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O docente da ESAD, Renato Bispo, foi o vencedor do prémio nacional de reabilitação de 2018 que foi entregue no mês passado. A sua tese de doutoramento “Design contra o Estigma” foi distinguida com o Prémio para as Ciências Sociais e Humanas, atribuído pelo Instituto Nacional para a Reabilitação, no valor de 5000 euros. O docente diz que vai continuar a trabalhar na área da inclusão e a coordenar projectos de alunos nesta área, alguns dos quais em parceria com entidades caldenses.

Para a sua tese de doutoramento, Renato Bispo desenhou um sidecar acessível que permite que um idoso ou alguém em cadeira de rodas possa passear com quem gosta. Apesar de tudo, continua a haver um que conduz, mas vai permitir a quem tem alguma incapacidade vivenciar “uma experiência de velocidade e de algum risco”, explicou o designer, acrescentando que seria um meio de transporte que permite fazer algo que não é necessariamente ir ao médico. Um transporte que permite a partilha de objectivos comuns.
O investigador trabalha há mais de 20 anos na área do design inclusivo (ver caixa) e no seu trabalho académico quis reflectir sobre os estereótipos e conotações negativas relacionadas com as ajudas técnicas que as pessoas com incapacidades necessitam.
“Quando olhamos alguém que usa uma cadeira de rodas, achamos que já sabemos coisas sobre essa pessoa”, disse Renato Bispo, que realizou um inquérito a 350 pessoas, entre indivíduos com incapacidades, familiares, amigos e profissionais de saúde. O investigador queria saber de que forma é que as pessoas sentiam a discriminação e como é que isto se manifestava. E esta surge de uma forma quase casual, ou seja, uma pessoa em cadeira de rodas não pode entrar em vários espaços, não por discriminação mas sim porque é perigoso. É esta a “desculpa” que as pessoas com incapacidade ouvem vezes sem conta quando as não querem deixar entrar em eventos, espaços comerciais ou outros.
Os táxis não param perante alguém com cadeira de rodas “porque os taxistas não as vêem” e quando são confrontados com a questão, confirmam, afirmando que não viram a pessoa. “Quem sente a discriminação percebe que esta acontece de forma sistémica”, disse o investigador. Na sua opinião, é preciso tentar identificar o mecanismo que estigmatiza quem tem incapacidades.
Renato Bispo, no seu doutoramento, propõe um conjunto de princípios, necessário a quem se propõe lutar contra o estigma que existe em relação à incapacidade. O primeiro princípio prende-se com o desafio, isto é, quando se desenvolve uma cadeira de rodas de velocidade, numa primeira fase, duvida-se, mas depois, quando se vê alguém com incapacidade a usá-la, percebe-se o seu intuito.
O segundo princípio prende-se com a ideia de que o objecto “tem que contribuir para aumentar o mundo”. O investigador explicou que alguém com incapacidade deve ser desafiado a sair de casa e ir ao jardim do seu bairro (primeiro desafio credível). “No dia seguinte, podemos levá-lo à praia, no seguinte à floresta e assim aos poucos ir aumentando o seu universo”.
A ideia seguinte está relacionada com a auto-realização, de identidade e também de talento que a pessoa tem e com o dever que a sociedade “deveria ter em ajudar a pessoa com incapacidade a tentar desenvolver algum talento que tenha em detrimento de tentar ultrapassar o deficit”, referiu Renato Bispo. O quarto princípio tem a ver com a ideia de consistência. “O estigma não se combate se a pessoa com incapacidade for ver o mar apenas uma vez”. Segundo o docente, em relação, por exemplo, aos atletas paralímpicos não é apenas o dia da prova que lhes importa. “É o treino que é mais estruturante”, ou seja, o que se aposta é na repetição de uma determinada actividade e que vai permitir ao atleta evoluir.
O quinto princípio está relacionado com a ideia de contacto entre as pessoas que deverá ser o mais equilibrado que for possível. “Se todas as vezes que me encontro com um familiar idoso é para o levar ao médico, cada contacto reforça a situação de dependência”, afirmou o designer. Na sua opinião, se a pessoa que tem mais capacidade é aquela que conduz, o seu pai mais idoso pode, por exemplo, “decidir qual o destino ou qual o percurso”. Desta forma, ambos participam num objectivo comum.
A sua tese obteve nota máxima e foi distinguida com louvor. Posteriormente, o Instituto Nacional para a Reabilitação (INR), também resolveu premiar este estudo dado que, todos os anos, premeia uma tese na área das ciências sociais que contribuem a favor do combate à discriminação por razão da deficiência.
Renato Bispo gostaria de publicar a sua tese e de apostar na tradução para língua inglesa para que o seu estudo não fique circunscrito a Portugal. O docente partilha estes princípios com os seus alunos e neste momento tem uma aluna que está a construir um baloiço para ela e para a irmã, que sofre do síndroma de Rhet, ou seja, não consegue falar. Ambas têm idades próximas dos 20 anos e a aluna da ESAD “interpreta bem as emoções da irmã e, no fundo, o baloiço conjunto vai permitir-lhes actividades ao ar livre e um contacto emocional importante”. Uma pode, por exemplo, estar a ler um livro enquanto a outra usufrui do movimento, exprimindo afecto pela outra.
Outro estudante, de Viseu, desenhou um tear que ajuda a manter a actividade cognitiva de senhoras que estão nos lares. “Ele não acertou à primeira, mas foi melhorando até chegar à versão final do tear”, disse o docente, explicando que o objecto foi experimentado por seis senhoras de um lar viseense. ”Uma das utentes entusiasmou-se de tal forma que se levantou da cadeira de rodas pois dava mais jeito tecer em pé!”, contou o designer. “E quando se percebe que um objecto pode provocar estas situações, nunca mais largamos isto…É impagável o retorno emocional que se recebe”, revelou o investigador. Na sua opinião, “não podemos assumir que uma pessoa não vai ser capaz, ou seja, a mudança de mentalidade tem que anteceder a mudança de realidade”, referiu.
Para o designer, enquanto “eu não acreditar que é possível mudar, nenhuma mudança pode acontecer”. Além de ser verdade relativamente ao estudo da incapacidade, o mesmo também se verifica “em muitos outros campos da nossa vida colectiva”, rematou.

