Conferência “A liderança no feminino”, organizada pela Gazeta das Caldas na tarde do passado sábado, reuniu mulheres que desempenham funções de relevo no emprego, na política e na educação
A luta das mulheres pela igualdade de oportunidades nas sociedades modernas continua na ordem do dia, defendeu a jurista Cristina Rodrigues, no passado sábado, na conferência “A liderança no feminino”, organizada pela Gazeta no Pequeno Auditório do CCC, a propósito do Dia Internacional da Mulher. Sublinhando que há estudos que admitem que “sejam necessários mais 60 anos na Europa” para que a desigualdade entre homens e mulheres seja dissipada, a obidense diz que, “apesar dos progressos” há, ainda, “muito por fazer” neste domínio.
A intervenção daquela especialista em questões laborais, nomeada pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional como provedora do desempregado, acendeu o rastilho para uma discussão centrada em torno da “diferença efetiva de tratamento” das mulheres, que se faz sentir no emprego, num momento em que “em termos de educação, acesso e conclusão de ensino superior, as mulheres estão em clara minoria”.
“Há uma grande disparidade na igualdade de oportunidades”, lamenta a antiga deputada municipal em Óbidos, citando dados que indicam que as mulheres ganham menos do que os homens “em todos os grupos profissionais”.
“Sabemos que a igualdade não se conquista por decreto. Entre a lei que a vida estabelece e as nossas mentalidades e preconceitos vai uma grande diferença”, notou Cristina Rodrigues, para quem “o ritmo da evolução das mentalidades é muito lento”. E deu um exemplo pessoal: “A vida ativa das minhas filhas e netas será feita em desigualdade, independente das competências técnicas ou sociais. Elas estão sempre em desvantagem na capacidade de agir, de fazer a diferença. Isto é um problema global”.
Também na política há muito caminho a percorrer, com as quotas a servirem de mote para a conversa. “Há 20 anos disse à Gazeta que adoraria que não fossem precisas as quotas”, relembrou Cristina Rodrigues, lamentando que ainda seja difícil atrair mulheres para as listas de candidatos.
A única mulher que preside a uma Junta no concelho das Caldas conhece bem a temática. “A minha esperança é que, daqui a uns anos, não seja preciso andar a pedir para irem nas listas”, declarou Alice Gesteiro, que substituiu no painel de oradoras Maria João Querido, a primeira mulher a ser eleita presidente de Junta no concelho (2009) e que não pôde estar presente, por motivos pessoais.
A presidente da Junta do Nadadouro considera que “ser mulher na política é abraçar uma causa, tentar cumprir uma missão”. “Quando somos eleitos, apenas temos em vista tentar fazer o melhor para os nossos fregueses e desenvolvemos o trabalho. Não se coloca a questão do género”, sublinhou a antiga funcionária da Secla, que nunca se sentiu “posta de parte ou incomodada” por ser mulher, embora já tenha ouvido a expressão “cuidado, é uma senhora” e note que alguns homens “engolem um bocadinho em seco” o lidar com uma presidente. E quando se decidiu candidatar pela primeira vez, em 2013, recorda-se de um comentário masculino: “agora vai uma mulher para presidente de Junta?”
Nada que abalasse esta líder, que está no terceiro mandato e se quer afastar da política, não só devido à lei de limitação de mandatos, mas sobretudo para se dedicar em exclusivo à família e à área social, que lhe diz “muito”, ao ponto de ter assumido a presidência do Centro de Apoio Social do Nadadouro.
Alice Gesteiro acredita que conseguiu “trazer algumas mulheres” para a política e diz que as mulheres “podem mostrar às outras mulheres que são capazes” de desbravar caminho, opinião partilhada por Sandra Santos, diretora pedagógica do Colégio Rainha D. Leonor, que abordou na conferência a liderança no feminino na educação.
A professora considera que a educação “é a base de tudo” e que “foi a universalização da educação que permitiu o surgimento de grandes exemplos”, como os que apresentou na intervenção, em que valorizou nomes marcantes na história na mudança do paradigma do ensino e da sociedade. Casos da rainha D. Maria II (1819-1853), “a educadora”, responsável pela construção de escolas primárias e investimento em escolas secundárias e ensino superior, ou a norte-americana Anne Sullivan (1866-1936), que tinha falta de visão e se tornou na primeira surda-muda a terminar um curso de ensino superior, tendo sido professora de Helen Keller.
