“A população do Oeste está a ter dificuldade no acesso a cuidados de saúde”

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Miguel Guimarães diz que há actualmente mil médicos recém-formados que podiam integrar o SNS | Isaque Vicente
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Em entrevista à Gazeta das Caldas, o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, analisou a situação do Oeste, onde faltam médicos, equipamentos e infraestruturas. O bastonário pediu a contratação dos cerca de mil novos médicos recém-formados, a fim de cumprir a lei e para dar resposta às necessidades. As críticas aos governos são várias.

GAZETA DAS CALDAS: Que análise faz da saúde no Oeste?
MIGUEL GUIMARÃES: A saúde no Oeste não está bem. Apesar de termos profissionais de saúde notáveis, com médicos de elevadíssima qualidade, a verdade é que na região do Oeste, e em particular nas Caldas da Rainha, temos uma deficiência grande em termos de capital humano a nível de médicos de várias especialidades, temos muitos equipamentos que já ultrapassaram o prazo de validade e precisam de ser renovados, temos falta de materiais e dispositivos médicos, sobretudo no serviço de urgência. Eu sei que as obras se iniciaram neste mês, mas a verdade é que o serviço de urgência tem sido uma área problemática.
Não é uma questão exclusiva deste centro hospitalar, mas é uma questão importante, até porque as dificuldades que se sentem no serviço de urgência são muito grandes para os doentes e para quem lá trabalha, que sente esta pressão de não conseguir fazer mais coisas porque falta gente e porque as estruturas físicas não eram as mais adequadas.

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GC: Como comenta os tempos de espera para consultas não cumprirem a lei?
MG: São preocupantes, nalguns casos ultrapassando mesmo os tempos máximos de resposta garantida, o que significa, na prática, que a população do Oeste está a ter dificuldade no acesso a cuidados de saúde.
Acho que esta matéria (a que podemos adicionar os cuidados de saúde primários que também têm dificuldades porque existem uns milhares de utentes sem médico de família atribuído) merece uma atenção particular do ministro da Saúde, que não pode continuar a dizer que está tudo bem, quando quem está no terreno tem a noção de que está a haver decadência.
A ordem está preocupada com esta situação e já o fez saber isso ao ministro. Têm de ser tomadas medidas rapidamente, tem de ser feito um investimento maior, não só na região Oeste mas em todo o SNS, de forma a que consigamos recuperar o SNS que está bastante afectado e que tem implicações no trabalho realizado, mas sobretudo nas expectativas dos doentes.

GC:O concurso nacional para a entrada de jovens especialistas, a acontecer, vai resolver todos os problemas?
MG: Nós temos médicos hospitalares de praticamente todas as especialidades a aguardar a possibilidade de fazer um concurso nacional desde Março/Abril de 2017. Estamos a falar de cerca de 700 médicos a que já se juntaram os jovens que acabaram a especialidade em Outubro/Novembro. Temos neste momento quase um milhar de médicos que poderiam e deveriam ser contratados rapidamente para trabalhar no SNS, preferencialmente nas zonas mais carenciadas, como é o caso do Oeste e das Caldas da Rainha. O trabalho deles é fundamental para os nossos doentes, o país precisa desses médicos e este período longo sem existirem contratações resulta, na maior parte dos casos, em que estes jovens vão dando outro rumo à sua vida e vão trabalhar para o sector privado em exclusividade ou muitos deles até acabem por emigrar. Vão-se acentuando as grandes desigualdades que existem entre os grandes centros urbanos e a periferia porque os hospitais que têm mais capacidade de influência política acabam por fazer contratações directas de alguns médicos e aqueles que têm menos capacidade de influência política acabam por ficar cada vez com menos médicos. As desigualdades sociais em saúde estão a aumentar cada vez mais, com prejuízo directo para a população.

GC: Que vantagens traz a passagem do CHO de SPA [Sector Público Administrativo] para EPE [Entidade Pública Empresarial]?
MG: É uma reivindicação antiga. Lembro-me que estive aqui há cerca de um ano e já era uma das principais reivindicações do Dr. Nuno Santa Clara, presidente da sub-região do Oeste da Ordem, porque a passagem do hospital a EPE vai dar uma flexibilidade em termos de gestão e organização que poderá beneficiar de alguma forma aquilo que são os cuidados de saúde de uma forma global. Acho que isso é preciso e devia acontecer o mais rápido possível.

“Administração de mãos e pés atados”

GC: Qual o impacto no corpo clínico de um hospital que tem uma administração a prazo há cerca de um ano?
MG: Esse é um problema que o ministro vai ter de resolver. Eu não conheço pessoalmente a administração do CHO. A verdade é que o CHO tem tido algumas dificuldades em dar resposta a algumas situações, mas também é verdade que o ministro não tem dado as condições necessárias. Para se contratarem pessoas é precisa autorização do ministro da Saúde e, às vezes, até do ministro das Finanças, que é quem está a mandar nisto tudo.
Depois, para se contratar as pessoas necessárias, além da autorização, é preciso ter disponibilidade económica. Depois há o problema de encontrar os médicos para virem para cá, que numas sociedades é mais fácil, noutras é mais difícil. Mas se nós não dermos esta possibilidade à administração, esta está, obviamente, de pés e mãos atados e não consegue ir mais longe.
De resto, a passagem a EPE significa que tem de haver novamente uma nomeação do director do hospital e, portanto, o ministro da Saúde terá aí a possibilidade de optar por ter outra administração.

GC: Como atrair médicos para este Centro Hospitalar?
MG: É uma questão já antiga que tem tido alguma preocupação por parte do ministério, mas sempre ad minimum, isto é, aquilo que são os planos de incentivo que são criados, normalmente não são suficientes para que as pessoas saiam do conforto da sua zona, da sua família, para virem trabalhar para as zonas mais periféricas. Temos de ter um plano de reconstrução daquilo que é a massa crítica das zonas mais periféricas que seja aplicável em várias regiões, não apenas aos médicos, mas aplicável aos professores, enfermeiros, jornalistas, etc.

GC: E em termos de incentivos directos?
MG: Em termos de incentivos directos penso que para os médicos é mais importante dar-lhes um projecto de trabalho, deixá-los desenvolver uma determinada área dentro da sua própria especialidade, dar-lhes a possibilidade de actuarem de acordo com aquilo que estiveram a aprender durante anos, de acordo com as boas práticas.
E é fundamental que o Governo, de uma vez por todas, dê mais apoio à formação dos profissionais, nomeadamente dos médicos.
Além disso, existem os incentivos que foram criados neste último pacote, que são mais um ou dois dias de férias, que não é nada. Nos países onde se foi por aí, não se deu um ou dois dias, mas sim mais 10 ou 20 dias de férias para ser realmente motivador para as pessoas.
Há ainda a questão da remuneração melhorada, que no pacote definido pelo Governo são mais 40% do ordenado, e depois a possibilidade de trazer a família.

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