Fabiana Avelar Pereira
23 anos
Caldas da Rainha
Lund – Suécia
Estudante de mestrado
Percurso escolar: EBI de Santo Onofre, Escola Secundária Raul Proença, Universidade de Lisboa, Universidade de Coimbra (IGC), Universidade de Lund
Do que mais gosta do país onde vive?
O carácter progressivo. A Suécia é um país muito avançado em termos de igualdade de género, segurança social e equilíbrio entre a vida profissional e familiar. Esta igualdade não existe apenas no papel, traduz-se em medidas concretas que são observáveis no quotidiano. Além disso, a cultura machista não está tão enraizada e nota-se que a população tem consciência da importância que a promoção da igualdade de género assume no desenvolvimento de um país.
Em relação à Segurança Social, posso falar daquilo que mais me afecta, que são as propinas. São totalmente gratuitas para estudantes suecos e europeus. Este ano até fiz uma cadeira suplementar e não tive de pagar nada. Estive doente em Janeiro e precisei de antibióticos. Estava registada no centro de saúde mais próximo da minha área de residência e marquei uma consulta para o próprio dia. Tive de pagar pela consulta e pelos antibióticos, mas como estava inscrita no sistema, o valor foi acessível. O sistema de saúde sueco é muito eficiente.
No dia-a-dia podemos ver os pais a irem buscar os filhos à escola às três da tarde. Os suecos têm uma percepção diferente da nossa nesse aspecto. O trabalho é obviamente uma parte importante da vida, mas não é tudo. Na Suécia há a consciência de que uma vida social e familiar preenchida se traduz num maior rendimento a nível profissional e num sentimento de realização pessoal.
Em alimentação, os pratos salgados não são o forte da cozinha sueca, mas os doces são excelentes. Kanelbulle (bolo de canela), chokladboll (uma bola de chocolate), kringla (uma espécie de pretzel doce), punschrulle (não faço ideia de como traduzir isto mas é maravilhoso), prinsesstårta (bolo princesa), kladdkaka (bolo de chocolate), provei-os a todos e são todos uma delícia. Acompanhado por um café, a meio do dia, com os amigos é perfeito. A prática do cafezinho e bolinho a meio da tarde (eles chamam-lhe fika) faz parte da cultura sueca. Faz-me lembrar a prática portuguesa da bica e do pastel de nata e é uma característica que eu adoro.
Também tenho de mencionar os transportes públicos. Vivi em Lisboa durante quatro anos e experienciei os atrasos e a greves constantes. Aqui não há nada disso. Os autocarros chegam a tempo e horas, mesmo quando está mau tempo. Alterações nos horários são anunciadas com semanas de antecedência para que as pessoas possam planear e organizar a sua vida.
Outra coisa que aprecio bastante na Suécia é a Primavera. A cidade onde vivo (Lund) é pequena, mas tem diversos espaços verdes e na Primavera ganham vida. Durante o mês de Abril via imensas cerejeiras pela cidade. Era absolutamente lindo.
Lund é uma cidade pequena, consegue-se chegar a quase todo o lado a pé e é muito pitoresca. Tem muito carácter. É uma cidade universitária, como Coimbra, por isso gira muito em torno da Universidade e da vida académica. O facto de ser perto de Malmö (cerca de dez minutos de comboio) e de Copenhaga (cerca de 40 minutos) é excelente porque temos acesso às grandes cidades sem ter de lidar com a sua agitação e alvoroço no quotidiano.
Finalmente, tenho de referir a faculdade e o método de ensino. Tenho um carinho especial pela Faculdade de Direito de Lisboa, que foi a minha ‘casa’ durante quatro anos. No entanto, não é por isso que deixo de ver os defeitos, que são muitos. Tenho imensas histórias que ilustram a falta de organização e desleixo por que passei. Algumas são bastante hilariantes, outras nem por isso. A minha faculdade na Suécia é mais organizada e cumpridora. Não há crashes no sistema e há uma disponibilidade e flexibilidade enorme em termos administrativos. As pessoas estão disponíveis para auxiliar e tirar dúvidas, caso tenhamos algum problema.
