Manuel Henriques viajou pelo mundo e emigrou aos 50 anos para os Estados Unidos

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Manuel Henriques tem hoje 86 anos e contou como foram os anos em que esteve emigrado
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Manuel Henriques é de Salir de Matos. Natural da Matinha, começou por se dedicar à agricultura, mas acabou por fazer como tantos outros – embarcou e teve a oportunidade de conhecer mundo. Aos 50 anos decidiu emigrar para se dedicar à construção civil nos EUA. Acha que as terras do Tio Sam são mais evoluídas que o seu país de origem e, se pudesse, ainda lá estava pois lá “há uma vida completamente diferente da de cá”.

Manuel Henriques nasceu a 23 de Setembro de 1933 na Matinha, em Salir de Matos. Teve três irmãs e como era o mais novo “era a mascote da minha avó materna”, recordou, afirmando que guarda memória de ser muito novo e de ser transportado em cestas pela avó, em cima de um burro. A alcofa era colocada no chão e enquanto a sua avó apanhava erva para os animais, Manuel Henriques gatinhava pelos campos fora.
O caldense fez a escola primária nas Trabalhias, que era a mais próxima de sua casa. Recorda que o seu pai, assim que chegavam os primeiros dias de sol primaveril no mês de Março, lhe dizia: “Manuel, amanhã não há escola”. Era dia de semear batatas e, por isso, o petiz tinha que ir ajudar na agricultura.
Como muitos no seu tempo, Manuel fez apenas a 3ª classe. Era preciso ajudar na lavoura e também na taberna dos seus pais. Passados dois anos, o pai apanhou tuberculose e assim que se curou, aos 42 anos, precisou de fazer uma operação ao estômago. Descobriram que sofria de cancro, doença que o viria a vitimar.
Além do pai, também lhe morreram duas das suas irmãs: uma de tuberculose e a mais nova, vítima de uma queda num poço que ficava numa das propriedades da família. E os seus tempos de jovem passaram-se sobretudo a trabalhar a terra.

Da terra para os navios

A 15 de Maio de 1954 casa com Maria de Lurdes Cândido, jovem do mesmo concelho e três anos mais nova que Manuel. Muda-se para o Guisado, terra da esposa, e continua a trabalhar na agricultura, “em terra minhas e noutras do meu sogro”. Mas o trabalho na agricultura não garantia grande sustento. Manuel queria mais. E logo lhe surgiu a oportunidade de fazer viagens de longo curso de barco. “Naquela altura era considerado um emprego de primeira classe”, comentou Manuel Henriques, que conseguiu embarcar em 1959, tinha então 26 anos. Deu também a possibilidade a dois dos seus conterrâneos de viajar. Ambos chamavam-se Joaquim, e eram seus amigos. Manuel Henriques disse-lhes: “a porta por onde eu passar, vocês passam também”. E desta forma, no início dos anos 60, embarcou no Rita Maria, navio que pertencia à Sociedade Geral de Indústria e Transportes, enquanto os seus amigos passaram a fazer parte das tripulações do Santa Maria e do Timor.
“Andei embarcado no Rita Maria durante uns três anos na linha de África”, recordou Manuel Henriques, acrescentando que vinha de Luanda, passava no Lobito e em Moçâmedes. No regresso, faziam a trajectória inversa. Mais tarde, o caldense mudou-se para o navio Timor, tendo passado a percorrer a designada Linha do Extremo Oriente para transportar tropas portuguesas. Era criado de servir e ganhava naquela altura 1.140$00 (5,70 euros).
O caldense começou a trazer “mercadoria” que não havia em Portugal. Trazia os mais variados artigos desde serviços de chá, louça oriental e até umas pulseiras “que diziam que aliviava o reumatismo”, recorda. Só que a certa altura, a guarda-fiscal apanhou-o e, além de ter ficado com os produtos apreendidos, ainda queriam que Manuel Henriques denunciasse os outros colegas que contrabandeavam. “Eu não sou homem para fazer isso…”, comentou o caldense que nesse mesmo dia partiu para a Holanda onde passou a dedicar-se a outro tipo de viagens.
“Fui apanhar os barcos de carga na Noruega”, contou, referindo-se aos navios petroleiros. “Embarquei e segui a minha vida no mar, passando a ser marinheiro”, lembrou o caldense que então começa a receber nove contos por mês (45 euros).
Nesses anos atravessou várias vezes o canal do Panamá. Além de petróleo, transportava outros materiais, alguns perigosos como a dinamite.
Entre os anos 60 e 70, fez com frequência viagens destinadas a abastecer as fábricas de conserva e de petróleo, situadas no norte da Noruega onde o Sol se põe à meia noite, entre os meses de Maio a Julho. Foi ainda várias vezes à Venezuela buscar petróleo para Espanha. No entanto, quando fez o transporte de uma carga de dinamite nos EUA com destino à Austrália decidiu que estava a chegar ao fim a sua vida nos barcos. Achou que havia viagens que pela carga se poderiam tornar perigosas.
Mas o facto de ter sido embarcado permitiu-lhe conhecer todos os continentes. “Eu conheço o mundo praticamente todo!”, afirmou. Lembra-se bem da última viagem em que foi à Austrália com passagem pelo Japão.

