O exercício da medicina fora dos grandes centros esteve em debate, em Óbidos, numa organização da sub-região do Oeste da Ordem dos Médicos
Em várias localidades do concelho de Óbidos dispensa apresentações. É a médica de família de avós e netos, tendo começado como médica no centro de saúde de Óbidos em 1986 e, anos mais tarde, fixando-se na extensão de saúde do Vau. Emília Pinto, licenciada em Coimbra, chegou ao SNS em 1983, como interna geral no Hospital das Caldas e, na noite de 29 de junho, partilhou que, nos seus 40 anos de carreira, foi conhecendo “vários SNS”, resultado das reformas implementadas. No seu testemunho de serviço médico à periferia lembra que se constituíam em pequenas equipas fixas de um médico, enfermeiro e administrativo. “Sentíamos que nos movíamos por ideais, estabelecendo laços de confiança e proximidade entre nós e com a população”, disse a médica para, de seguida, dar conta dos constrangimentos por que passam atualmente. “A relação de médico-doente está cada vez mais ameaçada, a burocratização é cada vez maior, a falta de recursos humanos e de material é gritante”, denunciou, especificando que os sistemas informáticos apresentam diariamente constrangimentos que interferem no decurso normal do trabalho. Contudo, Emília Pinto acredita que a nova geração de médicos “saberá reorganizar-se e reinventar-se de modo a proporcionar uma saúde mais humanizada, com qualidade ética e deontologicamente irrepreensível”. Também o jovem Ivo Duarte, natural de S. Martinho do Porto e médico na USF Rainha D. Leonor partilhou o testemunho. “Ser médico de família é criar relações com as pessoas, em consulta”, disse, enaltecendo a importância do toque e da humanidade, que nunca se poderá perder. O médico reconheceu que a sua realidade, de trabalhar numa USF modelo B, é diferente da de outros colegas que não conseguem dar a resposta adequada aos utentes. Considera que ser médico de família tem a ver com a rede de suporte, que depende da malha hospitalar e dos colegas dos cuidados secundários que têm à volta. Defendeu, por isso, a criação do novo hospital, para terem escala.
Também presente no colóquio, a historiadora e autora do livro “Uma revolução na saúde – História do serviço médico à periferia 1974-1982”, Raquel Varela,considera que o serviço médico à periferia “permitiu construir um país, quando se fala de coesão territorial”. Lembrou que havia, “na altura e quase sem condições, uma noção de ética do trabalho completamente mobilizadora. E o que temos hoje é o inverso disso, ao ponto que vivemos uma crise sistémica de saúde mental no mundo do trabalho, uma desmotivação enorme”. Defensora de um “serviço público de excelência”, falou do baixo rendimento dos portugueses e de como o sector privado nunca terá escala. “Daqui por 20 anos o que vamos ter não é um excelente serviço privado mas uma emigração massiva de quadros qualificados”, concretizou.
Os problemas da saúde
O médico e presidente da SEBES, Álvaro Beleza, destacou o papel “imprescindível” do médico na era tecnológica. Reconheceu que a saúde e o SNS têm muitos problemas, mas comparado com outros países europeus, com maiores níveis de desenvolvimento, “Portugal tem um melhor sistema de saúde, o problema é a percepção e a queixa”. O político socialista falou também do défice de sociedade civil, de parlamento e da justiça, e de uma demasiada dependência do governo.
A trabalhar no Centro Hospitalar do Médio Tejo, composto pelos hospitais de Tomar, Torres Novas e Abrantes, o atual bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes, considera que a humanização na saúde continua a ser uma das pedras fundamentais do exercício da medicina. O bastonário deixou críticas às alterações aos estatutos das ordens profissionais, em particular da dos médicos e sublinhou que “se não tivermos uma ordem dos médicos forte, autónoma, temo que o exercício da medicina fora dos grandes centros seja um balão completamente vazio”. Entre os cerca de meia centena de presentes estiveram os autarcas das Caldas e de Óbidos, que realçaram as dificuldades que estão a ter nos seus concelhos, nomeadamente com a falta de médicos. ■