Loïc Pedras passou parte da sua infância e juventude nas Caldas. Este empreendedor, académico, desportista e viajante, de 34 anos, vive e lecciona na University of Technology de Sydney. É também um dos responsáveis pela SportsImpact, uma empresa que coloca o desporto ao serviço do desenvolvimento humano nos mais diversos países do mundo. Loïc Pedras foi recentemente distinguido pelo Comité Olímpico Internacional para a investigação sobre o futuro das organizações desportivas. Do seu currículo de viajante já fazem parte uma centena de países do mundo onde vai intervir através do desporto ou de outras formas ligadas ao empreendorismo social.
BI
Nome: Loïc Pedras
Idade: 34
Profissão: Professor (empreendedorismo, inovação, gestão do desporto), ‘blogger’ (Volta ao Mundo em 80 Anos) e empreendedor Social (fundador/director da SportImpact)
Passatempos: Viajar, Escrever, Fotografar, Música, Desporto.
Próximos Projetos: Terminar o doutoramento, colaborar na criação de empresas sociais, fazer a rota da seda, escrever mais, fazer a Sydney Summer Series em Vela.
GAZETA CALDAS: Como é a sua ligação às Caldas? Viveu cá quantos anos?
Loïc Pedras: A minha família, da parte da minha mãe, é das Caldas. Cresci e estudei nas Caldas (dos 10 aos 18).
GC: O interesse pelos desportos, começou cedo? O que pratica hoje em dia? Quando decidiu que faria do mundo desportivo a sua vida profissional?
LP: Começou cedo como praticante, fiz um pouco de tudo mas foi o Atletismo que levei um pouco mais a sério, tendo competido a nível nacional.
Pratico um pouco de tudo mas tem sido mais surf, skate e vela, aproveitando o facto de viver na Austrália. O desporto teve um grande impacto no meu crescimento, o ambiente desportivo é, sem dúvida, muito positivo. Decidi continuar ligado ao desporto não só por isso mas também pela abrangência do mercado desportivo.
GC: Como surgiu a ideia de criar a sua empresa? Quando foi? Explique-nos o que faz a SportImpact?
LP: Basicamente dois amigos que têm em comum o desporto, as viagens e a gestão. Temos ambos um forte espírito empreendedor e uma vontade enorme de contribuir para a melhorias das condições de vida em países, comunidades e pessoas menos favorecidas. Assim, surgiu o formato de empresa social. Isto é, temos uma missão social como qualquer organização não governamental a operar em países em desenvolvimento mas com um modelo de negócio que torna a organização sustentável e permite iniciar projetos que não serão cancelados por falta de financiamento.
A SportImpact é um ecossistema de gestão que utiliza o desporto ao serviço do desenvolvimento humano através de workshops, eventos e consultoria. Ou seja, aproveitamos não só os benefícios diretos do desporto na sociedade como utilizamos o desporto para desenvolver outras áreas como o ambiente, paz, educação e saúde. O desporto tem várias vantagens: consegue atrair e juntar os elementos de uma comunidade por mais remota que esta seja, é divertido e capta o interessa dos jovens, permite que outros conteúdos sejam transformados facilmente num jogo e não requer muito equipamento.
Por exemplo, a SportImpact ensina a transformar plástico em equipamento desportivo que depois é utilizado nos seus eventos. Além disso, promove a mudança e liderança local através da formação, com especial atenção para o empowerment feminino. O nosso projeto em Timor-Leste é totalmente liderado por mulheres.
GC: Contextualize-nos o prémio que agora o distinguiu.
