Depois das transformações ocorridas na agricultura no último meio século e das mais recentes alterações no tecido industrial, estamos no presente momento a ver as consequências de dois fenómenos simultâneos para o comércio, mas não com a mesma origem.
Quem percorrer a cidade das Caldas da Rainha vai confrontar-se com uma situação que, pela sua dimensão, nunca foi antes vivida entre nós. Trata-se do encerramento em escala impressionante de numerosos espaços comerciais em todas as ruas e mesmo nos centros comerciais (em maior escala nos de pequena dimensão).
Os dois fenómenos que terão contribuído para esta ocorrência, terão sido, por um lado, mas em muito pequena escala por ora, a abertura dos grandes centros comerciais (apesar de nas Caldas a abertura do Vivaci não ter causado – ainda – grande mossa no comércio tradicional local, até pelo contrário talvez) e, outro em muito maior escala, que é decorrente da actual crise económica e financeira que vive o país e os portugueses.
Nos últimos cem anos talvez nunca tenha ocorrido um choque salarial tão grande e de tanto impacto na vida económica da região, como a actual crise, que teve a primeira emergência com o impacto no sector industrial (que levou ao encerramento nos últimos anos de várias unidades industriais locais), mas que agora está a tocar profundamente o sector comercial, verdadeiro coração económico e social da vida caldense.Se as autoridades locais manifestavam alguma preocupação com a crise em certas indústrias (e até foi conseguido salvar uma delas – Faianças Bordalo Pinheiro – com uma acção voluntarista da parte do governo Sócrates, olhada hoje como demasiadamente estatal), estranha-se que não haja a mínima atenção com o que o comércio está a sofrer.
Achamos que devia ser criado um observatório local ou regional que estudasse o problema e propusesse medidas para minimizar os efeitos da crise e evitar o seu agravamento, bem como alertasse o governo central para as consequências de algumas das medidas cegas que estão a ser tomadas.
Para as Caldas da Rainha algumas dessas medidas estatais que se preparam como, por exemplo, a desclassificação ou transferência de alguns serviços públicos que sempre estiveram nas Caldas da Rainha, pelo menos nos últimos cem anos, agravará a prazo ainda mais todo este estado de coisas.
Mas por isso serão necessárias outras medidas de iniciativa local para evitar o agravamento da situação e que, na sua ausência, até darão justificação para o “bota abaixo” de alguns ministérios com a própria diminuição da actividade regional.
Se Caldas da Rainha quer continuar a ser a capital do comércio tradicional (como se arvora timidamente no site www.capitaldocomercio.com) terá de fazer jus a essa título e não esperar passivamente que as coisas piorem.
Assim, importaria, pelo menos, que houvesse uma grande operação de comunicação e de relações públicas que mostrasse bem alto esse objectivo e que fidelizasse aqueles que já o sabem e que preferem Caldas da Rainha como centro de compras semanal. Mas isso não poderá acontecer mantendo o aspecto que algumas ruas têm com inúmeros espaços comerciais de portas fechadas, para além dos problemas de sujidade, desmazelo e desorganização.
Este facto pode transformar-se numa primeira razão para afastar os clientes dos outros estabelecimentos que estão de portas abertas, uma vez que pode parecer ao visitante um “cemitério” do mesmo comércio.
Mas também podiam e deviam valorizar o mercado da fruta, que também é um grande captador de visitantes, alargando essa operação de comunicação ao mesmo. E há muito na cidade, como o Parque e a Mata, algumas empresas industriais que fazem venda directa e mesmo a Lagoa de Óbidos, etc.
Importaria simultaneamente que esses espaços comerciais vazios pudessem ser utilizados de outra forma, pelo menos enquanto não encontrassem novo arrendatário, criando novos fluxos de visitantes. Poderiam aprender com alguns centros comerciais que o fazem suportando custos para evitar a proliferação de espaços fechados que afasta sempre a clientela.
O que se podia fazer nas Caldas? Alguns desses espaços poderiam ser propostos a estudantes ou recém-formados da ESAD.CR para exporem os seus trabalhos e criar um ambiente criativo/festivo e de design ou de outras áreas artísticas que captasse novos visitantes. Também ainda há indústria e artesanato (ou mesmo instituições de solidariedade social) nas Caldas que têm capacidade expositiva de produtos que chamam apreciadores nacionais e estrangeiros.
Esses espaços podiam ser alugados a preços simbólicos e com apoios institucionais, por períodos limitados, podendo ser ainda concedidos aos seus proprietários reduções nas taxas e impostos urbanos.
Em França, nas zonas turísticas como na Cote d´Azur, há cidades em que as autarquias adquirem edifícios antigos e degradados para reconstruir e depois alugam-nos a preços simbólicos a artesãos com a exigência de que só vendam naqueles espaços produtos ali produzidos.
Faltam igualmente eventos que possam trazer novos visitantes, como outras terras o fazem com mérito e sem estarem a aproveitar apenas a afluência já de si garantida e justificada do período estival.
Demos uma volta pela cidade e encontrámos mais de uma centena e meia de estabelecimentos e espaços comerciais encerrados, mas julgamos que esse número deve chegar às duas centenas e meia em toda a cidade, incluindo alguns espaços que, mesmo depois de construídos, nunca viram qualquer utilização.
Esta situação deve ser estudada e devem ser tomadas medidas com urgência para evitar que a crise se espalhe aos outros comerciantes que, com grande esforço e espírito de serviço, tentam enfrentar sozinhos os problemas.
Esperemos que as obras que se anunciam para a Praça da República, onde funciona ainda o mercado diário (cuja vitalidade também não tem merecido grande atenção dos poderes concelhios), não seja a machadada final para o comércio tradicional das Caldas da Rainha.
Acompanhámos a forma amadorística como foi dirigida a obra no Bairro João de Deus, demorando um tempo infindável para a dimensão que tinha, que a ser seguida para a Praça da República será a estocada final.
Não vemos em nenhum lado a prossecução de uma estratégia activa e com resultados avaliados para perceber o fenómeno em curso e encontrar novas soluções. Parece-nos que a maioria está conformada com a situação e à espera de um milagre ou da desgraça final.
Não sabemos qual irá ocorrer…
JLAS