Paulo Rogério Lage

Lisboa, manhã fria de janeiro de 2019 com aquele céu azul como só a bela cidade do azul sabe ter. Combinado com o amigo Telmo Pereira de nos encontrarmos no CENCAL nas Caldas da Rainha, resolvo ir de trem às Caldas, terra escolhida do amigo José Luiz, que naquela instituição trabalha e com quem à tarde falaríamos.
Embora Portugal tenha ótimas rodovias de belas paisagens no entorno – quem não se apaixona pelas paisagens das estradas do Alentejo? – eu, brasileiro de um país que perdeu o trem – infelizmente, agora também no sentido figurado – resolvo matar as saudades da infância, quando de trem ia para casa de meus avós em Santa Bárbara, cidade nascida no Ciclo do Ouro, situada a 100 km de Belo Horizonte, e me dirijo à Estação Santa Apolônia para embarcar no comboio da Linha Oeste direção Caldas da Rainha. Nas mãos uma pequena e boa máquina para fotografar a paisagem.
Ao ver o comboio, uma certa decepção: os vagões estão completamente grafitados. Entro, talvez de dentro possa ver fora e encontrar alguma forma de fotografar logo de início a belíssima paisagem que sei estaria a minha direita: o estuário do Tejo.
Comboio curto, de poucos vagões, não encontro visibilidade no que havia entrado e começo a buscar à frente, desesperado enquanto o trem se move e as calmas aguas do Tejo não consigo enxergar, muito menos fotografar. O trem faz uma suave curva à esquerda, curva suave que só os trens sabem fazer, e para trás fica o rio não visto.
Resolvo abrir novas portas entre vagões e assustado me dou à cabine. Fecho a porta com pedidos de desculpas, explicando ao Chefe de Trem e ao Maquinista a razão de ali ter entrado.
Talvez pela cara de decepção que deixo transparecer, já que a máquina estava sempre às mãos, mas com certeza e principalmente pela delicadeza dos da terra, recebo a instrução de que não poderia ali ficar, mas a porta poderia ficar aberta e fotos fazer, desde que em segurança e que eles não aparecessem.
Começa aí a viagem dos sonhos, de quem filho e neto de ferroviários, jamais viajara na “quase cabine” de um trem, vendo a paisagem como vê o maquinista.
E vamos nós primeiro pelas estações de Lisboa, Areeiro, Entrecampos, Sete Rios, cidade que aos poucos irá ceder lugar ao campo. Trenzinho do Caipira de Villa Lobos, vem ser a trilha da inesquecível viagem, só proporcionada pela compreensão dos agora companheiros de viagem: João Cruz, o Chefe de Trem e Vitor Tomé, o Maquinista.
Telhal, Sabugo, Mafra, Torres Vedras, Outeiro, Bombarral… Caldas da Rainha e um detalhe final a fazer conhecer o Portugal de nossa origem: ao passarmos por Mafra, um telefonema do Maquinista Vitor Tomé ao restaurante Convívio do Sr. José, que fica bem perto da estação de Caldas da Rainha, escolhe o cardápio do almoço: leitão assado e, amizade já estabelecida comanda: reservar para três.
Almoçamos bem, comida regada a boa conversa, e não me deixam pagar a conta. Ao final uma foto de despedida, que está próxima a hora do retorno do trem a Lisboa.
Chego a tempo no encontro no CENCAL com os amigos Telmo e José Luís, cara feliz a denunciar a inesquecível viagem feita em companhia dos agora já saudosos amigos, João Cruz e Vitor Tomé.
A noite, deitado na casa de meu anfitrião Telmo, na vizinha Juncal, cantarolo para mim mesmo, lembrando as viagens de infância para Santa Bárbara, a trilha da bela viagem do dia.

Paulo Rogério Lage