Rui Marques é caldense. Joana Portela, natural de Sintra. O jovem casal de professores partilha com a Gazeta das Caldas o seu testemunho de emigrantes que um dia espera regressar a Portugal.
A aventura começou na China, atualmente desenrola-se no Qatar, mas o objetivo é continuar a crescer profissionalmente em novos países até fazer as malas de volta às Caldas da Rainha.
Normalmente comprar orégãos num supermercado é uma tarefa simples. Encontramos o corredor das ervas aromáticas, pegamos no frasco e dirigimo-nos à caixa para pagar. Levamos o quê? Cinco minutos, se não houver muita fila. Mas na China, do outro lado do mundo, algo tão simples como comprar orégãos pode tornar-se um verdadeiro desafio. “Os supermercados têm três andares e assim que os chineses percebem que somos estrangeiros, mostram-se pouco disponíveis para ajudar”, conta o caldense Rui Marques, acrescentando que nem fotografias ou traduções se mostraram úteis quando viveu esta situação.
Rui Marques tem 37 anos, é professor de Educação Física e em 2015 aceitou uma proposta que o levou até Pequim. O caldense descreve a experiência como “um passo de fé”, embora reconheça que emigrou em condições muito diferentes da geração dos seus pais, por exemplo, que se aventurou “a salto” para França. Na China, além de um bom leque de palavras em mandarim, foi obrigado a acrescentar uma nova palavra ao seu dicionário: resiliência.
Nos primeiros tempos é preciso ser paciente porque a comunicação é difícil (poucas pessoas sabem falar inglês) e o cidadão chinês não é tão simpático como o português. “Não existe o calor humano que encontramos no nosso país, e embora os chineses sejam muito boa gente, ao princípio não se aproximam muito”, revela Rui Marques, confessando que a adaptação inicial foi “dura”.
Viu-se sozinho no meio de uma multidão avassaladora, numa cidade onde nunca há silêncio e em que é preciso usar máscara quase todos os dias da semana para conseguir respirar sem poluição. “Depois de te habituares, começas a aproveitar o dia-a-dia, consegues abstrair-te daquela gente toda, compreendes o que está escrito numa placa e sentes-te feliz”, explica o caldense, que antes de partir para Pequim trabalhava na Câmara de Óbidos.
À procura de novos desafios profissionais, Rui Marques pediu licença sem vencimento, inscreveu-se numa agência de recrutamento internacional – a Search Associates – e começou a construir um bom currículo. A oportunidade de leccionar numa escola primária na capital chinesa surgiu após centenas de candidaturas enviadas. Joana Portela, 33 anos, educadora de infância e sua esposa – natural de Sintra mas apaixonada pelas Caldas da Rainha – seguiu o mesmo caminho no ano seguinte.
“Acho que tomámos a decisão de emigrar porque precisávamos de sair da nossa zona de conforto e tínhamos muita vontade de crescer profissionalmente, de conhecer novas realidades na área do ensino”, conta Joana Portela, realçando que a escola chinesa é muito diferente da portuguesa. Mais competitiva, os alunos são educados desde crianças para serem os melhores da sala de aula. Por isso, os pais investem bastante na educação dos filhos. “Eles são tantos, que ter um filho numa das melhores universidades do país é um grande motivo de orgulho”, explica a educadora, a quem impressionou o facto das crianças brincarem muito pouco no jardim de infância. “Passam a maior parte do tempo a fazer fichas. E embora a sala tenha imensos brinquedos, basicamente é como se estivessem em exposição porque os meninos raramente pegam neles para brincar”, revela.
DA CHINA PARA O QATAR
Depois da experiência na China, o casal decidiu o ano passado abraçar um novo desafio no Qatar (médio Oriente). Pequim deixaria saudades pelas amizades criadas com os colegas de trabalho – que costumavam socializar nas casas uns dos outros e juntar-se num bar que às quintas-feiras promovia noites de quizz –, pelo pato à Pequim e o frango com amendoins, ou pela velha mota que foi o meio de transporte para muitos passeios, incluindo até às muralhas da China.
No Qatar, Rui Marques e Joana Portela dão aulas na escola que é frequentada pela família real. E o seu dia-a-dia é completamente diferente da rotina chinesa. Faz tanto calor que andar uma distância equivalente ao percurso entre o CCC e a Praça da Fruta é um verdadeiro pesadelo. As temperaturas são tão altas que o calor derrete a sola dos sapatos e o sol é tão brilhante que custa abrir os olhos na rua.
Por outro lado, as pessoas têm sempre um sorriso na cara. São realmente simpáticas e a maioria fala inglês. O ambiente é mais cosmopolita que em Pequim e na escola há um enorme respeito pela criança, que é incentivada a brincar e a explorar a sua criatividade.
Depois do calor, a segunda maior dificuldade no Qatar é circular na estrada. “Embora o povo seja bastante calmo, no trânsito torna-se impaciente e agressivo”, conta Rui Marques, que primeiro alugou uma pequena Suzuki Swift, mas rapidamente se apercebeu que era mais seguro conduzir um carro maior.
Nos últimos dois anos, Rui e Joana também têm aproveitado as pausas do período lectivo para viajar: Harbin e Xangai (China), Japão, República Checa, Vietname, Indonésia, Tailândia e Turquia são os destinos que já visitaram.
Sobre o futuro, o jovem casal só tem uma certeza: um dia querem regressar ao seu país. E essa certeza cresce sempre que vêm passar férias a Portugal. Até lá, não há nenhum país onde sonhem trabalhar como professores, por isso o objetivo é viver o dia-a-dia consoante as oportunidades que se forem atravessando no seu caminho.