LP: Trata-se de um concurso de projetos de investigação ao nível mundial. O financiador é o Comité Olímpico Internacional que reúne um comité de especialistas para avaliar as melhores propostas. Eu concorri com o apoio da minha Universidade (University Technology Sydney) e do Comité Olímpico Australiano e tivemos o nível de financiamento máximo, o que é raro conseguir-se (que se cifra nos oito mil dólares). O nosso projeto insere-se dentro da teoria de organizações, mais propriamente na componente da gestão que diz respeito à lógica e complexidade institucional (por exemplo, organizações que têm duplas missões ou que têm parceiros muito diferentes com objectivos também diferentes). Procuramos saber como é que as organizações respondem à complexidade. A indústria desportiva, em particular o movimento olímpico, tem uma complexidade institucional acima do normal pelo que a contribuição em termos teóricos e práticos poderá ter efeitos em outras indústrias.
GC: Como ingressou no Movimento Olímpico?
LP: Os Jogos Olímpicos sempre tiveram um efeito mágico em mim. De 4 em 4 anos eu parava tudo o que havia para fazer para ver absolutamente tudo dos Jogos. Creio que há uma combinação de factores (desporto, ambiente internacional e de paz) que inspiram a condição humana. Eu comecei por fazer um estágio no Comité Olímpico de Portugal. Quando terminei o estágio havia a possibilidade de continuar mas decidi voltar a Barcelona (onde já tinha estudado) para fazer um mestrado. Pelo caminho trabalhei em eventos desportivos internacionais e fui manager de alguns dos nossos melhores atletas. Foi então que o Comité Olímpico de Portugal abriu um concurso público para director desportivo, eu concorri e ganhei o concurso.
GC: Como é o seu dia a dia? O que leciona na Universidade?
LP: O meu dia começa muito cedo para tentar ter mais tempo livre ao final do dia. A maioria do meu trabalho é feito no meu escritório, as excepções são quando estou a dar aulas, reuniões, trabalho de campo ou conferências. Trabalho muitas vezes ao sábado para depois poder ter esses dias extra quando viajo.
Como vivo perto da praia, agora no Verão o final do dia implica muitas vezes fazer qualquer coisa na praia. No próximo semestre vou leccionar três disciplinas: Inovação e Empreendedorismo, Laboratório de Inovação e Perspectivas de Gestão Integrada.
Viagens iniciais com ajuda de familiares e amigos
GC: As suas viagens começaram quando?
LP: Viajar por viajar, faço-o desde que estou na barriga da minha mãe. Ter família em Portugal e França implica muitas viagens entre um país e outro, sejam elas de carro, comboio ou avião. Há uma viagem que recordo em particular e que creio que teve impacto nesta minha curiosidade em aprender e no meu gosto pela aventura. Lembro-me de estar num comboio a caminho de Paris, numa couchette (cama suspensa) a meio da noite entre a fronteira entre Espanha e França e ouvir a alteração das carruagens (os carris têm tamanhos diferentes em França e Espanha) e de estar fascinado com as diferenças e de alimentar a minha curiosidade.
As viagens de forma independente começaram aos 16, sobretudo em Portugal e na Europa, com muita criatividade financeira. Esse início teve a ajuda da minha irmã que me deu um bilhete Inter-Rail de presente, de um amigo e vizinho, o Ivo, que me levou de viagem com ele até à Áustria; e também de uma ex-namorada minha das Caldas, a Maria, que hoje em dia também partilha o gosto de viajar como chefe de cabine numa companhia aérea.
GC: Quantos países já visitou? O que procura quando chega a um novo destino?
LP: Passei os 100 países na minha última viagem. Procuro ter uma experiência autêntica e uma imersão cultural que satisfaça a curiosidade de entender como é viver naquele país. Devo salientar que visitar é uma coisa, conhecer é outra. Não sou fanático do número de países, tanto é que repito muitos deles, mas tenho o objectivo de, ao longo da vida, pelo menos passar por todos eles e ter uma ideia, ainda que geral e superficial, do mundo em que vivemos.
GC: Explique-nos o seu projecto “Volta ao Mundo em 80 anos”.