Da carroça para o tractor

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Manuel Henriques, quando vinha a Portugal, e devido aos bons salários que auferia, começou por comprar terrenos para juntar aos seus e da sua mulher, no Guisado. Um terreno que comprou a um familiar custou-lhe naquele tempo mais de 100 contos (498 euros), o que para a época era uma verdadeira fortuna.
O seu filho mais velho nasceu em 1954 e este ano completará 65 anos. A filha, Isabel, proprietária do restaurante O Cruzeiro (Guisado) tem 60 anos, ao passo que Luísa, a actual responsável pelo Solar dos Amigos, tem 56 anos. A sua mais nova, Manuela, faz 43 anos.
Enquanto Manuel Henriques trabalhava nos barcos, a sua mulher sempre vendeu na Praça das Caldas os hortícolas produzidos nas propriedades que possuíam. “Antes íamos de carroça e eu, mais tarde, comprei um tractor para o meu filho levar e trazer a mãe à Praça”, disse o caldense, que ficou pesaroso quando o filho, em 1970, o informou que queria emigrar para França. Pretendia ir ter com um primo que se encontrava em Paris. “Como eu tenho passaporte desde muito cedo, achei melhor ir pô-lo a França”, contou Manuel Henriques que só descansou quando deixou o filho junto do familiar. Só que o rapaz, pouco dado a missivas, não ligava nem escrevia à sua mãe.
Morta de preocupação, Lurdes chorava, receando que algo menos positivo tivesse acontecido ao seu primogénito. Manuel Henriques leva a mulher a Leiria, ao Governo Civil, de modo a tirar o passaporte e assim poder viajar até França e matar saudades do filho. Foram os dois, mas no regresso a mulher veio de avião para Lisboa e Manuel Henriques foi apanhar um comboio para Antuérpia a fim de embarcar para Inglaterra e Estados Unidos.

Um hectare de estufas

O emigrante com a sua esposa, Lurdes Cândido que foi ter com ele aos EUA

Quando deixou a vida de embarcado, voltou à terra e investiu na agricultura moderna. Plantou couves de Bruxelas e brócolos e ainda fez estufas com alfaces, cravos e crisântemos. “Cheguei a ter um hectare de estufas!”, contou Manuel Henriques, que para tanta produção fez dois furos para tentar captar água. Mas a experiência, que envolveu um avultado investimento, não correu bem.
Corria o ano de 1974 quando Manuel Henriques se lembrou de abrir um café que vendia petiscos. Comprou um gerador que lhe permitia ter energia para fazer funcionar o Solar dos Amigos, que rapidamente se transformou num espaço de refeições. “Fui o primeiro homem a abrir um café e depois restaurante numa aldeia!”, disse o emigrante que recorda as palavras que lhe dizia: “Estás louco? Achas que vem alguém das Caldas para comer ao Guisado?” Ao que Manuel Henriques retorquia: “Hão-de vir de muito mais longe pois há muita gente que sabe apreciar boa comida!” E o que se constata é que, passados mais de 40 anos, “vem gente de todo o país!”.
Até 2010 Manuel Henriques esteve sempre ao comando deste projecto onde a carne grelhada é rainha. Há nove anos é a sua filha Luísa que gere o restaurante. “Ela nasceu para isto!”, diz o emigrante, orgulhoso deste projecto, conhecido pela qualidade da carne e do peixe grelhado, pelo pão quente servido mal sai do forno, os enchidos e tantas outras iguarias.
“Apostámos sempre na qualidade dos produtos e não cedemos”, conta.
No Solar dos Amigos há uma feição labiríntica entre as várias salas, umas pequenas, mais intimistas e outras que mais parecem um salão. “Eu é que sou o arquitecto disto tudo”, diz Manuel Henriques. O caldense recordou ainda que o realizador Alfredo Tropa “filmou aqui no restaurante cenas do filme Gente Singular”. Segundo o emigrante, aquela história foi rodada em Peniche, Óbidos, Caldas e, claro, no Guisado.
Actualmente o Solar dos Amigos emprega 10 colaboradores e tem capacidade para 160 pessoas. Quando abriu portas em 1974, dava apenas para meia centena.