Gazeta das Caldas - prémio nacional de reabilitação
O designer criou um side car inclusivo que permite a partilha de experiências entre quem conduz e quem é conduzido

Quem é Renato Bispo?

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Natural de Lisboa, Renato Bispo tem 46 anos e formou-se em Design de Equipamento nas Belas Artes de Lisboa, tendo-se pós graduado em Desenvolvimento de Design de Produto na Glasgow School of Art.
Logo a seguir à licenciatura, Renato Bispo começou a dedicar-se ao design inclusivo. Vivia-se em meados dos anos 90 e o designer esteve integrado em equipas ligadas à Câmara Municipal de Lisboa que desenvolveram projectos relacionados com o envelhecimento da população. “Casa para toda a Vida” foi um desses projectos, que tinha como intuito a requalificação dos lares dos seniores. Não bastava reparar vidros partidos ou lâmpadas fundidas, mas sim “adequar toda a habitação às necessidades dos mais velhos”, contou Renato Bispo, o único designer que se uniu a outros profissionais de arquitectura e dos serviços sociais e que conseguiram realizar modificações em dezenas de casas, eliminando degraus, fixando tapetes, eliminando perigos e inseguranças em cozinhas ou transformando casas de banho banais em acessíveis.
“Como escrevi e desenhei grande parte do manual de apoio deste projecto, tornei-me especialista na área em Portugal”, disse Renato Bispo, que continuou ligado à câmara lisboeta desenvolvendo outros projectos de design inclusivo para o espaço público. Fê-lo em parceria com o arquitecto Jorge Falcato (que é actualmente deputado do BE na Assembleia da República) e trabalharam em acções onde “púnhamos técnicos das Câmaras em cadeiras de rodas a fazer os atravessamentos das ruas em Lisboa e no Porto”.
A leccionar na ESAD desde 2000, Renato Bispo começou por dar a cadeira Design e Cidadania, uma disciplina opcional, transversal a todos os alunos de design. “Foi um laboratório fantástico”, disse, explicando que partem de exercícios práticos e tanto trabalham para tornar uma biblioteca inclusiva como transformam uma cozinha, permitindo que alguém com incapacidade a possa usar. Ainda hoje se mantém esta prática pedagógica seja na licenciatura, seja no mestrado. “Inclusivamente fomos a vários centros de dia e lares para poder estar com as pessoas e resolver os seus problemas”, referiu Renato Bispo. Ao longo dos anos têm surgido várias parcerias feitas com escolas, hospitais e piscinas do Oeste. Um dos projectos foi, por exemplo, a criação de fatos de banho para idosas, adequadas aos seus corpos e à actividade de hidroginástica.

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