LP: Não tendo nascido rico e ter este gosto pelo desconhecido, isso implica não só ter tido a ajuda de muitas pessoas mas também de ter afinado a minha técnica de viajar muito com pouco. A Volta ao Mundo em 80 Anos é a minha resposta a isso. Acreditar no impacto que as viagens tiveram na minha vida e todo o valor acrescentado que trouxeram: partilhar nas redes sociais com outras pessoas, motivando-as a fazer o mesmo e ensinando os truques e dicas que nos permitem poupar tempo, dinheiro e chatice. Também ter a oportunidade de falar de alguns destinos, contando algumas histórias sobre a bondade das pessoas e a diferença sobre o que pensamos e a realidade (o Irão é exemplo disso). Não tenho ambição a viver das viagens e a tornar-me um viajante profissional, tenho demasiado medo de perder o encanto. No entanto, sinto que tenho que dar de volta um pouco do muito que recebi e esta é a forma que encontrei.
“As Caldas tem muito potencial mas os seus políticos têm ideias pouco sustentáveis e muito assentes na infraestrutura”
GC: Consegue vir a Portugal com que regularidade?
LP: No mínimo, uma vez por ano. Eu tenho sempre apoio financeiro para fazer no mínimo uma conferência por ano, pelo que normalmente escolho uma que seja no hemisfério norte (Estados Unidos da América/Canadá ou Europa) e aproveito sempre para dar um salto a Portugal, aproveitar o Verão português enquanto escapo do Inverno australiano.
GC:Do que sente mais falta do Oeste português?
LP: Para além dos amigos e da família, das praias, das paisagens, da cultura local e da comida. São pequenas coisas como ir à Foz passear o cão, combinar cafés com amigos, ou jantar em casa da minha mãe.
GC: Quando vem matar saudades às Caldas, onde vai?
LP: À Foz, à praça da fruta, dois ou três cafés e pouco mais.
As Caldas, apesar de ter muito potencial para as artes e cultura, teve sempre políticos locais muito básicos com ideias pouco sustentáveis e muito assentes na infraestrutura. Isso reflecte-se hoje em dia na cidade e nas conversas que tenho com amigos que também estão fora e compartilham desta opinião. O melhor das Caldas sempre foi a sociedade civil caldense, bem mais educada e capaz que os que a lideram.
GC: Em que escolas estudou?
LP: Eu estudei no ciclo (D. João II) e na (Secundária) Raul Proença, com muito orgulho e que teve certamente um grande impacto na minha vida. Os professores são de altíssima qualidade e de uma dedicação impar.
Há poucas escolas assim no país e nas Caldas apenas a Bordalo Pinheiro chega perto. Sou um grande defensor da escola pública de qualidade (muito influenciado pelos sistemas políticos escandinavos) e a Raul Proença é um muito bom exemplo.
GC: Mantém por cá família e amigos?
LP: Sim, ambos.
GC: Que novos projectos tem em mãos?
LP: Terminar o doutoramento, é a prioridade, incluindo terminar e submeter alguns artigos para revistas científicas com factor de impacto. Estou também a colaborar com um grupo muito interessante. No ano passado fiz o programa executivo de empreendedorismo social da INSEAD (melhor business school do mundo considerada em 2016 pelo Financial Times) e formou-se este grupo.
O objectivo é colaborar em modelos de impacto e de negócio em várias vertentes. Estamos a tentar terminar com a insegurança alimentar de uns dois milhões de crianças indianas, a ajudar a produtividade dos agricultores no Myanmar, a melhorar o sistema de microcrédito nos autocarros urbanos em Manila (Filipinas) e a reactivar o artesanato na Nigéria.
Outras coisas incluem terminar de escrever as minhas short stories de viagem, melhorar na guitarra, no surf, no skate e na vela (se tudo correr bem irei fazer a Sydney Summer Series). Assim que terminar o doutoramento acho que desapareço. Se me quiserem encontrar o mais provável será em algum dos países na Ásia Central por onde passa a Rota da Seda e por onde passou Marco Polo.