O que menos aprecia?
A falta de luz no Inverno. O frio não me incomoda tanto, uma vez que todos os espaços interiores são aquecidos e basta usar roupa quentinha e um bom casaco para conseguir andar na rua. No entanto, é tremendamente deprimente olhar pela janela e perceber que às três ou quatro da tarde já está tão escuro como às onze da noite.
O excesso de luz no Verão. Eu não consigo dormir com muita luz e, infelizmente, o sol põe-se às dez ou onze da noite e nasce por volta das três ou quatro da manhã. Isto estraga-me o relógio biológico. Tenho dificuldade em adormecer e, quando finalmente consigo, começo a ouvir os passarinhos lá fora. Felizmente trouxe cortinados blackout (feitos nas Caldas!), o que ajuda imenso. Mas nunca durmo tão bem como em Portugal.
Outra coisa que não aprecio é a frieza das pessoas. Acho que é uma coisa cultural, não é má educação ou antipatia. Os portugueses são muito mais calorosos e amigáveis. ‘Obrigado’, ‘com licença’, ‘desculpe’, não são palavras muito usadas cá. Além disso, os suecos não sabem e não gostam de fazer conversa de conveniência.
As propinas são gratuitas, mas o custo de vida é altíssimo. É muito difícil encontrar casa e as rendas são muito elevadas, tal como a alimentação. Para dar um exemplo, um frasco de champô pode custar cinco euros.
De que é que tem mais saudades de Portugal?
Principalmente da minha família. Em particular, da minha mãe, do meu pai, da minha irmã e da minha avó. E da Lucy (a minha cadela)! Falo com a minha família todos os dias, mesmo que seja só por um bocadinho. Ajuda imenso, mas não elimina as saudades. Há alturas em que fico mais deprimida e bastava ir passar o fim-de-semana a casa para animar, mas não posso. Viajo de Copenhaga, que é o aeroporto internacional mais próximo, para Lisboa e os voos são caríssimos. A minha irmã também está a viver na Suécia, em Estocolmo. Infelizmente nem sempre nos conseguimos ver (o país é muito grande e as viagens são longas – cerca de quatro ou cinco horas de comboio ou uma hora de avião) e estamos ambas muito ocupadas. A minha irmã está fora do país há três anos por isso já estou habituada a não a ter por perto, mas ainda é difícil. Somos gémeas e muito chegadas uma à outra.
Também sinto falta dos meus amigos e tento ir mantendo o contacto, o que nem sempre é fácil porque todos temos as nossas vidas e por vezes é complicado marcar uma hora no FaceTime ou no Skype para falar.
Tento manter-me informada sobre o que se passa em Portugal, leio a Gazeta e outros jornais e vejo as notícias de vez em quando. Em minha casa tínhamos o costume de ver as noticias todos juntos, depois de jantar. Mesmo quando estudava em Lisboa fazíamos isso aos fins-de-semana. Sinto muitas saudades desse hábito.
Tenho saudades da nossa comida, das bicas e do bom tempo. Ultimamente tenho andado a sonhar com bacalhau e pães de leite. É melhor não fazer uma lista dos pratos de cozinha tradicional portuguesa de que sinto falta senão esta entrevista fica um testamento. No Natal, como uma boa emigrante, trouxe quatro postas de bacalhau na mala de porão. Também já trouxe pastéis de nata, papa Cerelac e bolacha Maria.
Não há país como Portugal. Nem pessoas como os portugueses. Sinto imensa falta da amabilidade e da boa disposição portuguesa. E de ouvir falar português na rua… O sueco não é a língua mais bonita do mundo.
A sua vida vai continuar por aí ou espera regressar?
Honestamente, não faço ideia. Em Portugal é muito difícil encontrar emprego na minha área. Muitas pessoas passam temporadas fora do seu país e eu adorava fazer qualquer coisa semelhante. Não me importava de passar meses fora a trabalhar para uma organização não-governamental num país em desenvolvimento, mas ter a minha base em Portugal. Mas não sou esquisita, gostava apenas de trabalhar no campo dos Direitos Humanos.