Emigrar aos 50 anos

Manuel Henriques em 1976

E por causa dos investimentos que não correram bem na parte agrícola, Manuel Henriques deixou o restaurante ao cuidado da família e resolve emigrar pois queria ganhar mais dinheiro. E assim fez. Partiu para os EUA em 1980 e assim que lá chegou “agarrei-me ao trabalho, aprendi tudo o que podia sobre a construção. Quando comecei a pensar em voltar já era um boss!”, comentou.
Tinha então completado 50 anos e, na verdade, acha que foi uma boa idade para viver a experiência da emigração pois “já somos mais maduros”. Foi ter com amigos que tinham empresas relacionadas com a construção. “O primeiro trabalho que fiz foi colocar alcatrão”, recordou o emigrante. Só depois é que passou a trabalhar com cimento para tudo o que estava ligado à construção. A seguir a Denver ainda viveu em Connecticut e em Nova York, tendo trabalhado nas zonas de Brooklyn e de Queens.
Enquanto esteve ligado a firmas portuguesas, Manuel Henriques não era bem pago. “Comecei por receber apenas cerca de 700 dólares por semana”, contou, explicando que com alguns conhecimentos acabou por mudar-se para empresas de construção norte-americanas e aí passou logo a ganhar 1200 dólares.
O primeiro patrão norte-americano pagou-lhe a 18 dólares por hora e, nessa primeira firma, esteve pelo menos durante dois anos. Na última empresa já lhe pagavam a 35 dólares à hora. Fez sempre os mais variados trabalhos em cimento, desde passeios de rua a fundações de prédios e de vivendas. E quando eram necessários quatro homens para a execução as tarefas, “eu conseguia coordenar o trabalho com apenas dois”, referiu contando que um dos seus patrões o gratificava diversas vezes, colocando 200 dólares no seu bolso.
Ao fim de cinco anos sozinho, a mulher e a filha mais nova foram ter com Manuel Henriques que, por sua vez, arrendou uma casa nova para viverem.
A sua esposa ajudou a criar crianças portuguesas, enquanto que a sua filha passou a frequentar a escola nos EUA. Feitos os 16 anos, a jovem celebrou os Sweet Sixteen a rigor, dado que o seu pai lhe proporcionou uma festa com mais de 100 convidados.
“Trabalhei sempre ligado à construção em quatro empresas americanas e duas portuguesas”, contou, explicando que a certa altura construiu apartamentos seus, para arrendar. Era a sua mulher que recebia as rendas, que se cifravam em cerca 4000 dólares por mês.
Mais tarde, fez a sua própria casa em Farmville num terreno com três quartos de hectare onde o caldense mandou fazer um poço e criou a sua própria adega. Chegou a fazer o próprio vinho com uvas da Califórnia. Como tinha forno próprio, começou a cozer pão. Foi um verdadeiro sucesso pois não tinha mãos a medir, tantos eram os pedidos pelo seu pão caseiro que vendia à comunidade portuguesa. Chegava a fazer perto de centena de pães por dia e “vendia sempre tudo!”.
“No entanto, a minha mulher não se adaptou aos EUA e assim que a filha se formou, quis regressar a Portugal”, disse Manuel Henriques que acabou por regressar com a família em 2001. Passados quatro anos, Lurdes Cândido morreu vítima de doença do coração.
O caldense hoje já não trabalha, mas conta com a ajuda de um colaborador que o auxilia nas tarefas nas suas propriedades. “Nunca conta como se começa mas sim como se acaba. Eu tive que passar por isto, mas, feitas as contas, a vida até me correu bem”, sintetizou Manuel Henriques, que hoje vê com agrado a sua família crescer. Já tem seis netos e dois bisnetos.

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