Numa viagem pela história, a docente recordou o “papel fundamental” que a educação tem tido “na transformação das mentalidades”, mas assinalou que “nem sempre foi assim”. Num passado, “mas não assim tão distante”, o papel da mulher no ensino era distinto, desde as precetoras, dedicadas apenas à classe alta, aos períodos em que a educação estava vocacionada para a mulher ser uma dona de casa e, mais tarde, de turmas só de raparigas.
“Sempre quis ser professora, pois vi nesta profissão a oportunidade de fazer algo diferente no nosso quintal, a nossa turma. Mas sinto que, hoje em dia, ainda há um passo muito grande para dar no sentido da igualdade”, referiu Sandra Santos, que em 2015 passou a integrar a direção do Colégio da cidade e tem vindo a enfrentar “uma luta pela sobrevivência”, em que a pandemia obrigou a “uma reinvenção total”. A pergunta, contudo, impunha-se. Sentiu alguma discriminação por ser mulher?
“Trabalho numa área em que me cruzava com pessoas que pensavam que era muito nova para exercer aquela profissão. Aí, sim, ainda há discriminação”, sublinha a diretora, observando, ainda, que perpassa “a ideia que uma mulher cede mais facilmente, que não é capaz de dizer que não”.
E se para Cristina Rodrigues, é “da maior participação, da maior igualdade que vão nascer as melhores lideranças, vindas de onde vierem, sejam eles mulheres ou homens”, para Sandra Santos, no fim do dia, a análise também é simples: “O que é melhor? Um líder homem ou um líder mulher? O melhor é um líder humano”. ■
No caminho certo e com “estrada para andar”
No encerramento da iniciativa, vereadora Conceição Henriques defende afirmação da mulher “pela positiva”
Conceição Henriques encerrou os trabalhos da conferência da Gazeta, deixando vários alertas na intervenção. A vereadora da Cultura da Câmara das Caldas questiona “que sentido faz assinalar o Dia da Mulher num tempo em que a evolução colocou as mulheres no topo da carreira?”, mas revelou “satisfação de verificar que quase em 50 anos, muitas batalhas pela igualdade, entre as quais de género, foram travadas e ganhas”.
Todavia, a autarca lamentou que em 48 anos de democracia, Portugal nunca tenha tido uma Presidente da República ou primeiro-ministro eleita, tirando da equação o período transitório de Maria de Lurdes Pintassilgo, e que o país apenas teve 35 ministras desde as primeiras eleições livres.
“E Caldas tem uma representação muito pouco animadora”, advertiu Conceição Henriques, notando que em 12 freguesias apenas uma mulher está na liderança de uma Junta. Pelo que se pode “concluir que estamos no caminho certo, mas com muita estrada pela frente”.
Desejando que a “afirmação no feminino se possa fazer pela positiva”, a vereadora destacou a “luta persistente e corajosa de homens e mulheres que não se conformaram com o ridículo” e que operaram transformações profundas na sociedade.
Na sessão de abertura da conferência, o diretor da Gazeta das Caldas recordou que “há 30/40 anos” falar do papel das mulheres no mundo dos negócios “não tinha razão de ser”, sendo esta conferência um “sinal” importante no caminho da igualdade de direitos. Além disso, frisou José Luiz Almeida e Silva, “o empreendedorismo era uma palavra que não existia no dicionário” até há algumas décadas. O diretor do jornal aproveitou, ainda, a oportunidade, tal como Conceição Henriques e as oradoras da conferência, para deixar palavras de encorajamento para as mulheres da Ucrânia, num momento tão sensível como aquele a que se assiste com o conflito no Leste europeu.
A conferência “A liderança no feminino”, que marcou o regresso das iniciativas públicas da Gazeta das Caldas, contou, ainda, com a exibição do documentário “Empreendedorismo no feminino no Oeste”, após o que Cristina Rodrigues, rasgando elogios à iniciativa, deixou um apelo: “A Gazeta é um coração vivo onde pulsa a vida das Caldas e da região. Precisamos da Gazeta, comprar a Gazeta, anunciar na Gazeta é absolutamente fundamental para a nossa vida em comunidade”. ■