Zélia Oliveira
Jornalista e investigadora
Os documentos da comissão de inquérito ao 16 de março de 1974 revelam que para o regime havia indícios de que a “manifestação” já estaria planeada antes do dia 15, uma vez que descobriu que foram preparados boletins para as viaturas, alimentação e o fornecimento de indicativos para a rede de rádio. O regime também sabia que no Regimento de Infantaria 5 (RI 5) das Caldas se tinham solidarizado com os militares transferidos (entre os quais Vasco Lourenço, da direção do Movimento das Forças Armadas – MFA, que é mandado para os Açores dia 9) e no dia 12 de março tinham ido junto do comandante interino manifestar apoio aos generais Costa Gomes e António Spínola, que dia 14 seriam demitidos por não comparecerem na manifestação de apoio à política governativa.
O relato das inquirições descreve o que apurou da noite da saída da coluna. No dia 15, o capitão Armando Ramos chega ao RI 5 e informa que “outros oficiais obtiveram a confirmação de que a Escola Prática de Infantaria e a Escola Prática de Cavalaria já estavam na rua, pormenor que foi confirmado passando o telefone de ouvido em ouvido de vários oficiais”, acrescentando não se lembrar com quem falou. Depois, na sala de oficiais, disse “iam para o aeroporto onde aguardariam ordens”, não revelando de quem, mas referindo que a coluna “não levava intuitos bélicos”.
Além da preparação da saída, foi tratada a “neutralização do comando da unidade”. Para isso, um grupo de oficiais entre capitães e tenentes vão neutralizar o comandante, o 2.º comandante e o tenente Lourenço que estava com eles. Ramos disse que se lembra de ouvir furriéis e cabos milicianos dizerem “também vou” ou “também quero ir”, pois constava que iam sair várias unidades do Porto, Lamego, Santarém, Mafra, Évora e Lisboa, o que não se verificou.
A coluna de 12 viaturas saiu das Caldas cerca das 04:00 da manhã.
O comandante da Companhia de Caçadores do RI 5, Piedade Faria, respondeu aos inquiridores que cerca das 07:30, a coluna parou. Ramos foi ao encontro de Ferreira e Monge, que estavam numa viatura própria e é informado de que devem voltar para trás, pois as forças leais ao regime estão mais à frente. Chegaram às Caldas cerca das 10:30 e foram arrumar as armas. Depois, “o pessoal foi para o refeitório onde alguém arranjara comida”. Entretanto, chegaram as tropas afetas ao regime para exigir a rendição, tendo o quartel sido cercado.
Depois do 16 de março o poder político concentrou a sua atenção sobre os revoltosos, uma vez que tinha como certo que Spínola controlava o MFA. Esta atitude beneficiou o movimento porque desviou a atenção sobre outros militares do MFA como Otelo Saraiva de Carvalho, que se tornou no estratega do golpe que sairia vitorioso em 25 de Abril de 1974.