Nuestros hermanos! Cultura & Território

José Ramalho
ator & marionetista

Ciudad Rodrigo é um povoado espanhol, com cerca de 14.000 habitantes, junto à fronteira de Portugal, a 30 km de Vilar Formoso.
Vindo à cena da vida em 1932 no Norte de África, é em Ciudad Rodrigo que o dramaturgo Fernando Arrabal aprende a ler, a escrever e vence o prémio nacional de “superdotado” aos 10 anos. A principal sala da cidade responde por Teatro Nuevo Fernando Arrabal numa justa homenagem a um dos mais controversos artistas da modernidade.
Entre 23 e 27 de agosto decorreu a 25ª Feria de Teatro de Ciudad Rodrigo, sob a direção de Manuel González, com um programa intenso para todos os públicos, ocupando as Salas de Teatro, os Pátios, Pavilhões, as Ruas, desde as 10h00 da manhã até à 1h00 da madrugada. A cidade amuralhada foi invadida por 47 companhias de Teatro de Espanha & de Portugal, correspondendo a participação lusitana a cerca de 15% da programação. Esta presença em terras de Espanha insere-se numa estratégia da organização, que desde sempre, procurou estabelecer e promover as pontes na promoção da boa vizinhança artística. Afirma-se esta, pelas parcerias com Companhias lusas, nos desafios para projectos de criação luso-espanhóis, nas reuniões institucionais, vincada nesta edição pela reunião entre a Red de Teatros de España e a DGArtes do Ministério da Cultura português, representado por Américo Rodrigues.
A Festa do Teatro, invadiu Ciudad Rodrigo e os peregrinos da Arte de Talma marcaram presença, com 30.000 espectadores, vindos das mais distintas paragens de Espanha e de Portugal, ocupando as Plateias, formais e informais, as esplanadas, os Restaurantes, os Hotéis, com um significativo impacto na economia da região.
Como nota epicurista, ao visitarem Ciudad Rodrigo, não deixem de saborear as iguarias piscívoras na “Pulperia”, numa rua por trás da Plaza Mayor e repartam os prazeres do palato com o templo das iguarias carnívoras, de seu nome “La Artesa”, ao cimo da dita Plaza Mayor.
Em meados dos anos 90 do século passado, o meu amigo Juan Carlos, não o monarca, mas de apelido Sanchéz, pároco de Ciudad Rodrigo, interessado nas práticas teatrais foi à Fira de Tárrega, na Catalunha, o mais importante certame dedicado aos espetáculos de Rua. Encantado com o que viu, sonhou criar um evento desta natureza que provocasse um impacto na sua terra, capaz de contrariar a desertificação que assistia na segunda quinzena de Agosto com a partida dos seus emigrantes, regressados aos países de acolhimento. Reuniu com os amigos Rosa Cano (1962-2012) e Javier Prado, criaram a associação CIVITAS e em 1998 iniciaram o caminho com a 1ª Feria de Teatro de Castilla y Léon | Ciudad Rodrigo. Nesse percurso foram crescendo, afirmando-se no território, numa intervenção sócio-cultural na região envolvente da Serra de Francia, com ações de formação e uma programação diversa, levando as Artes do espetáculo até aos locais mais recônditos, num trabalho laborioso que foi dando os seus frutos, qualificando e capacitando as populações, em particular os jovens.
No ido de 2006 fui testemunha na primeira linha, do impacto do trabalho da CIVITAS, quando estive neste território 08 meses, a coordenar a criação de um conjunto de esculturas e cenografias para o espectáculo de rua associado à Exposição “EDADES DEL HOMBRE”, dirigindo uma equipa de jovens actores espanhóis e brasileiros no espectáculo “Auto da Barca do Inferno” de Gil Vicente estreado na 9ª Feria de Teatro e tendo também estreado o meu espectáculo “Contos do Mundo”.
A Arte como parte integrante na promoção da Cultura é indiscutível, o seu impacto vai para lá do imediato, tem uma intervenção que perdura no tempo e deixa um lastro, capaz de revolucionar os territórios. A tão falada massa crítica das sociedades, constrói-se neste húmus, provocando, promovendo e elevando as necessidades associadas às marcas identitárias, ao pensamento simbólico, estruturante numa sociedade criativa. Indissociável na intervenção do tecido económico, é nas elites do pensamento que a “polis” se afirma.