A VMER – Viatura Médica de Emergência e Reanimação das Caldas fez a sua primeira saída às 22h00 de um 15 de Maio de 2002 para atender uma doente diabética. Desde então foram muitos milhares de quilómetros percorridos para prestar um primeiro socorro às vítimas e salvar muitas vidas.
Actualmente o serviço é garantido por 27 médicos (muitos deles internos) e 16 enfermeiros, com uma média de seis saídas por dia. Gazeta das Caldas acompanhou um turno (oito horas), com o coordenador da VMER, o médico Joaquim Urbano, e o enfermeiro Nuno Pedro, e conta-lhe como é estar do lado de dentro da emergência médica. Problemas de origem respiratória e cardíaca, bem como os acidentes, são os principais motivos para as saídas.
Médicos e enfermeiros a renderem-se num turno. Cada equipa faz oito horas.
Vinte e um de Setembro de 2018, 8h00. Mudança de turno no serviço que assegura a VMER nas Caldas da Rainha. A médica e enfermeira que fizeram o turno da noite actualizam os seus substitutos, o enfermeiro Nuno Pedro e o médico Joaquim Urbano, sobre a noite relativamente tranquila que tiveram e saem de serviço. São agora eles quem prepara os equipamentos na viatura, de modo a estar operacional e preparada para sair a qualquer momento.
A espera é curta. O primeiro telefonema chega às 9h21 e a saída faz-se para a Nazaré, para assistir um idoso de 71 anos, que se queixava com uma dor torácica. A VMER faz-se à estrada, sai do hospital caldense, apita para tentar desenvencilhar-se do trânsito da cidade e segue pela A8 até Valado dos Frades, seguindo depois pelo novo IC9 até à zona norte da Nazaré, onde o doente já estava a ser assistido pelos bombeiros. Um percurso rápido de pouco mais de 10 minutos, muito graças às novas acessibilidades, e que permitiu auxiliar o doente, que tinha uma dor torácica há quatro dias, mas sem complicações, e que foi depois transportado para o Hospital de Alcobaça, com o médico a acompanhar o paciente na ambulância. Nova saída das Caldas, desta feita para Alvorninha. A ligação é feita pelas 11h35 e o destino é um lar de idosos no Casal da Granja, onde a vítima se queixa de falta de ar intensa (dispneia). Apesar da distância não ser muito longa, o socorro não foi tão rápido como seria previsto porque a viatura perdeu-se. A falta de indicação das localidades de forma visível e de referenciação no GPS são algumas das dificuldades com que os profissionais se debatem, acabando por ser as pessoas na rua (quando as há) a dar a indicação do percurso.
O doente, que tinha começado a ser socorrido pelos Bombeiros das Caldas da Rainha, foi depois transportado para o hospital caldense.
Almoço fica na mesa
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Entretanto já passa das 13h00 e é altura de retemperar forças. A equipa dirige-se a um restaurante nos arredores da cidade, mas quando a comida está mesmo a chegar à mesa, surge uma nova chamada. Nem houve tempo para provar o prato – só mesmo para pegar na mala e entrar na viatura para chegar, o mais rapidamente possível, a Santa Catarina. Uma tarefa que não se afigurou fácil pois a EN 360 é inimiga de quem tem pressa, com as suas curvas e contracurvas, e as obras de remendos que nela decorrem.
À porta da casa de onde veio o pedido de ajuda já estava a ambulância dos Bombeiros da Benedita e lá de dentro não vieram boas notícias – uma octagenária, acamada há vários anos, tinha acabado de falecer. Neste caso os profissionais de saúde não puderem fazer mais do que tratar da parte administrativa. O regresso faz-se pelo mesmo percurso até ao mesmo restaurante onde o proprietário, já tarde fora, recebe a equipa com travessas que vêm a fumegar directamente da cozinha.
