Seja na família, na escola ou no namoro, o exercício da violência deve ser denunciado. Esta foi a principal ideia defendida no debate organizado pelo PESES (Projecto de Educação para a Saúde e Educação Sexual) da Escola Secundária Raul Proença. A palestra, integrada na semana de actividades deste estabelecimento, realizou-se no dia 6 de Fevereiro, na Expoeste, e juntou um painel de cinco convidados e três turmas do 11º ano.
Maria Beatriz Raposo
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Os números apresentados pela enfermeira Mónica Conde são alarmantes. A representante da VMER (Viatura Médica de Emergência e Reanimação) incidiu a sua intervenção na violência nas crianças, destacando que em 2010 as autoridades policiais portuguesas registaram cerca de 600 casos de violência doméstica envolvendo menores e 230 crimes de maus tratos a crianças e jovens, sendo que 45% destas agressões são protagonizadas por um dos pais da vítima. Mais: nos últimos três anos morreram seis crianças vítimas de maus tratos, por asfixia, intoxicação, ou lesões traumáticas.
Números que podem ser minimizados caso andemos de olhos bem abertos, alertou Mónica Conde, que apontou alguns sintomas indicativos de maus tratos. Nódoas negras, hematomas, queimaduras, cortes, mordeduras em “partes do corpo pouco comuns podem sugerir que a criança teve mais do que um acidente, ou seja, que foi vítima de abusos”, comenta a enfermeira, que destacou o prato quente, o ferro de engomar, o cigarro, o cabide e o cinto como os objectos mais utilizados para maltratar as crianças.
O psicólogo Luís Paulo Baptista afirmou que é fundamental “denunciar todos os casos de violência na escola, mesmo que às vezes seja mais fácil juntarmo-nos ao colega agressor e rirmo-nos com ele”. O importante é quebrar o silêncio com alguém de confiança, seja com um funcionário, professor ou a direcção, sem ter medo de sofrer represálias. Isto porque, garantiu o psicólogo da Raul Proença, é possível denunciar em anonimato.
Da ansiedade, pânico, insónias e problemas alimentares, alguns danos psicológicos desenvolvidos por estas vítimas, facilmente se pode chegar à depressão ou, já sem remédio, ao suicídio. Por isso, “não devemos minimizar o sofrimento do outro”, aconselhou Luís Paulo Baptista.
Sandra Correia, do GAVVD (Gabinete de Apoio à Vítima de Violência Doméstica) defendeu a mesma ideia. “A violência doméstica é um crime público, por isso qualquer um de nós pode denunciar”, salientou, acrescentando, contudo, que não é possível dar seguimento a uma queixa caso a vítima negue as agressões. “Muitas vezes as vítimas acreditam no pedido de desculpas do companheiro, têm esperança que ele mude a sua atitude e recusam-se a identificar-se como vítimas”, sublinhou Sandra Correia, que apontou ainda outros factores que atrasam a resolução dos processos: o medo por sofrer represálias, a falta de independência económica, a ausência de uma rede de suporte familiar e “receio em recomeçar do zero, sair de casa, ir para um abrigo, muitas vezes com filhos nos braços”. Nestas situações, o apoio dos gabinetes torna-se essencial, principalmente ao nível social, psicológico e jurídico.
No ano passado a violência doméstica matou 29 mulheres e o primeiro mês de 2016 já registou três perdas. Contudo, alertou Sandra Correia, os primeiros indícios de agressão não começam com “um tareão que levam a mulher ao hospital, senão com uma bofetada, um beijo à força, que até pode ser confundido com amor”. O controlo em excesso, seja do telemóvel, redes sociais ou guarda-roupa, “é uma forma de violência psicológica que pode facilmente evoluir para física”.
A solução mais rápida e eficaz para combater uma situação de agressão é “retirar a vítima do local do crime”, explicou Dário Magno, chefe da PSP, acrescentando que existem apoios legais para proteger a vítima, inclusive o acompanhamento a casa para a recolha dos pertences em segurança.
Embora as mulheres sejam as principais vítimas de violência doméstica, há cada vez mais queixosos do sexo masculino. Citando dados da PSP, Aurora Ramos revelou que “14 homens por dia queixam-se de violência doméstica e, desde 2014, as autoridades já registaram cerca de 7000 agressões”. A pergunta que a presidente da comissão de pais levantou é: “será que a polícia leva a sério estes casos?”.
Nas vítimas também se incluem os idosos. Quarenta por cento sofre de violência física, psicológica, patrimonial ou financeira, podendo apresentar ossos partidos, perdas inexplicáveis de peso (devido à subnutrição) e cheiro a fezes e urina caso estejam a ser negligenciados.