“Em termos de ensino, a prática de ‘decorar’ tudo o que aprendemos não existe. Obrigam-nos a pensar e a investigar”
Sou estudante de mestrado em Direito Internacional e Direitos Humanos na Universidade de Lund. Adoro o meu curso e nunca me arrependi de ter escolhido esta área. Depois de acabar a minha licenciatura estava muito confusa e não sabia em que é que me queria especializar. Dividi o ano e fiz voluntariado no Cambdoja, numa organização não-governamental em Siem Reap e Phnom Penh e uma Pós-Graduação em Direitos Humanos, em Coimbra. Aprendi imenso no voluntariado, dei-me com pessoas de todos os cantos do mundo e vi que há necessidade de formar pessoas nesta área.
Foi depois da minha experiência de voluntariado que decidi seguir Direitos Humanos. O mestrado é excelente, muito bem organizado, e com pessoas de todo o mundo. Tem corrido tudo muito bem e isso deve-se, em grande parte, aos bons amigos que fiz. O meu grupo de amigos mais chegados é constituído por pessoas do Vietname, Brasil, Alemanha, Ucrânia, Malásia, Turquia, entre outros. É fantástico ver como pessoas de culturas completamente distintas se conseguem dar e trabalhar tão bem. Quando estava a fazer a minha licenciatura concentrava-me apenas nos estudos e não dava importância a mais nada. Estar sozinha noutro país por um longo período de tempo fez-me perceber que os estudos não são tudo e que para termos uma vida saudável e completa precisamos de outras pessoas.
Claro que por vezes é difícil lidar com os hábitos culturais dos outros, mas quanto mais pessoas diferentes conhecemos, mais abertos e flexíveis nos tornamos. Aprendemos com os outros e eles também aprendem connosco. No que toca a cumprimentar as pessoas, sinto imensa falta dos dois beijinhos ‘à portuguesa’. A minha amiga vietnamita acha imensa graça ao costume por isso habituámo-nos a dar sempre dois beijinhos para nos cumprimentarmos.
Cada um é o resultado do meio e da forma como foi criado, mas também das experiências e pessoas com quem contacta ao longo da vida. Por exemplo, eu e a minha irmã temos sotaques completamente diferentes. Antes de se mudar para a Suécia a minha irmã viveu dois anos na Holanda. Sempre tivemos personalidades muito diferentes, mas a discrepância ficou ainda mais acentuada depois de ela ter saído de Portugal. O modo de vida e o temperamento tipicamente holandeses influenciaram muito a sua personalidade. Eu continuei em Portugal e estive na Ásia sozinha, o que também me influenciou bastante.
Geralmente estudo na biblioteca do meu mestrado (uma das cinco melhores bibliotecas de Direitos Humanos na Europa), que é especializada em Direito Internacional, Direitos Humanos e Direito Humanitário. Está aberta todo o dia e toda a noite para os estudantes do mestrado, e tem uma cozinha. Quando estou a trabalhar com os meus colegas é certo e sabido que a meio da tarde (ou da noite) vamos ter uma meia hora para ter um fika e descontrair, antes de regressar ao trabalho. Já faz parte da rotina.
Em termos de ensino, a prática de ‘decorar’ tudo o que aprendemos não existe. Obrigam-nos a pensar e a investigar. Temos moot courts (simulações de julgamentos), seminários e workshops, onde podemos debater e confrontar as nossas ideias sobre os temas. Repetir o que o regente da cadeira expôs na aula não é o objectivo.
Estou sempre a dizer bem do meu país, das pessoas, da comida e do bom tempo. Até convenci duas colegas a virem visitar-me durante o Verão.
Vou para a faculdade de autocarro, que funcionam exemplarmente. Infelizmente o preço do cartão mensal é muito elevado, tal como tudo na Suécia.
Os choques culturais são essencialmente relacionados com a frieza sueca. E não, não estou a falar do tempo. Considero-me uma pessoa afável, gosto de sorrir quando cumprimento alguém, dar dois beijinhos e abraços e meter conversa. Cá as pessoas não são assim. Não é pior, é apenas diferente e ainda não me habituei.
Fabiana Avelar Ramos Mateus Pereira