Não é a primeira vez que isto acontece. O enfermeiro Nuno Pedro recorda que há dias em que chegam a tentar ir almoçar por três ou quatro vezes, e que não conseguem, acabando por desistir.
A VMER está sediada num pré-fabricado dentro do Hospital Distrital
O turno acaba às 16h00 para estes profissionais. A base da VMER é um pequeno edifício composto pela sala de estar (onde se encontram as escalas e o computador com os registos a realizar, entre outro equipamento) e uma sala com o material que utilizam nas deslocações (e que é sempre reposto após o serviço). Existe ainda o quarto do enfermeiro e o do médico, para poderem descansar, sobretudo durante a noite, nos tempos mortos. Os enfermeiros fazem turnos de oito horas e os médicos de oito ou 12 horas, consoante os dias e as necessidades.
Ao lado, a garagem acolhe a viatura médica, uma carrinha antiga com muitos quilómetros. O CHO é, aliás, o único centro hospitalar no país que ainda não recebeu as novas viaturas VMER, depois de todos os outros já contarem com elas desde Janeiro do ano passado. O facto de, à data desta reportagem, o centro hospitalar ainda não ser EPE, não tinha permitido a aquisição directa da viatura, tendo esta que ser fornecida pelo INEM, e estar dependente dos seus procedimentos concursais.
Os profissionais consideram que todo este atraso é “uma vergonha”, tendo em conta que a viatura lhes foi prometida para sua segurança e dos utentes. “Explicaram-nos que demorava mais pelo facto do centro hospitalar ser SPA, mas quando temos que ir socorrer uma vítima o mais depressa possível, ela não sabe, nem quer saber, distinguir o estatuto, quer é ser socorrida”, realça o médico Joaquim Urbano, que é também coordenador da VMER caldense.
Paragens cardíacas e respiratórias no topo das saídas
O placard colocado na parede da sede regista que em Agosto muitas das saídas médicas foram para acolher acidentes de viação, alguns com desfechos trágicos, num total de 157. No entanto, de acordo com o enfermeiro Nuno Pedro, a maioria das chamadas são para acudir problemas de origem respiratória e cardíaca.
Sediados nas Caldas, mais de metade das saídas são para locais dentro deste concelho. A seguir vem o concelho de Alcobaça, tendo em conta que Benedita, S. Martinho do Porto e Alfeizerão drenam para o hospital das Caldas. Segue-se Bombarral, Óbidos e Peniche como concelhos destino da VMER.
Esta, no entanto, pode ir para mais longe, sempre que tal se justifique. Por exemplo, já foram das Caldas para Mira d’Aire, Rio Maior e Santarém para prestar socorro. As viaturas de emergência médica existentes nas proximidades são as de Leiria, Torres Vedras e Santarém.
Nuno Pedro dá ainda o exemplo de Turquel, em Alcobaça, onde a equipa caldense consegue chegar em menos de 15 minutos, enquanto que a de Leiria (área a que pertence a localidade) demoraria o dobro do tempo.
A VMER pode ser activada através de rádio, computador e telemóvel, sendo esta última a solução mais utilizada, até porque, tal como a Gazeta das Caldas teve oportunidade de confirmar, são muitos os locais onde o rádio do SIRESP (Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal) não tem rede. Isto, apesar desta operadora (SIRESP) garantir a cobertura total do território nacional.
Competência técnica, sangue frio e espírito de equipa
O médico Joaquim Urbano e o enfermeiro Nuno Pedro estão neste serviço desde a sua formação
A VMER das Caldas fará 17 anos no próximo 15 de Maio. Fez a sua primeira saída em 15 de Maio de 2002 para atender uma doente diabética e até 2010 nunca esteve inoperacional. Desde então houve alguns períodos em que o serviço não funcionou, por falta de pessoal para garantir as escalas, especialmente médicos. E apesar do protocolo prever que em caso de faltar um profissional na VMER pode-se recorrer aos do serviço do hospital, Joaquim Urbano diz que, “com a falta de profissionais, isso é impraticável”.
