Refugiada belga da II Grande Guerra visita Caldas da Rainha 71 anos depois

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Blanchette Fluer e a filha Danielle Fluer na recepção que decorreu na Câmara das Caldas | Fátima Ferreira
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Blanchette Fluer, de origem belga e actualmente com 87 anos, esteve nas Caldas na semana passada (entre 16 e 21 de Junho) para reviver o passado.

Antiga refugiada judia da II Guerra Mundial, viveu nas Caldas entre 1942 e 1945, com os pais e irmãos e destaca o carinho e amabilidade com que foi recebida. “Estou viva devido ao povo português, salvaram as nossas vidas e foram simpáticos com todos os refugiados. Vim especialmente para vos agradecer”, disse.
O Parque D. Carlos I, o casino e a praia da Foz do Arelho estão entre as suas recordações, que fez questão de partilhar com os presentes na recepção organizada pela Câmara das Caldas, na tarde de sexta-feira.

Terminava o ano de 1942 quando Blanchette Fluer, então com 12 anos e acompanhada do seu irmão três anos mais velho e dos pais, chegava de comboio a Elvas, vinda do sul de França, onde a família tinha conseguido um visto para fugir. As autoridades portugueses não lhes facilitaram a entrada e avisaram que o seu acolhimento no país tinha que ser discreto.
“Mas a minha mãe contava que eu disse ao guarda que se nos mandasse de volta eu me atiraria da janela, porque voltar para trás e ir para os campos de concentração era pior do que nos matarmos”, recorda a agora octagenária. Mas não foi isso que aconteceu. A família belga foi enviada para as Caldas da Rainha e aqui a jovem Blanchette acabaria por passar “os melhores anos” da sua vida.
Instalados no rés-do-chão de uma casa (com os donos a morar no andar de cima) os refugiados inseriram-se no quotidiano da cidade. Frequentavam o parque D. Carlos I e o casino, onde o pai e o irmão costumavam jogar bridge e ela jogava pingue-pongue e bilhar. Mas era o baile que animava diariamente a jovem. “Os rapazes convidavam-nos para dançar”, lembra, acrescentando que apaixonava-se “frequentemente” pelos rapazes portugueses, que “eram muito bem parecidos”.
Blanchette Fluer recordou também as amigas portuguesas que deixou e de quem perdeu o contacto, lembrando duas irmãs a quem chamava “pequenitas”, mas que eram alguns anos mais velhas. A jovem também tentou ir à escola nas Caldas mas como não compreendia o português, não conseguia seguir as lições.
Com o final da guerra, em 1945, a família regressou à Bélgica. “O meu pai gostaria de ter ficado porque todos adorámos cá estar, mas o meu irmão tinha que retomar os negócios de diamantes da família”, recorda.
Os amigos portugueses foram despedir-se dela ao comboio com flores e a refugiada ainda hoje lamenta não ter ficado com os contactos para depois lhes escrever.

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“Os portugueses são especiais”

De volta a Antuérpia, Blanchette Fluer trabalhou depois nos escritórios de um tio, também ligado aos diamantes e, em 1954, conheceu aquele que viria a ser o seu marido, um fabricante de roupa que a levaria no ano seguinte para Londres. Viveu na capital da Inglaterra até 1984, altura em que o marido se reformou e passaram a viver seis meses na América (durante o Inverno), três meses na Bélgica, um mês no sul de França e dois meses com a filha, em Londres.
Ao 82 anos, teve que ser operada ao coração e, por isso, mudou-se definitivamente para Londres onde vive com a filha. Foi aliás, a filha, Danielle Fluer, quem desde Fevereiro começou a organizar esta visita a Portugal e, sobretudo às Caldas. “A minha mãe sempre disse que foi muito feliz em Portugal e de como lhe salvaram a vida”, disse, destacando que os “portugueses devem estar muito orgulhosos porque são especiais, valiosos pela sua generosidade para com os outros”.
Na recepção que teve lugar na Câmara, a octagenária Blanchette Fluer viu o filme sobre os refugiados das Caldas da década de 40, da Fundação Spielberg – que a Gazeta das Caldas deu a conhecer há dois anos – e recordou alguns locais e vivências da época. Proferiu algumas palavras em português e fez questão de cantar uma canção tradicional da altura em que cá esteve – o Tiro Liro Liro. No mesmo dia deu ainda uma entrevista à RTP.
Das mãos da vereadora Maria da Conceição Pereira recebeu a medalha da cidade, assim como livros de história local e muitas flores. A autarca destacou que as Caldas “recebe bem” os refugiados e que a sua estadia na cidade foi relevante para a cultura local. “Foi muito importante sobretudo para as senhoras, porque as estrangeiras eram muito mais avançadas naquela época, usavam calças, fumavam e iam aos cafés”, disse.
Também a historiadora Isabel Xavier, da Associação PH (Património Histórico) falou sobre a literatura relacionada com a temática e comentou as imagens antigas da cidade.

 

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