Logo pela manhã faço-me ao caminho pela linha férrea do Oeste. De comboio, vindo de Torres Vedras, chego ao meu destino.
Ao sair na estação degradada e abandonada, vou ao encontro do trilho que me levará ao topo da ermida de Santo Antão.
Curiosamente, ao dar com o trilho deparo-me com uma concentração de carros junto aos lindos campos de cultivo que por ali existem, hoje convertidos numa espécie de parque de estacionamento improvisado. Mais à frente, ao chegar ao início da subida da colina, um mar de gente de grande vigor, carrega sacos enormes, panelas e outros tantos artefactos. Rijos são os homens e mulheres que se aventuram nesta subida bastante acentuada de 150 degraus até ao topo do monte que fica a cerca de 80 metros do trilho inicial. Pelo caminho vou-me cruzando com gentes da terra e outros que por ali andam para marcar a sua presença nesta tradicional e antiga festa deste santo protector dos animais. Lá em cima, uma vista sublime sobre a vila e o castelo de Óbidos deslumbra qualquer curioso que por ali apareça. A pé, de tractor, ou de jipe, todos os caminhos vão dar a ermida.
Ao chegar ao topo, deparo-me com um frenético movimento em torno da capela: uns cortam lenha, acendem-se centenas de fogueiras, montam as suas improvisadas e tradicionais barraquinhas, onde expõem todos os produtos feitos pelos métodos tradicionais. Por volta do meio dia é celebrada uma missa em honra do Santo Antão onde também os animais são abençoados.
Durante muitos anos não faltaram os tradicionais pinhões, as laranjas, as cavacas e muitas outras guloseimas. Hoje em dia os vendedores também aproveitam esta romaria para os vender. Além destes artigos regionais, também há muitos outros, como se de uma feira se tratasse.
As promessas são pagas na casa de esmolas ou na sacristia, recebendo em troca, como “recibo”, uma vela enrolada numa fita de nastro cor-de-rosa e um “registo” do Santo. As fitas cor-de-rosa devem ser amarradas à cabeça dos animais para ficarem protegidos contra qualquer mal. Estas fitas designadas, entre os romeiros por “sacramentais”, são previamente benzidas. Quem não pode ir pagar a promessa, pede a alguém que o faça por si. A entrega da vela e da fita são prova que a promessa foi paga.
No Santo Antão participam várias gerações e pessoas dos mais variados quadrantes sociais, bem como alguns estrangeiros que por ali também vão socializar. Já poucos se dirigem à casa das esmolas, ou à sacristia a fim de comprarem as tais velas com a fitas cor-de-rosa.
Depois da homilia, faz-se a sopa, põem-se os chouriços e as carnes a assar. São tantas as barrigas umas e outras menos famintas, vão sendo alimentadas e regadas com muito vinho.
O verdadeiro espírito desta festa vem com a chegada, pela tarde, de alguns tocadores e seus instrumentos, que se vão juntando à festa para afinar algumas vozes, dando muita música e alegria ao festejo.
Esta verdadeira romaria dura até ao raiar do sol, pois ainda há que fazer o caminho de retorno e deixar tudo limpo e arrumado. Dentro das suas cabeças vai a sensação de dever cumprido e que, no próximo ano, estejamos cá todos. Só assim se pode manter viva esta grande tradição.

Mário Vasa
Fotojornalista