Formador do INEM, o enfermeiro coordenador da VMER, Nuno Pedro, destaca que quase todos os profissionais da área da saúde tiram o curso e dizem acalentar o sonho de infância de trabalhar na viatura de emergência médica. No entanto, depois apercebem-se que não têm vocação ou então surgem-lhes outras propostas mais rentáveis e deixam de colaborar.
E que características têm que ter para serem um bom profissional da VMER?
Nuno Pedro considera que não há um perfil em concreto, mas que a pessoa tem que possuir conhecimento técnico e científico, ter cabeça e sangue frio, ser atenta, crítica, mas não pode ser burocrata. Já o médico Joaquim Urbano acrescenta espirito de equipa, destacando que este é dos sítios onde os profissionais mais se põem à prova, não só entre elementos da equipa, como também com os bombeiros, Cruz Vermelha, forças de segurança e até mesmo com as equipas de serviço nos lares. “Tem que ser uma pessoa extremamente compreensiva”, acrescenta o médico, porque às vezes ao chegar ao local concluem que a chamada era desnecessária (e inútil a deslocação da VMER), e noutras vezes que deveria ter sido pedido socorro mais cedo porque acabaram por chegar tarde.
Trabalhar na VMER deixa marca nos profissionais, sobretudo pela violência de algumas ocorrências, sobretudo acidentes. Não é fácil lidar com o sofrimento extremo, a dor, a morte. Mas, por outro lado, às vezes há situações felizes, como o nascimento de crianças. Apesar das adversidades, enfermeiro e médico não poupam elogios ao sistema de emergência pré-hospitalar.
De acordo com o coordenador da VMER, este sistema garante o “exterior do serviço de urgência”, sendo depois deslocada a vítima para um dos vários hospitais da região. O médico pergunta sempre aos bombeiros qual é o hospital que se situa mais perto e para onde se faz uma viagem mais estável. “É para esse hospital que vamos”, diz, acrescentando que, por vezes, podem seguir directamente para Lisboa, se o CODU (Centro de Orientação de Doentes Urgentes) assim o entender.
O problema dos alarmes falsos
A criação da VMER nas Caldas resultou da percepção de que havia vítimas de acidentes e de doenças súbitas que teriam um melhor diagnóstico se fossem socorridas no local do acidente. Vários profissionais juntaram-se solicitaram junto da administração, na altura presidida por Mário Gonçalves, a existência de um serviço pré-hospitalar no centro hospitalar das Caldas da Rainha.
Após as conversações entre Mário Gonçalves e a direcção do INEM, começaram a trabalhar na abertura do serviço e na formação do pessoal médico e de enfermagem. Durante uma formação, que decorria nas Caldas em Fevereiro de 2002, a equipa de médicos foi informada de um acidente no viaduto da Fanadia, que andava a ser construído para a A15, e foram todos para o local com a viatura, totalmente equipada, que tinham para a formação, mostrando a eficácia do serviço.
Pouco tempo depois, a 15 de Maio, começou a funcionar o serviço, com a equipa sediada no serviço de urgência, num gabinete cedido pelo director de serviço. Alguns meses mais tarde passaram para a base, construída num pré-fabricado de madeira, no perímetro do hospital, que ainda hoje se mantém. O médico Joaquim Urbano e o enfermeiro João Gomes asseguraram o primeiro turno e o segundo coube ao enfermeiro Nuno Pedro e à médica Paula Amorim.
Nuno Pedro recorda que a sua primeira saída na VMER foi para acudir a uma pessoa que estava com dispneia (dificuldade em respirar) no Bairro das Morenas e a segunda para o parque de estacionamento que existia no local onde está hoje o CCC, para socorrer um toxicodependente que estava com uma overdose. “Administrámos-lhe o remédio, ele acordou, pegou no monte de notas que tinha, abriu a porta da ambulância e foi embora”, recorda.
