EPISÓDIOS DE UMA VIDA

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Gazeta das Caldas
Isabel Castanheira
Gazeta das Caldas
Fotografia de Rafael Bordalo Pinheiro, 1863

Lourenço Rodrigues é o autor de um livro de aspecto modesto, intitulado “Anedotas e Episódios da Vida de Pessoas Célebres”, editado pela Livraria Popular Francisco Franco, em Lisboa. Neste livro o autor relata-nos vários episódios, considerados anedóticos, vividos por várias personalidades célebres. Não podiam faltar anedotas relacionadas com Rafael Bordalo.

Ora vamos lá ouvir o que nos conta Lourenço Rodrigues:

“O príncipe da caricatura em Portugal não podia faltar a esta chamada de Pessoas célebres. Conta Julio Dantas que os filhos da família Bordalo desenhavam em volta da mesa até à hora do chá, mas a predileção paterna inclinava-se para o mais endiabrado, o mais vivo, «incapaz de qualquer disciplina mental, impersistente e extremamente impressionável, com uma tendência manifesta para surpreender o lado inédito e pitoresco das coisas». Era Rafael Bordalo.

Um dia, deslumbrado pelo talento histriónico dos Rosas, disse à queima-roupa para o pai que o olhou co espanto: – Meu pai, quero ser ator!

Ao pasmo paterno que o mandou com severidade, retirar da sua frente, o jovem Bordalo não desanimou e chegou a representar num pequenino teatro que funcionou na Costa do Castelo. Mas a mania passou, porque parece que a habilidade era reduzida.

Em 1866, a igreja dos Jerónimos assiste ao seu casamento. Apadrinhou-o o folhetinista Júlio César Machado. Foi um drama para chegar a este lógico desfecho. A mãe da noiva achava que um rapaz que desenhava bonecos, nunca podia dar um bom marido. Enganou-se. Sua filha foi uma grande amiga do genial caricaturista e conta-se que, inquietada com o quase fastio do esposo, imaginava pratos saborosos na ânsia de lhe abrir o apetite fugidio. E Rafael dizia a miúdo: – Como esposo é a mais adorável das cozinheiras e como cozinheira é a mais adorável das esposas!

A sua grande coleção de caricaturas deu-lhe um renome nunca igualado por nenhum artista do género. Quando Castilho teve conhecimento de que ia ser caricaturado no «Calcanhar de Aquiles», chamou a sua casa o pai Bordalo, de quem era velho amigo, suplicando-lhe com comoção: – Peça ao seu filho que não se meta comigo.

Em 1880, representou-se no saudoso Teatro Príncipe Real – o demolido Apolo – uma revista intitulada «O Vale em Lisboa». O grande êxito da peça foi uma coleção de caricaturas em tamanho natural, pintadas por Rafael em grandes ventarolas chinesas. Primeiro, entrava em cena um garoto, trazendo o começo da ventarola com os pés e o princípio das pernas de uma figura. Seguia-se outro mais crescido, com a continuação das pernas que ia pôr no seu lugar. E assim sucessivamente, até a caricatura e a ventarola ficarem completas. O público rompia em aplausos, porque o «clou» da revista era a originalidade do trabalho do criador dos «Pontos nos ii» e do «António Maria», alusão aos primeiros nomes do Ministro Fontes Pereira de Melo.

Mas a sua fama atravessou fronteiras. O director de uma grande ilustração inglesa quis levar Rafael para Londres com um ordenado faustoso. Não aceitou, e mais tarde, em uma das suas crises, confessou-se arrependido. Já com filhos, parte para o Brasil em 1875, onde é recebido com as maiores honrarias. Sempre amigo de fazer partidas, uma delas deu brado no Rio de Janeiro.

Vale a pena contar. O Imperador do Brasil assim que chegava ao Teatro, metia-se no camarote e descalçava as botas, calçando regaladamente uns chinelos. Uma noite, o nosso Rafael teve a ideia de abrir a cortina do camarote e roubar as botas ao Imperador que não se descartou. Saiu em chinelos, cumprimentou a multidão que o vitoriava e meteu-se na carruagem… de chinelos”

Tenho que ficar por aqui; vou ver se descubro onde Rafael escondeu as botas do Imperador.