alunos. “O teste de diagnóstico é exemplo disso porque se há crianças que não querem estar na escola, este teste mostra-lhes que são incapazes para estar na escola. Contribui para a sua exclusão”, defendeu Laborinho Lúcio, criticando igualmente o facto dos momentos de avaliação estarem calendarizados desde o início do ano lectivo. “Como é que os professores sabem que naquele dia exacto, todos os alunos estão em condições de fazer o teste?”, questionou.
Laborinho Lúcio contou ainda ao público que, a propósito destas críticas, já propôs ao ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, que no início de cada ano lectivo as escolas pudessem dedicar o seu primeiro momento de aulas – até ao limite máximo de um mês – à inclusão dos alunos. Isto significa “saber quem eles são e o que podem oferecer, de forma a implicá-los dentro da sala de aula”, explicou o jurista, que reconheceu que embora a tarefa não seja fácil, também não é uma utopia.

Bordalo acontece
A palestra de Laborinho Lúcio, designada “Educação e Cidadania: o perfil do aluno”, inseriu-se na iniciativa Bordalo Acontece, promovida pela primeira vez na Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro. Este evento faz parte do projecto Step1 do CATEC (Campo Tecnológico de Aveiro) que visa dar competências aos alunos dos cursos profissionais para a procura do seu primeiro emprego. Para o Bordalo Acontece foram também convidados representantes de entidades como a AIRO (Associação Empresarial da Região Oeste), o IEFP (Centro de Emprego), o CLSD (Contrato Local de Desenvolvimento Social – Santa Casa da Misericórdia), a rede EURES, a Education First, a Intercultura AFS e o Instituto Politécnico de Santarém.
“Queremos que eles criem pontos de referência que facilitem a sua entrada no mundo profissional”, explicou a professora Maria João Dias, realçando que os alunos foram incentivados a sair da sua zona de conforto e a participarem em novas experiências que os enriqueçam enquanto pessoas.
Esta iniciativa serviu ainda para a apresentação das propostas ao Orçamento Participativo das Escolas, tendo o projecto das alunas Joana Antunes, Mariana Santos e Joana Costa sido o mais votado. As jovens propuseram a aquisição de mobiliário para melhorar os espaços de convívio dos alunos em vários locais da escola. Prevê-se que o orçamento será de cerca de 1030 euros.