O enfermeiro constata que nos primeiros anos deste serviço eram chamados muitas vezes para socorrer toxicodependentes com overdoses e que agora já praticamente não registam essas chamadas. Agora dominam as ocorrências por motivo de acidentes e problemas com idosos em lares. Também, de quando em vez, há alarmes falsos, que levam os profissionais a perder tempo e gastar recursos, podendo inclusivamente deixar de prestar socorro a quem realmente dele precisa.
Um mini-hospital sobre rodas
A viatura possui a suspensão reforçada poder suportar os quase 900 quilos de carga médica
A VMER é praticamente igual a uma carrinha familiar, mas possui a suspensão reforçada para suportar os cerca de 900 quilos de equipamento médico que leva a bordo. Nela viaja toda uma panóplia de instrumentos, que vai desde um monitor-desfibrilhador Lifepak, a uma mala médica com todos os fármacos que são necessários para as urgências, passando por material de trauma e de reserva, ventilador, malas de oxigénio, kits de parto, um aspirador, um frigorifico e um aquecedor de medicamentos. Há soro quente e frio e ainda uma válvula para ajudar numa patologia específica, que é o edema agudo do pulmão. No fim de contas, esta viatura é um autêntico hospital sobre rodas para os cuidados de urgência e emergência.
Associação Cívica ensina a salvar vidas
Simulação de como aplicar o desfibrilhador
A SALVAR – Associação Cívica do Oeste, com sede nas Caldas da Rainha, promoveu um curso de Suporte Básico de Vida com Desfibrilhação Automática Externa, essencialmente para elementos da comunicação social local e delegados de informação médica. A acção, na qual a Gazeta das Caldas participou, decorreu no passado dia 20 de Outubro na sede da União de Freguesias de Nossa Sra do Pópulo, Coto e S. Gregório.
“Foi uma forma de agradecer aos jornalistas que nos ajudam a divulgar as acções que fazemos e porque entendemos que é importante mostrar para fora o nosso trabalho”, disse o formador Nuno Pedro. Actualmente a SALVAR é uma das poucas entidades habilitadas da região para dar este curso e os responsáveis pretendem mostrar “a quem dá as notícias a importância que isto pode ter para salvar uma vida”, acrescentou.
O suporte básico de vida é a segunda acção a tomar em casos de paragem cardio-respiratória, logo a seguir a dar o alerta ao 112. Consiste em comprimir o tórax e ventilar, podendo em vários casos salvar vidas. Segue-se a desfibrilhação (choque eléctrico controlado), que só pode ser utilizado em pessoas que não têm sinais de vida pois trata-se da aplicação de uma corrente eléctrica num doente, fazendo com que o sangue volte a circular.
A possibilidade de operar dispositivos de DAE (Desfibrilhação Automática Externa) era restrita a médicos até 2010, mas a alteração da legislação permite, desde então, iniciar programas de formação fora do âmbito hospitalar ou da VMER (Viatura Médica de Emergência e Reanimação). A equipa da VMER das Caldas da Rainha, que já desde 2003 ministrava cursos de Suporte Básico de Vida em escolas e em instituições que os solicitassem, constituiu-se então como associação e passou a fazer a formação em suporte básico de vida com DAE, sendo, na região Oeste, a primeira entidade credenciada para o fazer.
O objectivo é que o maior número possível de pessoas possam ter formação em DAE pois, em caso de emergência, se o aparelho for usado entre os primeiros três a cinco minutos a probabilidade de recuperar o doente varia entre os 50 e os 80%.
De acordo com o formador, Nuno Pedro, esta formação devia de ser ensinada nas escolas e, mais tarde fazerem-se certificações, de modo a que toda a população a tivesse.
A acção foi ministrada pelos enfermeiros Nuno Pedro, Nuno Franco e Luís Silvério, e o médico Joaquim Urbano, da associação Salvar.
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