“Sou um apaixonado pela enfermagem porque gosto de pessoas”

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Francisco Neto, Enfermeiro Especialista
Francisco Neto é enfermeiro especialista no serviço de Urgência Pediátrica do Hospital das Caldas -Natacha Narciso
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O que há de especial na profissão de enfermeiro? Como é trabalhar todos os dias com crianças? E o que é que está mal na carreira de enfermagem? Francisco Neto, enfermeiro no serviço de Urgência Pediátrica do Hospital das Caldas conversou com a Gazeta das Caldas sobre estas questões e mais algumas. O pretexto? Amanhã, dia 12, celebra-se o Dia Mundial do Enfermeiro. Francisco Neto é também o único representante directo da Ordem dos Enfermeiros nas Caldas da Rainha.

Natural de Mação, Francisco Neto queria ser professor de Educação Física. Sempre gostou de desporto e durante muitos anos jogou futebol federado. Chegou mesmo a fazer (e foi aprovado) nos exames de admissão da Faculdade de Motricidade Humana de Lisboa. Mas a média trocou-lhe as voltas porque não teve nota suficiente para entrar no curso.
“Como também gostava da área das lesões desportivas, uma tia minha que era médica sugeriu-me que seguisse Enfermagem”, conta Francisco Neto à Gazeta das Caldas, realçando que tropeçou na área da saúde por acaso mas acabou por se apaixonar pela profissão durante a licenciatura (bacharelato na sua época).
Estudou em Leiria e depois veio trabalhar para as Caldas, há quase 30 anos. Conquistou-o o mar, o Chafariz das 5 Bicas e uma caldense, com quem viria a casar-se mais tarde. “Lembro-me que fui muito bem recebido pelas enfermeiras Isabel Cunha e Evangelina Semeão, numa altura em que o Hospital até dava alojamento aos enfermeiros e as condições eram diferentes”, recorda. Começou por integrar o serviço de Urgência Geral mas quando decidiu ser pai quis experimentar a Urgência Pediátrica. Queria aprender a cuidar melhor dos seus filhos. Actualmente, permanece na Pediatria e também trabalha nos veículos de emergência do INEM (incluindo o helicóptero), dá formação e é enfermeiro do trabalho.
Recentemente, Francisco Neto concluiu o mestrado em Enfermagem Comunitária. “Gosto muito de trabalhar com situações agudas, mas os cuidados primários são determinantes, acho mesmo que o grande investimento deve ser feito na prevenção”, diz o enfermeiro, explicando que sua especialização aborda terapêuticas que são centradas nas necessidades de saúde (e não na doença e respectiva cura) e numa relação com o doente que perdure no tempo e não se esgote no momento da consulta. Mais: a prevenção pressupõe também que a própria pessoa faça parte da gestão da sua doença e da saúde da sua comunidade.
“Agora o paciente participa activamente no seu tratamento, é ele quem decide o que fazer perante várias opções que lhe são dadas, antes era o médico que tinha o papel de protagonista”, afirma Francisco Neto, dando conta que o diagnóstico de enfermagem é holístico, ou seja, tem em consideração a pessoa no seu todo e não apenas as partes do corpo onde se desconfia que haja um problema de saúde. No seu caso, que trabalha diariamente com crianças, os pais fazem parte do diagnóstico, por exemplo.
O enfermeiro reconhece que nem todos os colegas gostam do serviço de Pediatria porque não é fácil lidar com o choro da pequenada. Mas diz também que o tempo lhes dá a experiência para saberem interpretar as birras. Há delas que significam saudades dos pais, outras fome ou então que estão com dores. O mais fascinante é que as crianças não mentem.

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“A REFORMA NÃO ME PREOCUPA”

Há quase 30 anos no Hospital das Caldas, Francisco Neto garante que não se apercebeu da passagem do tempo. “Com 51 anos, a reforma não me preocupa. Vão ter que me aturar até que ‘a voz me doa’, como costumam dizer os fadistas”, reforça, acrescentando que a sua profissão é ideal para quem gosta de manter contacto com as pessoas.
Há vezes em que o material está obsoleto e escasseiam os recursos. Mas os enfermeiros não podem transparecer as dificuldades nem aos doentes nem aos pais. “As pessoas confiam em nós, por isso só temos que transmitir confiança e garantir que vai correr tudo bem”, diz Francisco Neto, realçando que “havendo adesivo e boa vontade, tudo se faz”. É preciso vestir a camisola do serviço, manter uma postura o mais integra possível e ser-se desenrascado (mantendo o profissionalismo). Sendo a Urgência o cartão de visita de qualquer hospital, maior a responsabilidade de fazer boa figura.
Sujeitos à pressão dos pais, os enfermeiros não se devem esquecer que a prioridade são as crianças. É este o conselho de Francisco Neto. “Hoje em dia os pais não podem faltar aos empregos e revoltam-se quando chegam ao hospital e lhes dizemos que o filho tem uma virose. Isto porque os antibióticos não tratam os vírus, a recomendação é que a criança fique em casa resguardada, só que eles não têm vida para isso”. Preocupante é que nalguns casos os profissionais de saúde cedem à pressão dos pais e receitam medicação que atenua mas não resolve o problema.
E quando morre uma criança? Francisco Neto já se viu perante situações dramáticas. Já passou uma noite inteira a dar oxigénio a um bebé através de um tubinho para na manhã seguinte receber a notícia que não havia sobrevivido. “Mas não podemos encarar essas lutas como batalhas perdidas, pois temos a consciência que fizemos sempre tudo o que pudemos”, diz.

“OS ENFERMEIROS TÊM UM PAPEL DETERMINANTE NO SNS”

Os enfermeiros passam 24 horas à cabeceira do doente mas são também dos profissionais de saúde que mais têm sido desvalorizados no sistema de saúde. “Temos um papel determinante na sustentação do Serviço Nacional de Saude, mas depois deparamo-nos com um sistema que está completamente do avesso”, sublinha Francisco Neto, pronto em afirmar: “não estamos satisfeitos e já não acreditamos em promessas”.
No seu caso, não lhe é reconhecida a carreira técnica nem a sua especialidade, embora tenha feito toda a formação necessária para o efeito (além da licenciatura e do mestrado, frequentou várias pós-graduações). “Aquilo que mais me custa é saber que este meu descontentamento se pode reflectir nas crianças com quem trabalho todos os dias”, confessa, notando que a enfermagem ainda não conseguiu uma exposição mediática (principalmente na televisão) que amplifique os problemas que são igualmente reais fora do grande ecrã.
Como membro da Ordem dos Enfermeiros, Francisco Neto procura estar perto das pessoas que decidem. E embora saliente que este é um órgão regulador e transversal cuja preocupação passa por assegurar a satisfação do enfermeiro, não tem um papel reivindicativo como os sindicatos.
“É claro que não deixamos de estar presentes nas manifestações, até porque o nosso lema é que ninguém está sozinho, mas não nos envolvemos diretamente em quezílias relacionadas com as injustiças salariais, por exemplo”, explica Francisco Neto, assegurando que um dos principais objetivos da Ordem é intervir juntos dos sindicatos para que haja uma só voz entre todas as entidades em vez da procura por protagonismos que em nada favorecem a classe da enfermagem.

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