Certas coisas sabem-se por intuição, antes de se saberem pela razão e, talvez por isso mesmo, sabem-se melhor, mais completamente e mais inequivocamente. Depois, pode a experiência em concreto corroborar o que já sabíamos de antemão, pode completar um ou outro aspecto que não antecipámos, preencher uma ou outra lacuna para a qual não estávamos alertados ou mesmo preparados, mas o saber já lá estava presciente e ufano a iluminar aquilo que os sentidos iriam dar à razão para que esta operasse o seu desígnio.
E foi isto que me aconteceu no dia em que soube que a Ana Araújo – filha da terra e a dar os primeiros passos na aprendizagem das artes do cinema em Londres – iria apresentar a curta metragem ‘Sweet Amelia’, resultado de um trabalho académico merecedor do primeiro prémio dos alunos do segundo ano da Universidade de Middlesex.
Logo que soube do evento, soube também que não deixaria de estar presente e que iria dar por bem empregado o meu tempo!
Uma tão firme propositura carecia, aparentemente, de fundamento, já que nunca tinha visto qualquer trabalho da Ana Araújo, mas a verdade é que a depuração estética, a rigorosa economia narrativa e a sólida construção das personagens, numa perfeita articulação das variantes tempo e espaço que encontrei no filme, e, por último, o ‘twist in the tail’ da cena final, que arranca um genuíno e aflitivo soluço nas gargantas dos espectadores, foram a confirmação da elevada expectativa que antecedia o evento.
Do filme sabia apenas que tinha imagens dos pavilhões do parque D. Carlos I, espaço que por si só já representa um poderoso coadjuvante estético em qualquer trabalho artístico. No entanto, os demais cenários – registos rurais de um Portugal endógeno e visceral que apenas um português reconhece – sem a grandiosidade decadente e romântica dos pavilhões do parque, mas cheios de signos da nossa memória colectiva, foram criativamente aproveitados, mostrando que o alcance visual deste trabalho não se refugiou em lugares-comuns, antes partiu da matéria-prima existente para a construção hábil de um ambiente pós-apocalíptico, de rigorosa expressão estética, sublimado mas não obscurecido pela memorável representação da actriz Custódia Gallego, que dá corpo à personagem Amelia.
Andaram bem as autoridades locais ao acolherem este projecto, permitindo o uso de espaços sob sua administração para registo de imagens, e bem andou o CCC por abrir as portas do pequeno auditório, dando palco digno a esta iniciativa e cumprindo a honrosa missão de integrar na sua programação um trabalho de inquestionável valor técnico e artístico de uma jovem caldense que dá os primeiros, mas sólidos, passos na difícil arte de fazer cinema.
A partir desta primeira experiência, é possível antecipar que a Ana Araújo irá longe na arte de fazer cinema, mas a verdade é que Ana já está a ir longe ao conseguir, num momento tão incipiente da sua formação, apresentar um trabalho com esta envergadura. E, se me é permitido o artifício, atrevo-me mesmo a dizer que, se no passado dia 7 de Agosto muitos estiveram presentes para verem o filme da Ana, pressinto que, num futuro não muito longínquo, muitos mais vão querer estar presentes para verem a Ana do filme.
Conceição Henriques
couto.henriques@gmail.com